Os Contos de Anima - Capítulo 15
A afirmação da elfa assustou os espectadores. Os competidores não conseguiam ouvir os comentários fora da arena, pois, caso isso fosse possível, os mestres poderiam dar dicas, e isso seria injusto de acordo com Maximilian, por isso, ele prontamente isolou os sons de fora.
— Uma “Garra de Corvo”? — Albus exclamou — Como conseguiu isso pro garoto? Foi você que forjou para ele Iogi?
— Claro que não! Acha que eu tentaria forjar uma coisa perigosa dessas? — Ele respondeu, insultado — Só maniacos pela forja aceitam fazer esse troço!
— Ora Iogi — Maximilian disse — Não insulte a arma, sabe muito bem que, além de extremamente difícil e brutal de se forjar, ela também é uma verdadeira obra de arte e um ferramenta extremamente útil contra magos. Não é porque teme seu poder dela que deve deprecia-la. Lembre-se que sua concepção é, afinal de contas, uma história tão triste quanto é cruel.
— Ora, e quem não sabe Maximilian? — o Gnoma retrucou — Essa ferramenta maldita custou muito caro para meu mestre, o método para criar a garra original foi tão cruel danificou não apenas sua mente, mas também sua alma. Se não fosse pelo tratamento administrado diretamente pela Kaisar de Jungla Iroko combinado com o poder curativo da mana da luz da esposa do Monarca de Lumina, o que acabou custando um imenso favor do Rei dos Gnoma para contratar essa “ajuda”, meu mestre agora provavelmente já teria sido morto por causa da loucura.
A concepção da arma “Garra do Corvo” era simplesmente horrenda. Ninguém podia negar sua eficácia, afinal, ela era a primeira arma que conseguiu através de seus materiais específicos e sua forja única produzir o efeito de abolir a mana, ou seja, uma arma de anti-magia. Os feiticeiros a temem, pois quando ela surge nas mãos de um oponente habilidoso, ela é basicamente a foice da própria morte.
Décadas atrás, um mago corvo sem nome vivenciou o massacre de toda sua vila nas mãos de uma inquisição de serafins e paladinos. Eles mataram pais, filhos, idosos, mulheres, crianças, animais e destruíram todas as construções e itens que puderam encontrar, deixando apenas uma extensão cinzenta e ressecada de terra nunca mais se recuperou. Este corvo estava em viagem, e retornou às pressas quando soube do ataque iminente sob a vila, mas, mesmo com todo seu poder mágico e habilidade, nada pode fazer diante da cruel força da Congregação de Puritas que tinha enviado mil guerreiros contra uma vila de duzentos habitantes cujo a grande maioria não tinha qualquer capacidade de combate.
Ele assistiu enquanto sua esposa, crianças, familiares, pais, avós e tudo que construíram com tanto esforço. Tudo virou cinzas ante as chamas brancas da “purificação” e nesse dia, lágrimas de sangue correram de seus olhos. A chama negra da vingança acendeu no peito do homem, e com a ajuda de um velho amigo, o osso de um corvo-rei, seu sangue que clamava por justiça e as cinzas dos mortos, ele forjou uma lâmina negra presa a um osso que cortava toda magia. Com ela, ele caçou cada um dos assassinos e os matou um por um antes de entregar sua lâmina ao homem que o ajudou e sumir no mundo.
Desde então, a lâmina negra de corvo ficou conhecida como “Garra” e com a pesquisa na lâmina banhada em sangue, réplicas foram produzidas, levando o nome da original e o seu terror consigo. Os métodos originais foram adaptados e agora eram menos cruéis, mas igualmente difíceis de produzir, afinal, o osso do corvo-rei ainda era peça essencial na produção, pois o enorme pássaro negro tinha um corpo único que era capaz de negar a influência de qualquer magia.
— Isso não é justo! — Domina Ferrum protestou — Ele tem uma enorme vantagem com essa arma. Isso não pode ser permitido, líder, retire a arma do garoto.
— E ele ainda está lutando contra treze oponentes Domina — respondeu Maximilian calmamente — Espera mesmo que eu não deixe ele ter ao menos uma vantagem contra tantos oponentes? Se ele derrotar os treze, é sua habilidade, se perder, é sua insuficiência. Talento, poder, recursos, tudo pode ser considerado habilidade se ele adquiriu, assim como tenho certeza que seu discípulo também tem suas próprias cartas na manga.
A elfa fez uma tentativa de falar, mas a voz lhe falhou e ela desistiu, pois, sabia que não tinha como refutar. O que ela podia fazer agora era ter esperança de que os preparos que tinha feito para o torneio fossem o suficiente para ele derrubar aquele detestável meio-sangue e humilhar a guardiã arrogante.
