Os Contos de Anima - Capítulo 23
O sangue eventualmente se separou nas duas câmaras, de um lado, ele estava muito mais vermelho e luminoso do que antes a ponto de que parecia que ele ser feita de jóias líquidas, porém, com um leve detalhe de que o líquido continha traços brancos luminosos infundidos a sua composição, do outro lado, o sangue havia se tornado completamente azul brilhante, como se fosse uma amostra de mana extremamente condensada.
“Como eu suspeitava” Kaella suspirou em sua mente, diversas questões se erguendo sobre a origem de Lucet “O garoto realmente é filho de um Alfae com um humano, e possívelmente são aquele par que deixou Lucet com Albus. Um paladino extremamente poderoso com proeza o suficiente para manifestar a aura da fé no sangue do menino como bênção, mas, com uma afinidade alta como essa e o talento escondido em sua linhagem, quem exatamente são os pais dele? Quem é aquela Alfae?”
Todas as grandes raças de Anima possuíam uma cor de sangue distinta. Os Humanos com sua linhagem inextinguível tem o sangue de cor vermelho. Os Alfae com sua juventude eterna e sua suprema afinidade para as artes arcanas tinham o sangue como a mana natural, azul brilhante. Os Faeram que tinham a exclusiva afinidade com as artes druidas e eram extremamente conectados com a natureza, tinham, tal como a maioria dela, o sangue da cor verde escura. Os Gnoma, mestres da forja e do metal, intensamente conectados com a terra e suas preciosidades tinham um sangue dourado. Já os Durza que eram, por falta de termo melhor, abominações contra o próprio ciclo da vida natural, não possuíam sangue algum, e seus corpos que eram basicamente sombras com consciência, eram, até onde se sabia, virtualmente impossíveis de ser destruídos se não pela ação do tempo que eventualmente os extinguia.
A Alfae conseguia pensar em diversos membros de sua raça que eram favoráveis para com os humanos, e também conseguia pensar em alguns paladinos renomados que possuíam um bom relacionamento com as outras raças, mas, ainda assim não conseguia imaginar quem poderiam ser os pais do garoto. Foi nesse momento que uma frase de alguns anos atrás, que ela tinha ouvido furtivamente dos pensamentos do entusiasmado garoto que estava para ser seu discípulo, ecoou em sua mente.
“Será que ela tem um jeito de trazer eles de volta?”
E após ponderar por alguns momentos, ela tomou sua decisão. Após registrar o garoto no ninho, ela iria utilizar sua posição como guardiã para pesquisar a identidade dos pais dele, afinal, se existia algum momento onde esta posição enfadonha poderia ser usada para algo bom, por que não utilizar para isso? Certamente, descobrir a identidade dos pais dele não seria apenas beneficial para ele, mas para ela também, afinal, é sempre bom fazer amizade com possíveis aliados poderosos como estes.
Apesar de todo o prestígio e poder que vinha com a posição de mestra da organização Lybra, ninguém fazia idéia do quão desnecessariamente entediante isso era para a elfa. Antes de guardiã, ela era uma renomada pesquisadora que ia para todos os cantos de Anima em busca de descobrir e documentar os segredos do mundo. Com séculos de dedicação e resultados impressionantes até mesmo para um Alfae dessa linha profissional, Kaella eventualmente se viu diante de uma proposta irrecusável por parte do Rei dos Alfae.
Se ela aceitasse tomar o manto de liderança da organização, ela seria recompensada com não só autoridade máxima sobre todos os assuntos relacionados com as operações da Lybra, mas também com recursos ilimitados para suas pesquisas. Pesquisadora como era, por maiores que fossem os desafios de uma posição como essa, ela certamente imaginava que recursos ilimitados seriam uma recompensa suficiente para tal, mas, após verdadeiramente assumir o título, se viu cheia de poder, porém, severamente incapaz de utilizá-lo como desejava. Sempre precisando estar presente, sempre atenta com as burocracias e as inúmeras exigências e responsabilidades da organização e suas relações com o mundo e com a realeza..
Foi apenas quando surgiu o convite de Elysium que, com as bençãos do Monarca Alfae, ela pode deixar o comando da organização nas mãos de um suplente e ir pessoalmente estudar o lugar. Após passar mais algum tempo suspirando sobre a dor de cabeça que seria voltar para Lybra e reforçar sua determinação, ela retornou para a avaliação.
