Os Contos de Anima - Capítulo 26
A resposta, porém, foi apenas um riso animado antes dela apontar a lança novamente em sua direção, dizendo.
— Não tem nenhuma regra que proíba um corvo de usar qualquer arma que quiser, mesmo que seja uma lança.
— Sim — ele respondeu ainda revoltado — mas ser um corvo é trabalhar no silêncio, na furtividade e na estratégia, como esperar ser silenciosa com um trambolho deste tamanho?
— Bem, acho que se eu não mostrar você não vai acreditar de jeito nenhum né? — ela riu.
Ela avançou em sua direção dando uma estocada com a lança na direção do seu estômago, o garoto tentou desviar ao virar o corpo para o lado e dar uns passos para trás, porém, quando tentou ver a arma, viu que ela havia desaparecido. Seus olhos correram em todas as direções buscando o perigo, mas por mais que olhasse, ele não conseguia detectar coisa alguma, era como se a lança tivesse deixado de existir.
Ele olhou para a figura confuso. A figura também olhou para ele e neste instante, ele viu nos buracos da máscara os olhos do oponente, e por alguma razão eles pareciam brilhar e sorrir com auto-confiança. Temendo a estranha alegria dela ele ergueu sua garra até o nível da cintura e se preparou para qualquer ataque. Seus olhos novamente deram de encontro com os dela, e neste segundo instante um alarme se espalhou pelo seu corpo.
Um frio desceu pela sua espinha e todos os seus sentidos ficaram extremamente aguçados. Ele sentia um perigo iminente, mas não conseguia localizá-lo. Ele olhou para a figura de novo, sua mente desesperada por respostas, mas de primeira vista, não conseguiu ver nada de estranho. Ele a fitou uma segunda vez para ter certeza e reparou que ela estava se aproximando a passos cuidados e lentos, centímetro por centímetro.
Seu corpo estava tenso e parecia lhe gritar alguma coisa, mas ele, como se fosse apenas um estrangeiro no próprio corpo, não conseguia compreender o recado, por isso, só conseguia ficar ainda mais nervoso. Uma terceira vez seus olhos correram a silhueta da figura e, como se atingido por um raio, ele finalmente conseguiu perceber algo. Seus olhos cravaram a vista nas mãos da figura e ele reparou um leve luzir mágico na sua mão direita.
A mão parecia estar segurando alguma coisa, algo invisível. A figura parecia ter um considerável esforço para segurar seja o que for e estava apontando para cima. “Espera um pouco… Será que…” Ele pensou antes de dar um breve passo para o lado, fingindo que a estava observando enquanto lentamente erguia sua garra na altura do seu pescoço.
Ele ouviu um brevíssimo tintilar da colisão de metais e sentiu uma breve resistência na trajetória da lâmina para cima. Sem pensar muito mais ele cortou na direção do local onde o tintilar soara enquanto corria em direção a figura, suas suspeitas confirmadas quando, ao ouvir o segundo colidir e olhar para as mãos da figura, viu rapidamente o corpo negro da lança ressurgir.
Ela puxou a lança para si no intuito de acertar um golpe na nuca do garoto enquanto ele disparava até ela, mas, as duas pernas dele eram mais rápidas que o impulso que ela podia gerar com apenas um de seus braços, por isso, ela falhou em reagir a tempo quando ele tentou cortá-la no pescoço. A garra negra cortava o vento, sua lâmina gentilmente vibrando como se numa sinfonia enquanto seguia seu caminho para tirar a vida de sua oponente.
A figura sem mais tempo de se defender, largou sua lança que caiu no chão no exato instante em que ela fechou seus olhos aguardando a morte que ela tinha certeza que viera coletar sua vida, porém, totalmente diferente do que ela esperava, Lucet parou a garra a um mísero centímetro de sua garganta. Seus olhos estavam cravados nos dela quando ele disse a familiar frase que lhe provia muitas respostas.
— Me entregue a verdade!
Seu olho direito pulsou e se tornou vermelho-dourado enquanto sua pupila se tornou uma fenda, a figura a sua frente se tornando interessante quando uma janela flutuante apareceu para o garoto, revelando a identidade de sua oponente.
Nome: Sofia VoidWalker
Idade: 12 anos
Nível de Vitalidade: 150/150
Nível de Mana:350/500
Espécie: Humana
Profissão: Corvo/ Invocadora, Contrato com: Mugetsu
Armamento Principal: Lança “Escuridão Invisível” / Estilo do Vazio*
Status: Saudável
Hostilidade: Combativa
*Estilo de combate com lanças desenvolvido e passado, como herança de geração em geração na família VoidWalker. Este estilo foi desenvolvido em parceria com a fera dimensional Mugetsu que mantém contrato um contrato eterno com a família e os empresta o poder de suas ilusões para tornar a lança do contratante quase indetectável.