O perímetro da barreira dos três Alfae brilhou intensamente em preparo para o impacto. Lucet cortou o ar e sua lâmina escura atingiu em cheio a proteção. Os elfos riram triunfantes por um único instante antes de entrar em desespero.
— Vejam o poder do presente da minha pobre mestra — Lucet disse ironicamente.
A lâmina, como se fosse aço em brasa tocando a água, facilmente deslizou através das proteções e as evaporou. Lucet caiu no chão, mas antes que encostasse no solo, jogou suas mãos para baixo e usando-as de mola contraiu o corpo e então soltou um chute com cada perna na direção dos queixos dos dois Alfae mais atrás. Ele acertou em cheio o golpe e os nocauteou, e assim, com um baque surdo, os dois caíram desmaiados no solo da arena.
Antes que Alfae no meio pudesse reagir, Lucet fechou suas pernas ao redor do pescoço do garoto e puxou seu corpo. Ele agarrou a cabeça loira com suas mãos e colocou a lâmina negra na garganta pálida do elfo. Ele sorriu cruelmente antes de dizer.
— Desiste ou vou ter que te desmaiar como eles?
O elfo atônito não respondeu por alguns instantes, mas quando Lucet pressionou com um pouco mais de força a lâmina contra a pele do Alfae, ele reagiu e com uma expressão de desespero, soltou sua adaga, que com um tilintar metálico, atingiu o solo.
— Eu me rendo.
Lucet então o soltou e ao tocar seus pés no chão, uma luz feroz surgiu em seus olhos. Ele agarrou os ombros do garoto, saltou e acertou uma joelhada no queixo do elfo, o nocauteando instantaneamente. Uma luz verde envolveu a arena, e quando ela se dispersou, os três elfos e a humana serafim haviam sido transportados para a arquibancada.
— Melhor prevenir do que remediar — Lucet sorriu cruelmente.
Nos bancos os mestres dos nocauteados estavam revoltados.
— Que tipo de ensinamento bárbaro você tem dado para esse moleque, guardiã!? Meu discípulo já tinha se rendido e mesmo assim ele deu um golpe tão cruel, é assim que educa a nova geração Kaella? — Domina Ferrum protestou.
O Alfae que largou sua arma era aluno dela, e tentando de todas as maneiras anular a punição, ela começou a torcer a verdade e buscar o papel de vítima para talvez reverter a decisão de Maximilian. Ele, porém, respondeu num tom monótono.
— Ela o ensinou a sobreviver — ele disse — Alguém como ele já terá muitas dificuldades apenas por existir, ela o ensinou muito bem. E, se isso fosse um campo de batalha real, a arrogância e total subestimação que seu aluno exibiu o custaria a vida, portanto, eu sugiro que você mude seus ensinamentos se quiser que seus alunos sejam mais que pedras a serem pisadas pelos outros. Guerreiros formidáveis podem ter corações e filosofias pacíficas, mas quando tem de agir, eles são todos, sem exceção, como esse garoto, impiedosos.
Na arena, todos estavam chocados. Não havia nem cinco minutos que o combate havia começado e Lucet já derrotara quatro dos treze oponentes. Sem a segurança da serafim, os humanos apertaram sua defesa e inclusive sugeriram que a Faeram e os Gnoma se unissem a eles, mas ambos rejeitaram. Vendo a facilidade que o meio-sangue tinha ultrapassado as defesas humanas e instantaneamente nocauteado a serafim, além de derrotar os elfos logo em seguida, eles preferiram confiar em suas próprias habilidades ao invés de se unir ao grupo que já havia sido driblado pelo garoto.
Lucet parou por um breve momento para respirar. Apesar de ter derrotado quatro combatentes em questão de minutos, ter ficado por um minuto no plano sombrio antes de atacar gastou uma quantia considerável de sua energia. Seus músculos doíam e suas juntas estalaram quando as movimentou. Ao analisar sua mana, suspirou. Mesmo que tenha treinado muito para aumentar o tempo e minimizar o gasto de mana para usar o passo do corvo e se esconder no plano sombrio, ainda assim, esse um minuto lhe custou metade de sua mana, e agora que seu corpo estava um tanto exaurido, sua eficiência cairia e ele estimou que só conseguiria usar o passo do corvo, apenas para transporte, mais duas vezes, e caso quisesse manipular à terra para atacar, só poderia utilizar o passo do corvo uma única vez mais.
— Vou ter que acabar com isso logo antes que eu fique incapacitado — ele murmurou.