Ela então acenou sua mão sobre o instrumento, e com um lampejo de luz, o conteúdo foi dissipado. Kaella guardou-o novamente em sua caixa, reaplicou o selamento e o colocou de volta em seu equipamento dimensional, após isso, ela se virou para a tela luminosa que exigia a avaliação do potencial sanguíneo e digitou a nota de trinca e cinco pontos, colocando sua raça como humana. Apesar da excelência do potencial do garoto ela concluiu que era melhor ser mais furtiva quanto a identidade dele, do contrário, chamar atenção demais atrairia perguntas indesejadas. A tela então desapareceu, e com ela, a fumaça negra que a escondia do resto da recepção.
Ao observar o ambiente, reparou que agora, sentado logo ao seu lado havia um ser vestido tal como ela, escondendo todas as suas feições. Ela então pode ouvir a recepcionista falar enquanto pode ver uma leve distorção na luz da porta de transporte antes que ela fechasse.
— Senhor Corvo das Chamas, o teste de rankeamento da sua discípula já irá começar em breve. O teste de admissão do discípulo da corvo ao seu lado já deve estar acabando, portanto, a administração decidiu que ambos farão o exame juntos — Ela disse educadamente.
O corvo apenas acenou a cabeça e permaneceu em silêncio. Kaella retornou a folhear seu livro enquanto pensava. “Então quer dizer que a discípula dele vai participar de um teste em conjunto com o garoto? Isso pode ser interessante”.
Na arena de exame, Lucet recebeu o resultado da avaliação, a voz anunciando.
— Segundo Exame — ela disse — Critério: Potencial. Pontuação: 85/100. Prosseguindo para o exame combativo, solicitamos que se prepare enquanto preparamos seu oponente.
Lucet estava bem animado. Mesmo sem possuir uma pontuação máxima no segundo exame, ainda assim tinha passado e isso bastava, agora, seria o seu teste físico, portanto, ele já começou a se aquecer, dando alguns saltos, socando e chutando o ar, circulando sua mana algumas vezes e, após retirar a garra de seu cinto dimensional, cortar o ar enquanto praticava alguns movimentos. Uns minutos depois, a voz anunciou.
— Exame combativo — Critérios: Criatividade e Habilidade Combativa. Você será submetido a uma análise física e psicológica pelo sistema de simulação da arena. Esta análise criará um clone que terá como arsenal tudo que você possui, sejam técnicas, movimentos, habilidade física, habilidade mágica e armamentos. Seu exame é derrotar este clone, ou em outras palavras, derrotar sua própria sombra.
O círculo no chão brilhou mais uma vez. A luz então formou paredes e um teto em volta dele e começou a disparar diversos raios que percorreram o corpo do garoto antes de se retirarem e dispersarem as paredes. Um segundo círculo surgiu ao lado do círculo original e após flash de luz revelou uma marionete feita de metal negro que, instantes depois, recebeu diversos feixes de luz sobre seu corpo que rapidamente a deram aparência e forma, tornando-a igual a Lucet, se ele fosse visto sobre uma lente de filtros negros e se seus olhos fossem luzes vermelhas. Era, por falta de palavra melhor, uma versão sombria dele mesmo.
Uma estranha sensação começou a invadir seus pensamentos. Como exatamente ele iria lutar contra ele mesmo? De acordo com as instruções do exame, essa marionete teria todo seu conhecimento, técnicas, habilidades e armamento, como iria derrotar alguém que sabe tudo que ele sabe? Enquanto calculava seus planos a voz o despertou dos devaneios ao anunciar o início do combate.
— Acreditamos que o tempo de preparo foi suficiente, portanto, sem mais delongas, lutem!
Os círculos de luz desapareceram. Uma luz correu pelo ar parando em vários pontos, deixando neles uma tocha flamejante que começaram a lentamente iluminar a arena. Arquibancadas cinzentas com marcas de conflito, paredes de pedra em volta de todo o espaço e nem sequer um espectador, Lucet observou o lugar por alguns instantes e ficou impressionado ao concluir que o espaço para o combate era uma arena subterrânea.
