Os Contos de Anima - Capítulo 13
Instantes depois, os participantes se viram no centro de um coliseu antigo. Algumas partes dos arcos estavam quebradas e até algumas seções das arquibancas se encontrava desmoronadas nas alas superiores, mas no geral, o espaço era utilizável. Ao olharem para o céu, repararam que o tom claro azulado acompanhado da estrela amarela que o governa não existia, mas sim, um escuro estrelado que indicava, tal como alguns mestres apontaram prontamente, que não estava mais em Elysium.
— O espaço independente do Líder — Albus exclamou — Até mesmo eu que também sou um invocador não conseguir construir um desses! Esse velho realmente ficou ainda mais poderoso desde a última vez que o vi!
— Ora, mas que surpresa — o Gnoma Iogi disse — Um humano conseguiu construir um espaço independente? Que curioso! Realmente Peculiar! Creio que aqueles teimosos da corte real vão arrancar suas barbas se souberem disso — Ele afirmou gargalhando.
Nesse momento, Lucet se virou para Kaella e perguntou.
— Mestra, onde estamos? O que é esse lugar?
— Este é o espaço independente do líder da vila — ela respondeu — Apenas invocadores tem a possibilidade de construir um desses. E não é qualquer invocador, mas sim aqueles que têm contratos com seres poderosos, e que eventualmente fortaleceram não apenas os laços com tal ser, mas também o próprio ser. Esse espaço é projetado pelo ser que o líder da vila fez seu contrato, e o líder, com a ajuda deste ser, é a coisa mais próxima de um deus que pode existir, podendo controlar não apenas qualquer elemento que deseje, mas até mesmo controlar a própria dimensão até um certo ponto. Esta é uma das razões de um invocador ser perigoso, pois, quando você fica preso dentro de um espaço independente de um deles, você está basicamente morto.
Lucet ficou atônito. Quando Kaella o ensinou sobre os limites da mana e o quão extremas são as distâncias que magos podem levar a execução de seus poderes, ele aprendeu sobre os domínios elementais, onde um mago poderia usar a mana ao seu redor e controlar totalmente um determinado elemento em uma certa área, mas, controlar todos os elementos e até o próprio espaço? Isso era ridículo! Era poder demais para uma só pessoa!
— Mestra, mas nesse caso — ele então questionou — O líder da vila deve ser invencível não?
— Não exatamente — ela sorriu — Certamente, com um poder absurdo desses, ele deveria ser invencível, mas a questão é, ele só tem esse poder aqui dentro.
— Como assim? — Ele perguntou um tanto confuso.
— Isto é um espaço independente — ela explicou — Ou seja, isso é um lugar que existe separado da realidade. Como foi o líder e seu ser contratado que criaram com muito esforço esse local, eles obviamente têm imenso poder dentro dele, a autoridade deles é quase absoluta.
— Quase? Mas você não disse que eles têm juntos o poder mais próximo de um deus aqui dentro? — ele continuou.
— Exato — ela respondeu — Aqui dentro eles tem um poder quase divino, mas a questão é exatamente essa, é apenas quase. Existem alguns poderes que são ainda mais invioláveis do que os de um espaço independente, e que, se manifestados num espaço independente, podem destruí-lo por completo.
— E que poderes são essas mestra?
Kaella olhou para o peito do garoto discretamente, lembrando da promessa divina que ele sempre carregava. Ela pensou em mencionar o poder das promessas divinas e de alguns outros itens, porém, quando o pensamento lhe cruzou a mente, ela sentiu, por um brevíssimo instante, uma aura esmagadora olhar diretamente para ela, vinda direto da região onde o medalhão estava. Seu corpo tremia com o esforço de resistir e ela se sentia como se uma montanha tivesse sido jogada sobre si.
Seu corpo inteiro tencionou e a mana dentro de si começou a correr pelo seu corpo reforçando diversas defesas. Por melhor que fosse o seu controle da mana, ainda assim, uma aura luminosa escapou por um segundo de seu corpo, e como o esperado, todos os mestres perceberam. Eles olharam em sua direção, porém, antes que pudessem questionar, seu poder já tinha sido retraído. Sabendo do temperamento da elfa, e especialmente da sua força, nenhum deles ousou questionar, com exceção é claro, do líder que disse amistosamente.
