Os Contos de Anima - Capítulo 24
A essa altura Lucet estava começando a se irritar. Era frustrante tentar derrotar a “si mesmo”, pois não apenas ele não conseguia superar suas próprias táticas que demorou anos para desenvolver, como também ele não podia simplesmente aumentar seus poderes do nada para superar as habilidades com o uso de equipamentos ou poções pois o exame não permitia.
Ele tentou todas as idéias que lhe vieram a mente. Tentou manipular a rocha para prender a marionete, mas ela conseguiu desfazer sua tentativa, tentou atacá-lo por todos os ângulos, mas a marionete não só reagiu, como bloqueou e até retaliou algumas vezes, que ele felizmente foi capaz de reagir a tempo, evitando qualquer ferimento.
Atirou rochas, usou as sombras para surpreender, tentou perfurar a marionete com rochas reforçadas e até tentou forçar a marionete ir para o plano das sombras e a destruir usando o poder do plano, mas, nada foi efetivo. Para todo plano, a marionete tinha a reação ideal, ela era dura demais para qualquer um de seus golpes a danificar e conseguia viajar pela dimensão das sombras assim como ele. Ele se afastou da marionete ofegante, ele se sentou e começou a recuperar suas forças, pois, durante suas tentativas, ele acabou gastando metade de sua mana em todos os ataques, e caso a marionete parasse de ser apenas passiva, ele estaria em problemas se não estivesse em condições de combatê-la.
A marionete ainda estava parada, seus olhos vermelhos apenas observando Lucet. Porém, para o azar do garoto, ela finalmente começou a falar. Sua voz era metálica e um tanto alta, mas a mensagem que trazia era bastante problemática, como se ela tivesse lido seus pensamentos, reagindo como uma cruel piada do destino.
— Análise e absorção de dados concluída — ela anunciou — Modo de aprendizado, encerrado. Ativando modo de combate.
“Ai mer…”
Antes mesmo que pudesse terminar seu pensamento a marionete se moveu. Num piscar de olhos ela cobriu a distância entre os dois e atirou um punho que Lucet mal conseguiu desviar ao pender sua cabeça para o lado. Sem deixá-lo recuperar seu equilíbrio ou folêgo a maquina mirou um chute nas costelas do garoto, que Lucet não conseguiu desviar e tudo que pode fazer era usar seu braço para bloquear o impacto. Ele reforçou com o máximo de mana que pode direcionar para área, mas como ele não teve tempo o bastante, o que conseguiu foi impedir seu braço de ser quebrado por completo, apesar de acabar deixando algumas rachaduras.
A dor pulsava e o membro tremia um pouco, mas Lucet respirou fundo e usou a abertura para avançar contra a marionete. Ele disparou um corte com toda sua força na direção da junta do ombro, mas a marionete foi mais rápida e não só desviou o golpe para o lado como aproveitou para acertar um soco em seu olho esquerdo que, mesmo protegido pela máscara, acabou ferido quando o soco partiu essa parte da máscara deixando um buraco no local. Depois disso a marionete mirou um corte no pescoço do garoto, mas ele desviou ao chutar o peito dela e usar o impulso para saltar para trás e desviar do golpe.
Lucet usou a mão para sentir seu olho que agora pulsava de dor. O golpe instantaneamente fez suas pálpebras e região em volta inchar a ponto de que ele não conseguia enxergar nada. Ele sentiu algum sangue no rosto, mas este vinha de sua testa que tinha cortada com um fragmento da máscara o que o deixou aliviado, mas ainda assim, perder metade de sua visão e seu senso de distância numa batalha perigosa como essa não era exatamente agradável.
“Já não bastava esse troço ter todas as minhas habilidades, ser super resistente e mais forte do que eu” Ele reclamou em sua mente “Como também para ajudar eu agora tô sem um olho e com o braço quase quebrado, que ótimo!”
A batalha prosseguiu com o equilíbrio anterior totalmente destruído. Lucet que antes conseguia bater de frente e sai relativamente intacto dos embates agora estava sendo forçado a focar toda sua atenção em esquivar, pois, sem um dos braços era extremamente difícil bloquear qualquer ataque e ele não podia arriscar usar as pernas para defender. Apesar de tudo, ele ainda estava um tanto tranquilo, pois, mesmo que não conseguisse atacar efetivamente, ainda era rápido o suficiente a ponto de não precisar usar mana para amplificar sua velocidade para os desvios.
Seu olho continuava pulsando de dor, e como não tinha mais o senso de distância, ele estava cada vez mais próximo de sofrer um golpe crítico. “Merda, com esse olho doendo eu não consigo nem pensar direito quem dirá…” Foi nesse momento que uma luz acendeu em sua mente “Espera… Olho? É isso!” Ele reforçou seus pés e deu alguns saltos com mais força abrindo uma boa distância antes de declarar.
— Me entregue a verdade!