Lucet virou sua atenção para a marionete, aparentemente ela ainda estava imóvel, seus últimos movimentos sendo uma cópia exatamente dos exercícios de aquecimento que ele tinha realizado. Lucet estranhou isso, uma teoria surgindo em sua mente. Ele ergueu sua garra até a altura do rosto e se colocou em posição de combate, a marionete repetiu o gesto. Ele tentativamente movimentou seu pé direito, e a marionete repetiu o gesto com o pé oposto. “Será que isso é uma luta espelhada?” ele pensou confuso “Se for só isso, será muito fácil vencer!”
Ainda com uma tinge de dúvida em sua mente, Lucet disparou na direção da marionete que fez o mesmo. Se isso fosse mesmo uma luta espelhada, tudo que tinha que fazer era desviar a atenção da marionete, e essa foi exatamente sua primeira tentativa.
Ele furtivamente ligou um fio de mana quase transparente ao cabo da garra e atirou na direção da cabeça da marionete, que em resposta, fez o mesmo movimento e atirou sua própria lâmina na direção da garra. Rápidas como vultos, as duas armas colidiram no ar liberando faíscas, ambas sendo desviadas para os lados enquanto seus usuários se aproximavam um do outro.
Em instantes os dois estavam frente a frente, Lucet concentrou uma medida de mana em sua mão e disparou um soco luminoso na direção da marionete que, em resposta, disparou um soco oposto que colidiu com o dele no ar, uma tinge de dor tomando conta da mão do garoto. “Ugh!” Lucet reclamou mentalmente “Essa coisa é dura! Nem com reforço de mana deu para quebrar a mão dela?”
Ainda desconfiada da durabilidade da marionete, ele concentrou duas vezes mais mana na outra mão e disparou um segundo soco, a marionete respondeu com um segundo soco oposto que, exatamente como o primeiro, apenas deixou a mão dele dolorida.
Ainda incrédulo que a marionete poderia ser dura o bastante para resistir seus ataques, Lucet usou sua manipulação da terra para juntar areia e pedras do chão da arena e fez uma manopla de rocha em volta de sua mão, reforçou com mana mais uma vez e então disparou um terceiro soco. Dessa vez, porém, a marionete não só disparou um soco em resposta, como também foi um soco muito mais forte que os anteriores, visto que era notavelmente mais rápido. Um baque surdo ecoou e estilhaços de pedra voaram quando os dois punhos se encontraram, e, exatamente como antes, a mão de Lucet acabou dolorida e até um tanto ferida pelo impacto.
— Tch! — Lucet reclamou — Confronto não vai dar certo né? Então o que acha disso!
Lucet recuou puxou o fio e a garra que estava a alguns metros deles voou na direção da cabeça da marionete. Um sorriso triunfante surgiu em seu rosto “Aposto que essa você não previu!” ele pensou confiante por dois segundos antes de ver o exato mesmo sorriso surgir na expressão da marionete. “Ahn? Será que…” Ele então correu os olhos pelo chão procurando pela arma do oponente, apenas para descobrir que ela não estava lá. A garra estava prestes a colidir com a cabeça da marionete, um frio percorreu a espinha de Lucet antes dele se ajoelhar e puxar a garra de volta no instante que a cabeça da marionete estava para ser atingida.
A marionete imitou os movimentos dele e assim ele pode ver o quão próximo do perigo ele estava no momento em que ergueu seus olhos e viu uma lâmina passando exatamente onde sua cabeça estava antes de ser puxada de volta para seu mestre. A marionete replicou todos os seus movimentos e suas táticas, nunca estando em desvantagem e até mesmo zombando dele. “Merda! Até isso ela conseguiu imitar? Será que essa coisa tem consciência?”
Lucet acumulou mana em suas mãos e então tocou o chão antes de disparar novamente na direção da marionete, que replicou o gesto e disparou em sua direção. Enquanto andavam espinhos disparava do chão na direção do oponente que habilidosamente desviava de cada ataque e continuava seu avanço. Novamente frente a frente Lucet tentou cortar o ombro da marionete com sua garra, achando que a marionete iria fazer o mesmo, porém, para sua surpresa, a marionete não imitou seu movimento e escolheu usar sua lâmina para bloquear a garra. “Droga! Achei que podia diminuir a capacidade de combate dela utilizando a garra, mas até isso ela impediu! Como é que eu vou lutar com essa coisa se eu não consigo causar dano algum?”