Os Contos de Anima - Capítulo 102
Uma vez erguidas, as medidas defensivas do rapaz dificilmente seriam quebradas. Obviamente, isso só era verdadeiro devido a alguns fatores especiais que Lucet aprendera enquanto experimentava com suas novas habilidades em seu mês de recuperação, afinal, ele já se acostumara com o combate sem um dos braços, então, aprender a usar uma nova habilidade enquanto reaprendia a utilizar o membro não fora tão difícil.
Com um suspiro, o garoto sorriu um tanto aliviado, lembrando-se da primeira vez que despertara a habilidade. A restrição de dividir sua consciência para controlar os guerreiros era algo desgastante demais para se manter, especialmente em batalhas de larga escala, portanto, uma vez que aprendeu a ter um melhor controle sobre o talento da vida, buscou experimentar métodos diferentes sobre o mesmo, por tal, eventualmente o corvo adquiriu a habilidade que agora exibia, a formação biodivisória da sua energia vital.
O jovem ergueu seu braço mecânico, as garras reluzindo sob a luz do cosmos, leves arcos elétricos passeando dentre as partes metálicas e, juntando o polegar ao dedo médio, exerceu um pouco de força, liberando um estalo que ecoou tal como um sino. Até o presente momento, os guerreiros vermelhos permaneciam em postura combativa, mas sem avançar contra seus oponentes, por outro lado, os inimigos sequer haviam recomposto suas posições depois do ataque surpresa, mas, o garoto não lhes daria a chance para tal.
No mesmo instante que o tintilar metálico eclodiu pelos ares, os guerreiros vermelhos rugiram em uníssono e partiram para o ataque. Eram apenas uma centena de atacantes, mas, para os humanos, aqueles pareciam seres que advinham direto do inferno.
Mesmo trajados em armadura, seus corpos não faziam som, seus movimentos eram mais fluídos, rápidos e fortes que qualquer homem era capaz de produzir. No brandir de suas armas, estes oponentes traziam a ferocidade dos elementos e a esperteza da humanidade consigo, suas lâminas rubras mirando com precisão em pontos vitais, buscando as eliminações mais rápidas e eficientes possíveis.
Devido o despreparo, os filhos do pó não foram imediatamente capazes de erguer defesas significativas, por isso, as percas iniciais que já adentraram a casa dos mil, facilmente subiram para o seu triplo na segunda ofensiva dos guerreiros cujos passos eram leves e os braços velozes, pisoteando e saltando sobre os caídos e usando-os como plataforma de impulso e vantagem para atacar a próxima vítima.
A reação da humanidade se mostrou ainda mais morosa que o corvo previra. Desde a primeira ofensiva surpresa até o presente, se passara o total de um minuto. Lucet acreditou que necessitaria comandar mais uma rajada de lâminas para diminuir um pouco mais dos números dos homens, contudo, a lerdeza do oponente o surpreendeu, e por tal, fora capaz de facilmente aniquilar toda uma legião sem necessitar de qualquer gasto energético extra.
O garoto não foi capaz de conter um sorriso confiante que logo começou a brotar nos cantos de sua boca. Ele não era um tolo para cantar vitória tão cedo, sabia que ainda restavam pelo menos vinte mil guerreiros para derrotar, mas, se em apenas um minuto fora capaz de aniquilar cinco mil deles, preservando a grande maioria de sua energia e não necessitando de reforços para a formação, isso certamente era um começo do qual podia se orgulhar.
Para qualquer um que não compreendesse a real extensão dos poderes do talento da vida ou tivesse a acuidade visual do rapaz, dificilmente seriam capazes de entender o quão extraordinários foram os feitos do jovem. Em cerca de um mês, o garoto fora capaz de estudar, analisar e compreender as propriedades do talento para que fosse capaz de abençoar o inanimado com frações da sua energia vital que, mesmo que ainda conectadas a si, fossem capazes de raciocínio e ação própria.
Sempre o entusiasta do conhecimento, Lucet se sentia um pouco frustrado por não ter conseguido conceder-lhes a capacidade de sentir como ele, contudo, para apenas um mês de estudo, conseguir dar autonomia a seus soldados já era um excelente resultado, mesmo que para tal, ele próprio recebesse certas restrições possivelmente letais.
Em sua mente, o garoto era capaz de identificar, organizadamente, cada ação e escolha de seus guerreiros, especialmente tendo em vista que todas elas eram baseadas nas suas próprias experiências. Chamas rubras reluziam discretamente ao redor de seu corpo, pulsando levemente. Qualquer um cujos olhos carregassem o talento da vida seria capaz de enxergar uma centena de correntes sanguíneas conectadas ao físico do jovem que se estendiam em todas as direções, ligando os cem guerreiros rubros ao seu líder.