— Algum problema Kaella? — ele perguntou com um leve sorriso no rosto.
— Nenhum — Ela respondeu, disfarçando tranquilamente — Estava apenas reforçando algumas lições com meu discípulo, afinal, diante de todos estes formidáveis oponentes, todo cuidado é pouco não concorda?
O líder apenas deu uma breve risada e chacoalhou a cabeça, apesar de saber que aquela resposta era apenas um desvio de atenção para fazer com que os outros mestres ignorassem seu problema, ele não era um homem de violar a privacidade alheia, e, tal como um bom anfitrião, respeitou seu silêncio. Ela se virou para Lucet e o respondeu.
— Isso são assuntos que até eu não posso falar casualmente criança — Ela suspirou — Em um outro momento mais apropriado lhe ensinarei sobre isso.
— Tudo bem — ele concordou.
Ele estava curioso, especialmente depois desta pequena crise, mas sabia que se tratava de algo sério e se nem o líder, que era respeitado por sua mestra, continuou a questionar, porque ele teria qualquer direito de fazer isso?
O homem de branco olhou para todos por alguns instantes e então, ao virar para as crianças especificamente, disse:
— Mais uma vez — ele disse, sua voz suave e tranquilizante — Sejam todos muito bem-vindos. Seus mestres já me conhecem, e até vocês conhecem meu título, mas ainda assim, devo me apresentar. Sou o líder de Elysium, um invocador, como podem perceber pelos avisos de seus mestres, e sou conhecido como Maximilian Von Hohenheim, e saibam que fico muito feliz em saber que a nova geração da minha querida vila produziu tantos talentos.
As crianças ficaram um tanto tensas, afinal, minutos antes o senhor que agora sorria como um velhinho gentil e indefeso, demonstrara um poder tão grande que eles simplesmente não conseguiam aceitar essa máscara. Lucet, de início, ficou extremamente apreensivo quando considerou a proeza do homem que fez até mesmo sua mestra ficar em silêncio por respeito. Ele era o ápice da habilidade humana! Alguém que quebrou todas as expectativas da mediocridade natural dos humanos e criou um espaço independente!
Mas, como se fosse impossível resistir seus impulsos, ele deu um passo à frente e estendeu sua pequena mão um tanto trêmula para o senhor que mais parecia um colosso na sua frente.
— P-prazer em co-conhecê-lo líder — ele disse com muito esforço.
Maximilian, que, mesmo de idade avançada tinha o tamanho de um guarda roupas, pausou por um instante. Ele demorou alguns momentos avaliando a pequena mão que tremia mais e mais a cada instante, e a criança ligada à aquela mão. Seus olhos verdes pareciam devorar cada partícula do corpo do menino, como se pudessem entender todos os seus segredos e peculiaridades. Ele abriu um sorriso largo mostrando seus dentes que pareciam diamantes de tão brilhantes e estendeu sua mão. Era uma mão quase três vezes maior que a do garoto, fina, pálida e aparentemente muito frágil, considerando que quase era possível ver o interior dela através da fina pele enrugada. O homem pegou a mão do garoto e o cumprimentou, dizendo:
— Ora ora — ele disse animado — Já faz um bom tempo que vocês jovens não têm a coragem de me cumprimentar, isso é uma surpresa agradável pequeno meio-sangue. Para sua idade você é bem forte, vejo que Kaella lhe treinou muito bem. Qual o seu nome garoto?
Kaella sentiu seu sangue gelar quando o rosto de Lucet, com uma expressão de profundo espanto, se virou para ela, seu olhar claramente dizendo “O que ele quis dizer com meio-sangue?”