O garoto tomou um largo fôlego. Suas botas que até então não mostravam nada anormal, começaram a reluzir seguidas de suas manoplas que agora também brilhavam. Apesar de serem encantamentos passivos, ou seja, que não precisam de ativação direta, mantê-los em funcionamento a todo tempo custava uma quantia considerável de mana, pois, ele ainda não era capaz de armazenar mana em seus equipamentos, por isso, ele geralmente optava em deixá-los como um último recurso.
Um passo tocou o chão e ele desapareceu de vista. Quando os oponentes perceberam, Lucet já estava em frente ao trio de Gnomas que foram lentos demais para reagir. Brandindo sua garra, ele soltou um corte horizontal em direção aos cabos dos machados, que, mesmo sendo encantados com reforços mágicos, diante da lâmina negra não conseguiram resistir mais que uma folha de papel resistiria a uma tesoura afiada. Três baques foram ouvidos na arena, e quando os pequenos se deram conta, as cabeças de suas armas haviam caído no chão.
Eles olharam assustados para Lucet como se estivessem enfrentando uma fera selvagem. Porém, o medo durou pouco e logo a fúria tomou seu lugar e os três retaliaram cegamente soltando punhos e chutes em todas as direções. Lucet tomou vantagem da fúria descontrolada dos três e saltou por cima deles. Usando a força extra concedida por suas manoplas, ele agarrou dois dos pequenos pela nuca e os ergueu. O que ficou no chão ele acertou um chute na nuca que o fez cair de cara no chão, depois, ele repetidamente bateu a cabeça dos dois Gnoma em suas mãos uma contra a outra até que eles se rendessem.
Um flash de luz verde iluminou a arena, e os dois pequenos foram transportados para a arquibancada. O terceiro se ergueu, seus olhos vermelhos de fúria, porém, antes que pudesse reagir e gritar, o ar lhe fugiu os pulmões quando Lucet o agarrou pelo pescoço e apertou a garra negra sobre sua pele.
— Se rende ou terei de fazer com que não seja capaz disso? — Ele perguntou, sua voz fria e perigosa.
Por ter sua traquéia bloqueada, ele não conseguia responder. Seu rosto cada vez mais vermelho pelo acúmulo de sangue, ele apenas acenou com os olhos e Lucet o soltou.
— Eu… eu me rendo meio-sangue — ele disse enquanto buscava ar.
Lucet então se virou e observou os oponentes restantes. A sua esquerda, a garota Faeram com seus lobos que o encaravam ferozmente com suas órbitas flamejantes, a sua direita, os humanos amedrontados que mal conseguiam segurar suas armas.
“Bem, melhor acabar com eles primeiro antes que resolvam me dar alguma surpresa” Lucet pensou ao decidir seus alvos.
Ele se moveu e instantaneamente estava a frente de um dos garotos. Para sua surpresa, o humano reagiu rápido e colocou o escudo a sua frente, mas, Lucet agiu ainda mais rápido e jogou seu corpo para baixo, deslizando por baixo das pernas dele, se colocando no meio grupo que já tinha mudado de posição e agora se encontrava em um triângulo.
O outro garoto do grupo se virou no momento que ouviu o deslizar de Lucet pelo chão, e quando se deu conta, sentiu um impacto em seu queixo que o fez cair de costas num baque surdo e grunhir de dor. Lucet pegou a espada do garoto com seu pé, jogou para sua mão e então pôs a lâmina negra e a espada nos pescoços de duas garotas. A voz dele soou baixa, como um sussurro macabro da própria morte.
— Se rendem ou terei que fazer como fiz com os outros?
Assustadas pela velocidade dele e pelas lâminas que a cada instante apertavam um pouco mais contra suas gargantas, elas acenaram com a cabeça desesperadamente e disseram.
— Nos rendemos.
Luce saltou para trás e agarrou o garoto caído, ele o ergueu pelos ombros e olhou diretamente nos olhos. Ele nem ao menos precisou perguntar e o humano prontamente desistiu.
— Eu me rendo.
Lucet o soltou e deu um salto para trás para desviar de um ataque desesperado dos dois humanos remanescentes. Ele riu e então, quando o flash de luz verde inundou a arena para transportar os rendidos para as arquibancadas, ele aproveitou o breve instante de cegueira para disparar na direção deles, e, quando notaram o ocorrido, se viram cada um com uma lâmina em sua garganta. Eles largaram suas armas e desistiram.
— Nos rendemos.
A luz agiu novamente e Lucet se viu sozinho na arena com a Faeram e seus lobos. Sua respiração estava um pouco pesada e seu corpo já estava perceptivelmente sentindo o cansaço e o esforço de derrotar doze oponentes em menos de dez minutos.