Quando mais próximos, Lucet era capaz de uma maior liberdade de movimento, contudo, quanto maior a distância entre eles, maior era a pressão sobre si, eventualmente fazendo com que ele sequer fosse capaz de mover um único musculo.
No momento, ainda era capaz de se defender caso precisasse, mas, a ineptidão dos homens não exacerbou sua necessidade de defesa, portanto, optou por permanecer em uma postura casual e confortável, executando sutilmente um tremendo blefe que, pela expressão dos oponentes mais afastados que ainda não colidiram com seus soldados rubros, estava funcionando tremendamente bem.
Lucet os observava com o olho do tirano, um sorriso crescendo cada vez mais em seu rosto. No ritmo em que a visão ampliada alcançava os rostos incapazes de se esconder atrás de elmos e escudos, o garoto conseguia ver suas expressões, e as vendo, era quase como se pudesse ler seus pensamentos. “Quem é esse monstro!?” elas diziam “O que está acontecendo!?” e “Eu não quero morrer nas mãos desse demônio!”.
Custou-lhe um bocado de sua concentração não começar a gargalhar diante de seu triunfo ambos físico e psicológico. Em questão de minutos, o garoto fora capaz de desmoralizar derrotar uma parte significativa de seus inimigos e, possivelmente, desmoralizar todo o resto.
— Acho que depois dessa — Lucet murmurou, contendo alguns risos — Até mesmo o Lucis vai ter que reconhecer minha força — Sua expressão triunfal logo retrocedeu, dando lugar a uma mais gentil — Quem sabe até consigo me gabar um pouco para Luna? Isso seria um assunto divertido em um encontro, não?
Como era se se espera de alguém que passou essencialmente cada minuto da sua vida estudando, aprendendo, treinando ou lutando por sua vida, Lucet não era exatamente o que se chamaria de um rapaz experiente em relacionamentos. Obviamente, ele não era um estúpido também, eventualmente alcançando a compreensão que seu interesse pela garota era recíproco, afinal, se com um gesto como o que ela fez ele não compreendesse os desejos da princesa, merecia mesmo tomar alguns golpes de Kaella.
Lucet sentiu sua garganta secar ao pensar em sua mãe, especialmente nas palavras de aviso que direcionou a si uma vez que retornaram das missões em Concordia.
Sacudindo a cabeça, porém, o jovem recuperou o foco no combate, agora não era hora de ficar pensando na princesa alfae, por mais que seu coração aquecesse e batesse um pouco mais rápido quando fizesse isso.
“Droga Lucet, foco!” o garoto se repreendeu mentalmente “Agora não é hora de subestimar os inimigos!”.
E, como se o cosmos escutasse a ironia em suas palavras, as inúmeras informações que recebia das conexões com seus guerreiros vermelhos logo sobrepujaram seus sentidos por um instante, sinalizando o perigo.
Normalmente, considerando quem eram os oponentes, Lucet sequer teria se dado o trabalho de desviar, permitindo que o armamento batesse contra suas proteções arcanas, de aura e talento, aumentando seu fator de intimidação drasticamente, mas, o alerta fora súbito e estarrecedor.
Como se por instinto, seu coração prontamente desatou em batimentos velozes enquanto seus sentidos e energias trabalhavam em uníssono para detectar o dano iminente. Um som como o de um tambor ecoou pelo campo de batalha por um momento, um domo sanguíneo com traços cinzentos e pontos dourados se expandiu, indistinto e ilusório, elevando a percepção do corvo ao limite até que a mesma alcançou seus soldados e então, seu corpo agiu sem necessitar de comando.
Sem precisar virar a cabeça para enxergar o risco, o meio-sangue inclinou e torceu o corpo levemente para trás e, no momento seguinte, uma flecha que havia transpassado a ofensiva dos soldados rubros sobrevoou o espaço onde previamente estava seu ombro, incapaz de ultrapassar a velocidade dos reflexos do meio-sangue.
“Mas o que diabos foi…”
Esse pensamento, entretanto, não teve tempo de ser concluído pois, em menos tempo que levaria para executar um piscar dos olhos, um clarão irrompeu detrás de si, traçando sua silhueta por um momento no solo antes de um grande estrondo seguido de tremores anunciarem a explosão que quase derrubou o garoto com sua onda de choque.
Lucet tentou virar-se, descrente do apuro que acabara de escapar, porém, antes mesmo que tivesse tempo de processar, logo seus instintos soaram os alarmes internos e, uma vez mais, o garoto torceu o corpo, virando o ombro oposto desta vez, desviando de outra ofensiva à distância que logo resultou em uma erupção enérgica e sonora.
— Mas que merda foi essa!? — o meio-sangue não pode evitar o xingamento que lhe escapou os lábios — Desde quando as tropas de Concordia tem esse poder!?