A pupila negra se tornou uma fenda, a íris castanho-esverdeada brilhou com uma luz vermelha e então se transformou na cor vermelho-dourado, o mundo em seu olho agora com um filtro azul, fluindo um tanto mais lento que antes, dando-o mais tempo para reagir e pensar. Ele então focou sua vista na marionete que estava rapidamente se aproximando, uma ficha surgiu ao seu lado:
“Autômato Replicante”
“Status: Operante/Modo de Combate”
“Mana: 867/1200* **”
“Composição: Titânita”
— Droga, o que me adianta saber do que essa coisa é feita, vamos lá olho, me providencie algo útil de verdade caramba! — Ele disse irritado ao ver as informações.
A marionete havia o alcançado e continuou tentando o atacar. Graças ao aumento notável nas capacidades visuais de seu olho direito, ele conseguiu desviar com mais facilidade do que antes, porém, desviar apenas não lhe iria ganhar a batalha. Foi então que ele observou mais uma vez a ficha flutuante e reparou nos estranhos pontos ao lado da medição de mana.
— Espera um pouco, o que é isso? — ele questionou — Será que é um aviso? Seja o que for eu quero ver!
Reagindo ao comando, o olho pulsou por um instante, e então, a medição de mana foi isolada do resto das informações numa nova janela flutuante, nela estava escrito:
“Mana: 867/1200”
“*= Aviso, a mana do alvo não pode ser recuperada naturalmente uma vez que seu consumo é iniciado”
“**= Três núcleos de Manatita descobertos, possível fraqueza detectada. Solução sugerida: Sobrecarga”
Enquanto desviava, um novo ânimo começou a surgir em sua mente. “Uma fraqueza é? Interessante…” ele pensou ao sorrir maliciosamente “Já tá mais do que na hora de acabar com isso!”
Lucet então ordenou que o olho o mostrasse quais eram as fraquezas e nisso três esferas vermelhas etéreas surgiram no corpo do oponente, uma em seu ombro, outra na área onde seria seu estômago e a última em sua cabeça. Ele saltou para trás e girou no ar, enquanto girava acumulou mana em suas mãos e, no momento que caiu, se apoiou em suas mãos reluzentes e fez diversas pedras inclinadas se erguerem do chão ao redor deles. Depois disso ele usou o passo do corvo e mergulhou na sombra da pedra mais próxima.
A marionete tentou mergulhar nas sombras atrás dele, porém, antes que ela pudesse ou tivesse chance de reagir, Lucet saltou para fora exatamente do mesmo lugar que entrou e tocou na área onde estava o núcleo do ombro com sua palma e injetou mana na região. Seguindo a dica, Lucet concluiu que já que não conseguiria danificar o corpo da marionete nem com magia e nem com sua garra, então injetaria mana na região do núcleo e forçaria a explodir com a sobrecarga, e tal como planejado, em instantes ele observou através do olho o núcleo do ombro rachar e se despedaçar a medida que ele injetava a energia.
O garoto então mergulhou de volta nas sombras e observou os efeitos de seu ataque. Para sua feliz surpresa, a marionete ficou um tanto abalada e não se mexeu por algum tempo, e quando voltou, seus movimentos estavam pelo menos um terço mais lento do que antes. “Droga, perdi minha chance de dar mais dano!” Ele logo descartou o pensamento quando viu a oportunidade e emergiu das sombras numa outra rocha que estava posicionada atrás da marionete.
Ele saltou na direção da marionete que, apesar de conseguir virar o dorso a tempo, não conseguiu reagir rápido o suficiente e acabou expondo os núcleos da cabeça e do estômago, Lucet calculou em um instante que não conseguiria acertar cabeça, pois os braços da máquina estavam erguidos mais perto dela e decidiu atacar o núcleo do estômago. Tal como o primeiro, ele golpeou mais uma vez com sua palma e rápida e violentamente injetou energia e observou com seu olho o núcleo rachar e explodir.
Lucet viu que a marionete travou com o golpe e aproveitou a chance para invadir sua defesa e acertar uma palma na área do núcleo da cabeça. Sua mana a essa altura já estava nas últimas, e quando ele viu que o núcleo da cabeça era maior que os outros dois acabou ficando um tanto preocupado, por isso, acumulou toda sua mana restante e canalizou tudo para sua mão antes de dizer.
— Você deu bastante trabalho, lutar contra alguém que sabe tudo que eu sei e consegue fazer praticamente tudo que eu faço foi difícil, mas, agora você já era! Cai de uma vez! — Ele gritou triunfante.
Ele observou com o olho no instante antes de sua habilidade ser desativada o momento em que injetou a mana no núcleo que foi quase insuficiente para quebrá-lo e sorriu ao ver o último resquício do objeto que lhe deu tanto problema ser destruído. A marionete parou de vez. Sua aparência ilusória foi desfeita e seus olhos vermelhos se apagaram, retornando para a feição original de metal negro instantes antes dela colapsar no chão com um baque surdo. Segundos depois, o próprio Lucet caiu sentado e ofegante apenas para, algum tempo após sua vitória, ouvir a familiar voz anunciando.