Nas arquibancadas, todos, mestres e alunos, observavam atônitos a dupla restante. Iogi ria e se gabava da qualidade dos equipamentos que ajudou Lucet a forjar, Albus, mesmo que não dizendo nada específico, deixava bem óbvio o quão orgulhoso estava de ver que a criança havia crescido tanto, pois, em seu rosto se encontrava um largo e praticamente eterno sorriso.
Kaella, apesar de um tanto preocupada com a óbvia discussão que teria de ter com Lucet após o torneio, não pode evitar deixar escapar um leve sorriso no canto de seus lábios ao ver o sucesso de seu discípulo. O uso do plano sombrio, equipamento encantado que ele mesmo confeccionou, sua força física, planejamento em combate, e uma mente tranquila diante do conflito, esse crescimento era notável. “Ele cresceu muito nesses quatro anos huh?” ela pensou, “Não é todo corvo que consegue desenvolver resistência o bastante para utilizar o plano sombrio, e é ainda mais incomum alguém, especialmente da idade dele, utilizar por tanto tempo”. Era válido lembrar, que até mesmo Kaella, com toda sua experiência e eficiência no uso do plano sombrio, só era capaz de permanecer no plano sombrio por trinta minutos. Isso só era possível com suas centenas de anos de prática e suas reservas de mana que eram exponencialmente maiores que as do garoto.
Os mestres olhavam tão surpresos quanto furiosos o desempenho daquele que, a alguns minutos atrás, eles desprezaram tão fortemente que o fizeram retaliar. O que lhes restava era uma única garota Faeram e seus lobos de ossos, e isso os deixava extremamente preocupados. Mas, quando olharam para o Faeram que era seu mestre, que coincidentemente também era um do clã lupus, viram que ele estava totalmente relaxado, como se a batalha estivesse totalmente dentro do esperado e que sua posição em Elysium não estivesse de forma alguma ameaçada. Maximilian neste instante se virou para ele e comentou.
— Ora ora Griz Wulf — ele disse — Chegou a vez da sua aluna, essa tranquilidade toda é a certeza da vitória ou a confiança dos tolos?
O Faeram era da mesma altura de Maximilian e tinha a aparência semelhante a de um lobo. Seu pelo era cinzento e seus olhos era de cor âmbar, quando perto dele era possível sentir uma aura refrescante como a de uma floresta e o forte aroma de ervas e frutas. Ele vestia uma grande túnica verde com vários símbolos, runas e linhas douradas gravadas nela, em seu pescoço, três colares de pedras, ossos e contas.
— Claramente a certeza de uma vitória, estimado líder — ele respondeu com um largo sorriso confiante — Ela é uma prodígia nas artes druidas, e contra esse moleque meio-sangue que já gastou uma boa parte de sua força derrotando os outros doze, a vitória não apenas será fácil, como será certa.
Maximilian estava prestes a responder, quando a voz fria de Kaella ecoou na conversa.
— Se está tão confiante assim — ela disse — Que pensa de uma aposta entre nós?
— Oho — ele respondeu entretido — A guardiã propõe uma aposta? E quais seriam os termos?
— Caso meu discípulo derrote a sua “Druida Prodígio” — ela disse — Você dará ao meu discípulo o amuleto poliforme.
— O amuleto poliforme? — Ele respondeu curioso — Um tanto ambiciosa não? Sabe que o preço dele é extremamente alto. O que oferece como aposta?
— Dez frascos de sangue de Wyvern — Ela respondeu casualmente.
Ao ouvir a resposta, todos olharam para ela assustados.
— O que? Está falando sério guardiã? — Ele perguntou, animada e desconfiado — Um frasco de sangue de Wyvern já quase iguala o preço de produção do amuleto, quanto mais dez!
— Alguma vez já me viu mentir Griz? Obviamente estou falando sério velho lobo idiota — Ela retrucou friamente.
— Vejo que tem muita confiança em seu pirralho meio-sangue — ele gargalhou — Pois bem! Aceito seus termos! Não seja má perdedora e renegue a aposta quando seu garoto for derrotado hein!
Uma aura negra começou a permear o ambiente enquanto os olhos da elfa reluziam com ira. Porém, ao ouvir leves tossidas de Maximilian e seu olhar indicando as crianças que estava sendo pressionadas pela sua aura, ela retraiu seu poder e virou seus olhos para a arena.
— Apenas cale a boca e prepare o amuleto, se tentar escapar dessa aposta, eu mesmo arrancarei ele de você na força seu cachorro sarnento.