“MAXIMILIAN! Seu velho linguarudo, você me paga!” Kaella xingou em sua mente, enquanto, pelo mais breve momento, olhou o homem com fúria explícita, e ele, ao reparar a hostilidade, apenas riu. Se olhares pudessem matar, nesse momento Kaella teria partido o velho em pedaços. Ela olhou para Lucet novamente e, com um leve aceno da cabeça, confirmou as palavras do velho.
Lucet olhou para ela incrédulo. Ele era um meio-sangue!? Não! Ele era humano! Um humano normal, um tanto mais talentoso que o normal certamente, mas, como a Alfae o disse anos atrás, nada mais que isso. Ele continuou a questionar com o olhar, mas ela apenas virou o rosto.
Lucet se enfureceu. Ela sempre disse a ele que apenas era um humano muito talentoso, nunca que ele não era nem sequer um humano completo! Ele queria reclamar, mas se lembrou que ainda segurava a mão do homem mais poderoso do Elysium, portanto, engoliu sua frustração e o respondeu com um sorriso um tanto rígido, claramente forçando os musculos do seu rosto a demonstrarem uma expressão agradável.
— Meu nome é Lucet senhor.
— Muito bom conhecê-lo Lucet — ele respondeu rindo — é verdadeiramente um grande prazer em conhecê-lo.
Ele então se virou para todas as outras crianças com um leve sorriso em seus lábios.
— Bem mais interessante que conhecer a estes pirralhos que consegue fazer caras tão adultas com uma idade tão jovem.
Lucet virou o rosto e viu que grande parte deles o olhavam com um imenso desprezo. Seus olhares eram frios e seus rostos até emanavam um distinto sentimento de nojo. Era como se estivessem olhando para uma aberração, e isto, o fez ficar ainda mais irritado do que já estava. Além disso, quando por acidente viu de relance a expressão dos outros mestres, com exceção dos rostos do Gnoma Iogi e o diretor Albus, todos o olhavam com imensa repulsa. Maximilian os observava, desapontamento óbvio em seus olhos.
— Senhores, senhoras — ele comentou — Esperava muito mais de vocês. Como podem, com seu conhecimento e idade, ainda ter um pensamento tão retrógrado? Se, com suas longas vidas, tudo que conseguiram aprender é o poder, mas não a sabedoria, me pesa dizer, mas vocês desperdiçaram seus esforços e talento.
Como crianças repreendidas, os mestres abaixaram suas cabeças, envergonhados e, ao mesmo tempo irados com o homem. Se não fosse pelo fato que o poder dele era naquele momento inviolável, eles já o teriam atacado com toda força. Por outro lado, Lucet, que até aquele momento não conseguia sentir nada além de ira contra todos, especialmente contra Kaella e o próprio líder, que sem mais nem menos revelou sua identidade, sentiu um calor surgir em seu peito.
Ser defendido por ele foi… Diferente. Ele respeitava Kaella por seu conhecimento e seus esforços em treiná-lo, mas a atitude do homem era algo inesperado, e que ganhou seu respeito imediatamente. Não sabia porquê, mas coragem encheu seu peito, e o fez soltar a mão de Maximilian, dar um firme passo a frente e se virar para todos, dizendo com zombaria e indignação em sua voz.
— Se vocês se acham tão melhores que eu — Lucet disse — Então porquê não fazemos uma aposta?
Todos os olhos se viraram para o garoto. Kaella, um tanto confusa, o olhava com interesse renovado que suprimia um pouco a culpa que sentia por ter escondido do garoto sua real identidade enquanto que Albus, Iogi e Maximilian o olhavam com sorrisos compreensivos, e entendiam exatamente o que ele estava para fazer, e, de um jeito ou de outro, aprovavam a idéia.
— Aposta? — Domina Ferrum disse, erguendo sua cabeça — Do que está falando pirralho mestiço? Quem te deu permissão de falar?
— Por um acaso está com medo de um pirralho mestiço, mestra elfa? — Ele retrucou com palavras ácidas.
— ELFA!? Seu moleque insolente! — ela exclamou — Já que Kaella, como esperado, não lhe ensinou boas maneiras, eu farei isso por ela!
