Os Contos de Anima - Capítulo 18
Os presentes se viraram e, após a poeira ser dispersada por Maximilian com um gesto de mão, olharam assustados para a fonte dos severos ferimentos de Griz. Uma esfera dourada semi-transparente com o símbolo negro da serpente alada estampado à frente guardava o corpo inconsciente de Lucet que flutuava no exato centro da proteção. Kaella pensou em avançar e tentar tirar o garoto de lá, mas, logo desistiu, pois, no peito do garoto uma luz dourada brilhava forte feito uma estrela, e isso a aquietou.
Os primeiros segundos foram de apenas choque e medo, porém, logo em seguida, os sussurros e discussões animadas com a descoberta explodiram no grupo, afinal, era óbvio para até o mais leigo o quão precioso algo como essa defesa instantanea e absoluta devia ser.
— Como foi que a guardiã conseguiu um aegis para o garoto? — Disse um mestre Faeram.
— Não Não, isso não é um aegis — uma mestra Gnoma retrucou — Não ouviu as palavras de Griz e viu o símbolo? Aquilo claramente é uma das relíquias de Byblos, um infinium! Mas eu tinha certeza que todos já haviam sido usados…Lybra realmente tem seus segredos.
— Mas qual a diferença? Aegis são basicamente isso não? — ele questionou.
— Não seu velho estúpido! — ela respondeu indignada — Aegis são escudos conhecidos como supremos pois conseguem defender contra todos os tipos de dano, mas, eles na verdade têm um limite de dano tolerável, muito alto, mas ainda limitado.
— Um infinium, porém, é um escudo absoluto — ela continuou — Nada pode quebrar um infinium pois ele não defende contra dano, ele é uma zona absoluta onde, qualquer coisa que for direcionada ao usuário é automaticamente nulificada, tal como pode ver com o exemplo de Griz, redirecionar toda a força que atingiu a zona de volta ao inimigo. Porém, um infinium tem uma restrição tremenda, ele só pode ser usado uma vez e só é ativado diante de uma força que o usuário não tem chances de resistir, sendo basicamente igual a uma segunda vida, mas é uma verdadeira pena que algo tão valioso tenha sido usado para impedir Griz de matar um mero meio-sangue.
Maximilian apenas ouvia as conclusões da Gnoma, afinal, quem mais qualificado que uma mestra em encantamentos para falar sobre uma relíquia mágica não? Ao terminar de ouvir, olhou para Kaella com um olhar inquisitivo e a elfa apenas chacoalhou a cabeça, indicando que não podia falar sobre isso ali, já ele apenas concordou acenando a cabeça, pois sabia bem certamente era mais adequado falar sobre em um lugar mais apropriado e fora de alcance de tantos olhos curiosos.
Albus olhou chocado para a cena e depois para Kaella, seus olhos pareciam gritar “Você sabia que isso ia acontecer?” e a elfa sorriu e chacoalhou a cabeça. Já Iogi, que nem de longe sabia sobre a possível origem do evento correu até Kaella exasperado e a questionou.
— Guardiã, minha velha amiga, como pôde deixar de mostrar um item tão bom para mim? Sabe quantos da minha raça não provocariam guerras para poder analisar um desses? — ele disse indignado.
Kaella riu e o respondeu.
— Ora mestre Gnoma, não fazia idéia que se interessava tanto por velharias — ela respondeu, sarcástica — Isso é algo que encontrei em uma de minhas viagens e dei ao garoto como presente, pois, já que sabia que não era amaldiçoado, conclui que não faria mal dar a ele. E mesmo que não soubesse seus efeitos, ao menos sabia que não eram ruins.
O Gnoma que parecia uma pequena árvore xingou a elfa algumas vezes, mas, logo parou. O item já havia perdido sua funcionalidade, não havia mais como estudar ou sequer sonhar em replicar seus efeitos, portanto, uma discussão por causa de uma verdadeira tralha realmente não lhe traria o menor benefício, e por tal, deixou de discutir.
A barreira ficou ativa por mais alguns segundos apenas antes de dissolver em partículas de luz e gentilmente colocar o corpo do garoto no chão que, segundos depois acordou e se deparou com todos os olhares virados para si.