— Exame combativo — ela disse — Critérios: Criatividade e Habilidade Combativa. Pontuação Total: 90/100. Informamos que você foi aprovado, portanto, parabéns e seja bem-vindo ao Ninho. Pedimos sua paciência, em, alguns minutos você terá seus danos reparados e será transportado de volta para a recepção. Sugerimos que se vista.
Ao ouvir o resultado, apesar de um pouco desapontado, Lucet ainda assim comemorou rindo.
— Tch! — ele reclamou — Mais dez pontos e eu tinha nota máxima… será que a mestra vai reclamar? Ah bem, eu passei, então isso que importa né? Mas ainda assim, por que será que eu não consegui nota máxima?
Lucet imaginava que teria nota máxima por ter descoberto os núcleos do autômato, mas não conseguiu. Sua melhor hipótese era de que como ele teve bastante dificuldade e demorou um tempo considerável para conseguir descobrí-los, acabou perdendo alguns pontos, e se fosse isso, acreditava que sua mestra não ia criticá-lo tanto assim, afinal, não era simples enfrentar alguém com todas as suas habilidades. Ele já devia se dar por satisfeito que conseguiu utilizar a habilidade do seu olho, pois pelo menos isso não podia ser clonado por ser uma habilidade que não pertencia a esse mundo. Então, não importa o quão bom seja esse autômato ele não pode simplesmente copiar um poder desses né?
Tal como suas hipóteses, na sala de avaliação os três avaliadores discutiam sua vitória entusiasmados. Essa era a primeira vez em suas carreiras que tinham visto alguém simplesmente destruir os núcleos do autômato para derrotá-lo. Usualmente, sabendo que a luta seria uma batalha espelhada de acordo com as instruções, então o ideal seria não agir e não dar pistas ao replicante de como exatamente as habilidades que adquiriu poderiam ser utilizadas.
Porém, no caso do garoto que estavam avaliando, eles concluíram em primeira instância de que ele era, mesmo que um aluno da corvo de tinta, alguém que não tinha a menor visão de batalha, afinal, quem atacava uma replicante sabendo que ela responderia a todos os seus ataques com perfeição? Mas foi com o decorrer da batalha que eles começaram a suspeitar que algo estava errado.
Quando o autômato passou para o modo de combate e aplicou as técnicas que tinha a sua disposição, o garoto aproveitou uma chance para tentar atacar a região de um dos núcleos. Nesse instante eles começaram a suspeitar que o garoto estava tentando descobrir alguma coisa, pois na tentativa anterior de trocar feridas para desabilitar um dos braços do oponente, o garoto viu que ele defendeu ao invés de simplesmente copiar o ataque e talvez isso lhe tenha dado uma ideia.
E, exatamente como suspeitaram, do momento em que a máscara do garoto foi quebrado em uma parte e a eficiência de combate dele começou a decair ao passo de que eles até acreditaram na derrota do menino, ele os surpreendeu ao atacar, e efetivamente destruir, um dos núcleos antes de fugir para as sombras. Depois eles observaram o garoto no plano das sombras analisando a máquina apenas para em questão de segundos a atacar novamente e destruir os dois núcleos remanescentes. Eles ficaram boquiabertos por um bom tempo antes de lhe dar atribuir uma nota, eles até gostariam de atribuir a nota máxima, mas pensaram que poderiam acabar recebendo uma reprimenda por desconsiderarem o tempo que o combate durou.
Os corvos eram principalmente conhecidos por sua furtividade, eficiência e rapidez na execução de suas tarefas, então, como alguém que demorara tanto para derrubar um oponente, por mais que por um método nunca antes visto, poderia ser considerado perfeito e receber nota máxima? Por isso, mesmo que um tanto a contragosto, eles concordaram em atribuir a ele noventa pontos, cinquenta da criatividade e quarenta da habilidade combativa.
O círculo de luz surgiu novamente abaixo de Lucet e brilhou por um instante antes de emitir uma luz que entrou no corpo do garoto e reparou os danos que ele sofreu, recarregando sua energia mágica e sua estamina. A máscara não podia ser reparada, portanto ele juntou os pedaços dela, tirou do seu rosto e guardou em seu cinto. Após isso, ele vestiu novamente todas as suas peças de roupa e armadura, e quando havia terminado, o círculo se converteu em várias setas no chão que apontavam para um portal no canto da arena.
Lucet seguiu as seta e a cada passo seu as luzes atrás de si se apagavam e a arena se tornavam mais escura. Eventualmente ele pisou no espaço do portal e desapareceu deixando para trás apenas a escuridão na arena e o autômato que havia sido desabilitado. Instantes depois, os três corvos da comissão de avaliação adentraram o lugar, pegaram o autômato e desapareceram nas sombras enquanto as luzes eram desativadas.