Os Contos de Anima - Capítulo 110
Uma explosão escarlate irrompeu da garota enquanto a lâmina de vinco negro descendia, a foice da própria morte a meros instantes de atingir a jovem e ceifar esta odiosa existência. A potência da energia manifestada fora tanta que Lucet mal teve tempo de ajustar a postura e invocar sua própria energia para se defender do ataque inesperado.
O corvo sentiu o físico vibrar diante da súbita ofensiva. Conseguira erguer as chamas escarlates a tempo, prevenindo danos maiores, mas, isso não o impediu de sentir um tanto de desconforto com o ataque. Através do laço emocional que dividia com Draco, sentiu a fera reclamar do fenômeno, questionando o que acontecera.
Labaredas escarlates brilhavam ao redor do corpo da guerreira de Puritas, chamas tão sanguíneas quanto as do próprio Lucet, mas, com algo diferente. Imediatamente, o garoto não sabia dizer o que era, contudo, tinha certeza que as chamas de ambos não possuíam a mesma exata origem.
Sophia, entretanto, não tinha qualquer intuito de dar-lhe o benefício de ponderar a questão, pois tal como Lucet em seu despertar, a garota se via repleta de energia. Tanto poder corria no corpo da jovem que ela achava até mesmo que iria explodir se não encontrasse uma maneira de descarregar esse poder.
A corvo sentia o corpo arder, como se as chamas que emanava também a destruíssem no mesmo ritmo que a abençoavam com força renovada. Um largo e medonho sorriso começou a surgir em seu rosto ao passo que ela erguia uma mão a cabeça, agarrando o rosto, enxergando através das frestas dos dedos.
— Eu posso sentir… — a garota, em meio a espasmos, comentou — tanta energia… — o corpo parecia lutar contra a força que corria dentro de si, trêmulo, aparentemente resistindo a vontade da garota — tanto poder… — comentou, sua voz doce, intoxicada, laceada de um prazer absoluto — Será esta a benção do meu salvador?
Mãos corriam pelo corpo, como se a jovem tentasse sentir célula do físico ao mesmo tempo, Lucet observava apreensivo, mas tranquilo, ao êxtase que surgia no corpo da oponente. Por mais que estivesse cansado do combate, tinha mais do que força o suficiente para vencer, porém, descuidos como este pensamento poderiam dar abertura para desastre, por isso, suspirando, se preparou.
Gargalhadas maníacas escapavam dos lábios de Sophia, que parecia se afogar no poder que experimentara, algo que fazia os pensamentos de Lucet acelerar em busca de respostas, contudo, a situação rapidamente mudou quando a corvo agiu. Risos cessaram e, enquanto abraçava a lança da família, o rosto da garota se tornou impassivo e, alimentada pela energia escarlate, pisou levemente antes de disparar contra o inimigo.
Diferente da última ofensiva alimentada pelo restante da força arcana que havia em seu corpo, Sophia agora avançava repleta de um novo poder e, obviamente, isso tornava o ataque ainda mais perigoso, e rápido. Lucet, mesmo preparado, foi surpreendido pela assombrosa velocidade do ataque e, devido ao cansaço, não foi capaz de responder tão bem quanto gostaria.
Em um piscar de olhos, Sophia apareceu, a ponta da lança alvejando a garganta do garoto em uma estocada diagonal ascendente tão veloz que o olho do tirano até detectou o rompimento da barreira do som. A ofensiva formou um anel de ar em volta da ponta sinuosa da lança, algo que a tornou ainda mais silenciosa que o esperado.
“Merda!”
O ataque foi tão rápido que Lucet só teve tempo de formar uma palavra em sua mente, o corpo demandando a totalidade do processamento cerebral disponível para se defender. Ele ergueu a lâmina as pressas, tendo a feliz sorte de já a ter posicionado próxima a cabeça, e tensionou o corpo para receber o impacto.