— Ahn? O que aconteceu? Porque tá todo mundo olhando para mim? — ele perguntou confuso ao encontrar Kaella com seus olhos á alguns metros de si.
Durante o momento de ativação da barreira Kaella, que não tinha a menor intenção hostil contra Lucet, fora apenas empurrada para fora sem sofrer qualquer dano. Ao ver o garoto acordar, ela prontamente se aproximou e, antes mesmo de chegar até ele, utilizou diversos feitiços para confirmar sua saúde. Ela suspirou e sorriu ao ver que tudo estava bem, estendeu a mão para ele e o ajudou a levantar.
— Apenas viram o quanto estou disposta a investir em você — ela riu.
Lucet não entendeu nada, mas como não tinha nada errado consigo, não perguntou mais nada.
— Agora que a disputa foi encerrada, creio que seja a hora de alguns anúncios — disse Maximilian.
Os olhos do público se viraram para ele e praticamente todos já sabiam exatamente quais seriam as próximas palavras do homem.
— Primeiro de tudo, — ele disse — Quero parabenizar Lucet por sua excelente performance em combate. Não existem muitos em Anima que podem dizer com sinceridade que enfrentaram mais de dez oponentes sozinhos e venceram. Portanto, sinta-se orgulhoso e agradeça a Kaella, afinal, mesmo sendo extraordinariamente talentoso, sem uma guia adequada como a dela, você não teria chegado até aqui.
Lucet coçou o nariz, seu rosto ficando levemente avermelhado quando todos viraram os olhos para ele. Maximilian sorriu gentilmente para o garoto, e quando os olhos dos dois se encontraram, ele deu um leve aceno da cabeça que fez Lucet sorrir largamente. Lucet então virou seu rosto para Kaella e abriu um grande sorriso que comunicou com facilidade o quão grato ele era a ela, e a elfa, sorriu levemente de volta e deu um breve aceno com sua cabeça.
— Em segunda questão, — ele continuou — Creio que devo cumprir as apostas, mas como o torneio ainda não acabou, não posso ainda dar as devidas punições, portanto, — e nisso ele se virou mais uma vez para Lucet — Peço que tenha um pouco de paciência.
Lucet concordou e ficou em silêncio enquanto os mestres ficaram cada um com uma expressão mais miserável que a outra, diversas emoções complexas passando por suas mentes, desde desespero até ódio, mas, como nenhum deles tinha os meios de atacar o garoto com a proteção da guardiã e do líder, e muito menos vencer qualquer um dos dois em combate, foram forçados a permanecer em silêncio.
— Falando do torneio — ele disse — Creio que ainda restam dois combates. A luta entre os dois competidores restantes e a final do vencedor contra Lucet correto?
Foi nesse instante que Albus e Iogi intervieram, seus discípulos a frente deles.
— Neste assunto — Albus interrompeu — Meu aluno solicitou a desistência, pois não crê que é capaz de vencer Lucet numa batalha solo caso venha a ser o finalista.
— Exatamente — Iogi concordou — Meu aprendiz solicitou a desistência pela mesma razão.
Maximilian sorriu com um ar conhecedor. Sabia que era tão verdade a afirmação quanto era também o favoritismo dos dois mestres falando, portanto, ele concordou com a desistência e anunciou.
— Com isso dito — ele riu jovialmente — Creio que devo então anunciar não apenas o fim deste campeonato, mas também que — ele se virou para Lucet — Você, Lucet, é o campeão desta edição do torneio dos mestres.
O homem estalou seus dedos finos e enrugados. O chão tremeu por um instante e, sem que fossem capazes de reagir ou desviar, correntes negras saltaram do chão e se enrolaram em volta dos doze mestres. Eles se sentiram fracos e drenados de qualquer poder ou vontade de resistir a captura e logo caíram no chão de joelhos, cabisbaixos.
Uma luz branca radiante envolveu o corpo severamente ferido de Griz Wulf e, em instantes, todas as suas feridas foram restauradas. O braço perdido, porém, que basicamente tinha sido apagado da existência, não pode ser restaurado, nem o sangue que verteu e muito menos suas roupas, o que deixou o Faeram, apesar de fora de perigo imediato, muito enfraquecido e envergonhado. Após o tratamento, correntes negras saltaram dos bancos de pedra e se enrolaram nele, vibrando por um instante antes de o flutuar para junto dos outros doze mestres apreendidos.