A Alfae despertou seu poder e a temperatura ambiente caiu rapidamente enquanto um brilho azul-claro irradiava do corpo dela. Lucet sentiu frio por um mísero instante apenas, já que Maximilian agiu. Com apenas um movimento de sua mão, e um eco de um rugido vindo do céu estrelado, a temperatura voltou ao normal e a elfa caiu de joelhos, o chão rachando abaixo de si, como se a própria gravidade estivesse focada toda nela.
— Eu permiti que ele falasse — disse o homem num tom perigoso — Não tem vergonha de usar um poder como o teu contra uma criança?
A elfa grunhiu de dor, mas não disse nada. Maximilian manteve ela presa ao chão e acenou a cabeça para Lucet, ele sorriu e acenou a cabeça em agradecimento, então dizendo.
— Como eu dizia, antes da “nobre” mestra ELFA me interromper — ele disse, debochando — Eu gostaria de propôr uma simples aposta como resposta para seus olhares.
— E que aposta seria essa garoto? — Iogi o Gnoma perguntou rindo.
— Com exceção de você, senhor Iogi — ele respondeu — E o senhor, diretor Albus — ele continuou, apontando para o homem — Eu gostaria de desafiar todos os outros competidores a uma batalha de todos contra mim.
O silêncio imperou por alguns instantes. Nenhum dos mestres ali presentes, incluindo sua própria mestra, foram capazes de processar e acreditar no desafio do garoto.
— O que!? — Albus finalmente falou — Eu entendo a sua frustração, mas uma batalha dessas é burrice, são treze contra um!
— Eu sei, mas este é o meu desafio — Lucet respondeu, firme — E a aposta é a seguinte, se eu ganhar, caros mestres, vocês saem de Elysium para sempre. Se eu perder o combate, considerando o quanto vocês me desprezam, eu sairei de Elysium.
Os mestres riram alto e então um deles, um humano desta vez, respondeu zombando.
— Que ridículo! — ele disse — Você acha que uma simples aposta pode expulsar a todos nós de Elysium? Contribuímos décadas de esforço para este projeto, acha mesmo que o líder concordaria com esse banimento?
Lucet estava prestes a responder, porém, Maximilian respondeu em seu lugar.
— Sim, eu concordo com isso — ele disse, sua voz séria, ameaçadora — Se vocês têm uma mente incapaz de aceitar o diferente, então o projeto Elysium não precisa de suas habilidades. No início, quando aceitaram o convite para o projeto, deixei bem claro que qualquer tipo de prejuízo advindo de preconceito contra as outras raças, sejam elas quais forem, acarretaria punições, especialmente se esse prejuízo fosse direcionado a crianças. Tenho certeza que dezenas de outros mestres avidamente competiriam para preencher suas vagas. Porém, não serei injusto, se implorarem por perdão de joelhos para o garoto, e derem cada um o fruto uma de suas obras para ele, deixarei que permaneçam.
Eles olharam entre si, incrédulos. Como pode ser? O líder escolheria um pirralho meio-sangue ao invés de treze mestres renomados? E ainda por cima, para permanecerem em Elysium, tinham de implorar o perdão do moleque e abrir mão de um de seus produtos que lhe custaram tanto esforço para criar!? NUNCA!
Com seus rostos enfurecidos e contorcidos de frustração, eles permaneceram em silêncio, e o líder, infeliz com essa decisão, aceitou a decisão dos treze.
— Seus velhos estúpidos — Maximilian suspirou — Pois bem, sua única escolha então é aceitar a aposta, do contrário, eu os banirei imediatamente.
Sem outra escolha, e com sorrisos confiantes, os mestres aceitaram o desafio. Eram treze alunos ensinados diretamente por eles a um tempo considerável, mesmo que Kaella tivesse treinado o meio-sangue pessoalmente desde o começo, quais as chances de que ele realmente poderia vencer todos eles sozinho? Mesmo que fosse extraordinariamente talentoso e poderoso, sua mana, considerando a idade, era bem limitada, e, se não fosse derrotado pela força dos treze, seria pela exaustão.