Um alto e reverberante som metálico irrompeu do ponto onde as lâminas colidiram, Lucet até tentou firmar o corpo, mas, o impacto do golpe foi tamanho que ele foi arremessado para trás, perdendo o equilíbrio. O garoto sentiu o braço arder, a força do golpe tanta que parecia mais que tinha sido atingido pelo tiro de um canhão.
O garoto já planejava rotas de ação para quando sentisse o chão atingindo suas costas, entretanto, ao invés de solo molhado pelo orvalho da noite, encontro a feliz surpresa de Draco. Agindo rápido, a grande fera vermelha disparou a calda na direção do corvo, aparando-o em meio a queda ao enrolá-la em volta da cintura do aliado.
Antes que tivesse qualquer tempo para celebrar ou agradecer, Lucet travou a mandíbula em frustração e preparo. Até mesmo diante do olho do tirano e seu mundo de tons azulados, a garota se movia tão veloz quanto normalmente. Tremenda era a velocidade da corvo de Puritas, porém, o jovem não estava desamparado e, com uma certa irritação, inspirou decisivamente, comandando o retorno de vinte correntes sanguíneas.
Sabendo da performance que tinha de demonstrar, o meio-sangue não tinha qualquer intuito de deixar as tropas humanas escaparem, tanto que ainda deixou setenta e cinco soldados rubros ativos. Ainda assim, tinha de lidar com a presença crescentemente perigosa de Sophia que tinha apenas um propósito em mente que envolvia ele, a lança e a inevitável separação do seu pescoço e ombros.
Reforçado pela energia dos soldados, Lucet respirou mais tranquilo enquanto sentia o poder e mobilidade retornar aos seus membros. Ainda não dispunha do total da capacidade física e energética que possuía, mas, isso teria que servir por agora. Mais um passo e Sophia o alcançaria, sem tempo para recuar, o corvo direcionou o talento da vida, injetando-o na protomail, reativando o maquinário quase que instantaneamente.
Não iria conseguir erguer o braço a tempo, mas, com ele ativo, tinha mais opções no combate. Sophia, entretanto, não iria agir conforme qualquer uma das maquinações. A energia que fluía pelo corpo da garota subitamente irrompeu em um labaredas violentas, irradiando algo corrompido aos arredores, drenando o ambiente de sua vitalidade, deixando apenas uma área de grama seca e cinzenta por onde passasse.
Isto, porém, não era o fim. A garota pisou forte, quebrando vegetação seca e terra rachada ao avançar como um raio escarlate. Uma estocada letal abriu a ofensiva e Lucet, já vendo a trajetória do ataque com o olho do tirano, tensionou o corpo, girando-o levemente, dobrando o joelho e posicionando a lâmina na direção do ataque para resistir a colisão.
Um segundo estrondo metálico ecoou do impacto entre as lâminas enquanto Lucet sentiu o poder considerável atrás do ataque. Ele grunhiu entredentes ao passo que a dor era transmitida do braço para o resto do corpo que parecia confrontar um terremoto, o membro bruscamente pressionado contra as costelas. O garoto subitamente detectou uma pontada particularmente dolorosa nas defesas.
“Droga!”
Xingou mentalmente ao direcionar energia ao braço defensivo, ajudando a aliviar a dor do local.
“Se continuar assim, ela vai deslocar meu ombro e quebrar umas costelas… Isso não pode ficar assim!”
Analisou enquanto flexionava os músculos da área, prontamente disparando um chute na direção das costelas da oponente, forçando a garota a saltar para trás, desviando do golpe perceptivelmente carregado de energia. Prótese reativada, Lucet ergueu o braço, flexionando os dedos algumas vezes para confirmar a funcionalidade, serpentes energéticas passeando ao redor da estrutura.
— Já chega dessa palhaçada — Lucet rosnou, um sorriso confiante crescendo em seu rosto, formando uma expressão selvagem em conjunto do olho do tirano — Hora de conhecer o seu precioso, heh… — o garoto não pode conter um breve riso que mais pareceu uma tosse — salvador — as próximas palavras saíram baixas, sibiladas, quase como o som de uma serpente saboreando uma presa — pessoalmente.