Quando Griz se juntou a eles, o saco de folhas verdes, que surpreendentemente não tinha sido obliterado como o resto de suas roupas, começou a tremer, e, após alguns momentos de resistência, um pequeno colar com um pingente de madeira em forma de uma máscara com chifres e linhas vermelhas saltou para fora e flutuou até a mão de Kaella.
— Creio que isso me pertence, não concorda Griz? — ela disse friamente.
O Faeram tentou se enfurecer e protestar, mas devido à falta de sangue, o efeito das correntes negras e também o choque mental de colidir com a barreira dourada, ele não foi capaz de juntar forças e tudo que conseguiu produzir foi um fraco ruído que continha alguma palavra misturada um grunhido que ninguém foi capaz de identificar. Até mesmo esse gesto acabou custando muito do seu corpo enfraquecido, o que acabou resultando em seu desmaio imediato, e logo, ele ficou quieto, cabisbaixo, sua consciência derribada.
Os alunos foram separados num grupo e, com exceção de Lucet, todos desapareceram com um simples gesto das mãos de Maximilian. O garoto olhou confuso para o homem, indagando o porquê dele ter mandado o resto dos alunos embora para, provavelmente, suas casas, e, como se tivesse lido os pensamentos do menino, Maximilian falou.
— Já este próximo anúncio, não posso simplesmente falar na frente de qualquer um não? — ele disse sorrindo.
Ele estalou os dedos novamente. As correntes negras reluziram e drenaram ainda mais força dos mestres, nocauteando a todos instantaneamente deixando a todos caídos no chão, desmaiados. Maximilian se virou para Lucet e sacou de um bolso em sua túnica branca uma pequena caixa preta. Ela era metálica e bem simples, sem qualquer adorno, runa, símbolo mágico ou detalhe que a destacasse de tal forma que mais parecia um bloco de metal preto do que uma caixa, e a única coisa que indicava que era uma caixa era um único fecho de metal branco que a mantinha fechada. O homem então estendeu sua grande mão enrugada na direção do garoto, a caixinha posta sobre sua palma.
— Este é o prêmio por vencer o torneio criança — ele falou — Esta é uma coisa única no mundo, algo que apenas eu sou capaz de produzir, e com bastante dificuldade diga-se de passagem.
Albus, Kaella, Iogi e Lucet olharam para a pequena caixinha preta, cada um com seus distintos pensamentos e curiosidades. Tentaram devorar a caixa com os olhos e analisá-la de tudo quanto é forma com inúmeros feitiços, mas por mais que tentassem, não conseguiam identificar uma pista que fosse sobre o conteúdo da caixa. Alguns momentos passaram e um deles não conseguiu mais resistir a curiosidade.
— Diga-nos líder — o Gnoma barbudo Iogi perguntou — O que é que tem dentro dessa caixa tão pequena? E porque é que não consigo analisá-la com nenhuma de minhas técnicas?
Maximilian riu e respondeu.
— Mestre Gnoma — ele disse — Esta caixa não é nada de mais, apenas uma simples caixa de metal, porém, nenhum de vocês jamais será capaz de analisá-la com qualquer feitiço que seja — ele disse misteriosamente — Quanto ao que tem dentro dela, lhes garanto que é algo que não apenas é desconhecido em Anima, como também é algo que provavelmente nunca voltará a existir depois de eu partir para o além desta vida.
O homem então usou cuidadosamente os finos e longos dedos enrugados de sua mão pálida para abrir o minúsculo fecho da diminuta caixa revelando, para a surpresa de todos, uma semente vermelha.
— Líder — Albus disse — O que exatamente é isso? Me corrija se eu estiver errado, mas, tenho certeza que uma simples semente não é algo único, e, tenho ainda mais certeza que inúmeras dessas existirão após sua partida.
Maximilian gargalhou e respondeu.
— Ora caçador — Ele disse — Certamente uma simples semente não é algo único, mas, esta daqui não é uma semente qualquer. Está é uma semente criada pelo meu parceiro contratado, e, igual a esta, não existiu e é muito provável que jamais existirá outra igual. A não ser é claro que meu velho amigo assim deseje.
— Velho amigo? Parceiro contratado? — Albus murmurou, e, após alguns momentos, exclamou assustado — O parceiro? Líder, você está querendo dizer que isso é algo feito por ele?
— Exatamente Albus — o homem respondeu rindo — Creio que seu parceiro Baihu se lembra bem dele não?
Albus grunhiu e abaixou a cabeça envergonhado. Lucet, curiosíssimo como de costume, questionou Kaella sobre isso.
— De quem estão falando mestra? Quem é o parceiro do líder? —
— Uma temível e formidável fera alada — Ela respondeu solenemente — Com gigantescas asas capazes de produzir furacões, uma força capaz de partir montanhas e misteriosos poderes oculares, seu nome é Dracul.
— Dracul? — ele perguntou.
— Exato — ela continuou — Uma fera tão imensa que mais pode ser chamada de uma fortaleza voadora que, tanto em ar quanto terra, é uma calamidade encarnada. Com o corpo do tamanho de um castelo, asas capazes de facilmente cobrir uma cidade, membros poderosos capazes de pulverizar montanhas e partir árvores como se estivessem segurando palitos de dente, enormes garras negras longas feito lanças que perfuram qualquer proteção, física ou mágica, acompanhadas de numerosas presas brancas pontiagudas e afiadas que enfeitam sua bocarra semelhante a um abismo. E como se não bastasse tudo isso, ainda possui um corpo coberto de escamas virtualmente impenetrável que o ajudou muito em construir sua reputação de invencível.
— Sozinho — ela explicou — Maximilian já perdeu diversos combates. Mas, em todos que Dracul combateu, todos ele foi vitorioso.
Como se em resposta aos “elogios”, um rugido que sacudiu o próprio espaço ecoou pelo ambiente, ameaçando quebrar a própria arena onde eles estavam. Maximilian gargalhou.
— Ora meu velho amigo — ele disse — Não sabia que apreciava tanto visitantes.
Uma voz profunda e avassaladora com o ressoar de um trovão respondeu.
— Não aprecio, — ela disse — Mas aprecio aqueles que reconhecem a grandeza quando diante dela.
Os presentes, com exceção de Maximilian, sentiram seus corpos serem exprimidos diante da voz, e Lucet, que era o mais fraco de todos, foi tão afetado que não conseguiu nem ao menos se manter de pé, instantaneamente caindo de joelhos no chão duro da arena. Ao ver isso, Maximilian falou com um tom de voz um tanto severo.
— Dracul, meu amigo, — Ele disse — Contenha sua força, ou nosso pequeno campeão pode acabar morrendo antes que possa receber o seu presente.
A fera não mais se pronunciou. O homem então se voltou para Lucet, que agora já havia se erguido, mesmo que com considerável dificuldade.
— Esta, criança, — ele explicou — é uma criação de Dracul que ele batizou de “Jóia de Dragão”.
— “Jóia de Dragão”… — Lucet repetiu pensativo.
— Esta pequena semente é um fragmento do poder de Dracul que, para todos os fins, é uma brecha no sistema de invocação — O homem continuou — Ela, ao ser ingerida e assimilada, presenteia a quem consumir uma das habilidades dele, que normalmente só poderia ser obtida através de um contrato com ele. Mas, essa semente é ainda mais incrível que o poder de um contrato de certa forma — ele afirmou — Pois, apesar de o contrato poder fornecer mais habilidades, a semente pode fornecer uma, porém, sem nenhuma das restrições que o contrato normalmente aplicaria ao usuário.
— Como assim sem restrições? — Lucet perguntou confuso.
— Para simplificar — ele respondeu — Você vai ganhar um pouco do poder de Dracul sem precisar de um contrato — ele continuou — Um contrato de invocação é algo temporário, afinal, ele poder ser desfeito a qualquer momento pela vontade de qualquer um dos participantes, e, quando o é, o invocador perde qualquer habilidade que tenha adquirido pelo intermédio do contrato. No entanto, a semente difere nesse aspecto pois lhe dará uma habilidade que não terá nem restrições de uso contratual e muito menos esse status temporário, ou seja — ele então apontou para a semente, e depois, para o garoto — um poder permanente que, mesmo que eu desfaça meu contrato, não irá desaparecer, pois assim que for assimilado, não fará mais parte do poder de Dracul, e sim parte do seu poder.