Ele agiu rápido e, em conjunto com Draco, iniciou o contra-ataque. Pisando no chão com força, o garoto disparou a frente, encolhendo o braço metálico junto ao corpo enquanto as gemas começavam a brilhar, carregando energia. Se desse sorte, o avanço alcançaria a garota antes que ela pudesse recobrar a postura de combate, porém, o destino não parecia favorecê-lo tanto quanto gostaria.
Quase instantaneamente ele galgou a distância até Sophia, ativando o talento da vida ao redor da lâmina dourada, fazendo com que a aura sanguínea intensificasse. A garota, entretanto, não tinha planos de ser derrota, imitando a técnica de Lucet antes de executar uma estocada veloz e poderosa na direção do garoto.
No último instante, o meio-sangue reagiu, girando o torso à direita para desviar por um triz, a lança raspando a proteção encantada do peitoral, desfazendo o escudo arcano com um mero toque das chamas rubro negras. Lucet, entretanto, não deixou barato, aproveitando o giro do desvio para impulsionar a estocada de sua lâmina.
Cruzando o ar em um instante, a arma traçou um padrão sinuoso no ar e atingiu o ombro da inimiga, não decepando o braço por completo pois as chamas corrompidas da guerreira de Puritas repeliram o poder do corvo, fazendo a espada saltar para o alto, quase escapando dos dedos do jovem.
— Agora! — O meio-sangue exclamou para a fera escarlate.
O trio de orbes reluziram e então, um dos olhos disparou um raio esmeralda na direção da oponente, aproveitando a brecha de Lucet. A garota tentou recuar o armamento e perfurar o herege odioso a sua frente com um ataque veloz que ele não conseguiria desviar, mas, no instante em que pensou nisso, ouviu um grito do garoto que a fez hesitar.
A luz paralisante não falhou em acertar o alvo, cessando os movimentos e intenções da garota. O meio-sangue, entretanto, não baixou a guarda, prontamente executando um corte vertical com a espada, determinado a executar a inimiga. Diante de uma morte praticamente certa, as memórias da garota supressas pelo ódio ressurgiram com força total, sobrepujando o instinto assassino em favor da sobrevivência.
Chamas rubro negras irromperam em uma explosão de energia ao redor da garota, uma repentina onda de choque atingindo Lucet em cheio, arremessando-o bruscamente para trás, seus órgãos sacudindo dolorosamente. Alguém menos qualificado teria desistido ai, mas este era um meio-sangue obstinado a vencer, portanto, em meio ao ar, ele apontou a prótese carregada de energia na direção da garota.
— Desgraçada! Porque você não morre de uma vez!? — O garoto urrou sua frustração, um zunido elétrico o acompanhando.
A prótese reluzia, relâmpagos escarlate correndo através da estrutura, disparando aos céus, cingindo a terra e rasgando o espaço com a energia concentrada. As garras da mão tremiam com o esforço de condensar e comprimir e as chamas rubras, ainda que não transmitisse sensações diretamente, Lucet sentia como se tentasse esmagar um diamante com os dedos.
Ele planejava utilizar este ataque para exterminar o restante dos exércitos humanos em um único tiro, mas, não teve a oportunidade. Agora, o disparo estava pronto, talvez precisasse de uma compressão ainda maior, mas, para um único alvo, isso devia bastar, portanto, mirou, bestas escarlates rugindo, urros tal qual trovões apocalípticos.
— EXTINÇÃO VERMELHA!
O trio Neste momento, qualquer que observasse o campo de batalha foi momentaneamente cego, testemunhando o brilho de uma estrela e o nascer da destruição. Um clarão visível da estratosfera desabrochou, um canhão de plasma avermelhado rugindo em direção a inimiga.
O ar se dobrava, qualquer outra luz perto desta se distorcendo com o calor insuportável das chamas compressas. O próprio espaço borbulhava diante do poder assustador disparado pelo garoto, galgando a distância entre os dois em um instante. Lucet esperava várias coisas, uma explosão, vaporização, incineração e até desintegração a um nível molecular, mas, definitivamente não esperava o que veio a seguir.