“Interessante…Uma corvo invocadora que usa uma lança e tem habilidades de ilusão? Heh, praticamente perfeita para a profissão” Lucet riu enquanto pensava “Acho que com um poder desses, não tem porquê ela não usar uma lança” ele concluiu “Mas, porquê será que ela está aqui? Será que eu tenho de derrotá-la para concluir o exame?”
Foi neste instante que, como se tivesse lido seus pensamentos, a familiar voz dos anúncios respondeu suas questões.
— Vemos que já se conheceram — a voz anunciou — Acreditamos que uma breve amostra de suas habilidades é melhor para convencer um ao outro do que simplesmente apresentá-los, portanto, fizemos com que se encontrassem desta maneira. Corvo, solicitamos que retire a lâmina da garganta de sua oponente, e, a partir deste momento, anunciamos que vocês são uma dupla para este exame.
Lucet suspirou e se afastou da garota, e, enquanto o fazia aproveitou para usar seu pé para erguer a arma e jogar para sua mão livre. Ele então agarrou o cabo da lança e ofereceu para Sofia que ainda estava um tanto desnorteada. O garoto balançou algumas vezes a lâmina na frente do rosto da garota até que ela finalmente tremeu e agarrou o objeto, segurando-o próximo ao peito enquanto ele brincava com a garra em suas mãos, jogando-a de uma para outra de tempos em tempos.
Ela então se aproximou dele, a lança ainda erguida numa posição ofensiva, levemente apontada para seu pescoço. Ele tentou ignorar, mas a presença de uma lâmina do tamanho de sua cabeça extremamente afiada apontada para seu pescoço não era nada confortável.
— Ei garota, relaxa — ele disse um tanto irritado — aponta essa coisa para lá.
— Garota? Como sabe que sou garota? — ela questionou exasperada.
Por um mísero instante travesso um sorriso brotou no canto da boca do garoto e ele cogitou falar que era capaz de ver através da máscara, mas, logo isso passou e ele respondeu calmamente.
—O anuncio disse “sua” oponente — ele disse com um tom de tédio — portanto eu assumi que você fosse uma garota, estou errado?
— N.. Não, não está — ela respondeu um tanto envergonhada — Já que somos parceiros agora, acho que ao menos algumas coisas é necessário saber um do outro né?
— Sim, além dessa demonstração de suas habilidades de luta e as minhas, algumas coisas a mais ajudariam bastante nossa tarefa em equipe — ele concordou.
— Bem, meu nome é Sofia e eu tenho doze anos, sou discípula do “Corvo das Chamas” e vim fazer meu teste de rankeamento pela primeira vez — ela introduziu — Como já pode ver, eu uso um estilo de combate furtivo com lança.
“Hum…então ela não vai revelar mesmo que é uma invocadora huh?” ele pensou antes de respondê-la.
— Me chamo Lucet e também tenho doze anos, sou discípulo da “Corvo de Tinta” e vim, tal como você, fazer meu teste de rankeamento pela primeira vez — ele disse — E como já pode perceber, minha arma principal é a minha “Garra”.
A garota ficou surpresa, e num tom de súbita compreensão disse.
— AH! Então é por isso que minha camuflagem foi desfeita quando você golpeou! — ela falou entusiasmada — Essa dai é uma daquelas raras armas anti-magia, a “Garra do Corvo” não é? Como conseguiu? Deve ter sido sua mestra, porque uma coisa dessas é extremamente difícil de fazer e pouquíssimos ferreiros tem a coragem de forjar isso.
— É — ele disse com um perceptível orgulho em sua voz — Foi um presente da minha mestra. E você, de onde conseguiu essa lança que fica invisível? Ou será que é a sua magia que faz esse truque?
— Não é a lança que fica invisível — ela respondeu rindo — É a minha magia que a torna assim. Mas porque a pergunta? Já viu algo assim antes? — Ela questionou, sua voz demonstrando traços de suspeitas.
Lucet a essa altura notou que ele tinha deslizado em seu questionamento e que precisava disfarçar e desviar a atenção dela de imediato, afinal, suspeitas assim não seriam nada úteis nesse exame. Apesar de nunca ter trabalhado em equipe, ele fora frequentemente ensinado por Kaella sobre o poder que se tem nos números quando se há harmonia entre os participantes, e, como ele não podia se dar o luxo de falhar, decidiu que era melhor evitar qualquer desavença antes de garantir a vitória.
— Eu já vi sim — ele respondeu francamente — Minha mestra é uma Corvo que usa ilusões, uma vez ela me treinou usando algo parecido onde ela ficou invisível e reduziu todo o ruído do seu corpo e o objetivo era que eu aprimorasse meu senso de perigo, foi duro, tenho uma cicatriz desse dia até hoje. — ele relatou rindo enquanto erguia a manga do seu braço direito, mostrando uma leve cicatriz perto do seu pulso.
A fala em si não era falsa. O treinamento realmente tinha ocorrido, e a cicatriz, mesmo que não fosse resultado deste dia específico, era real, o que lhe garantia mais segurança e tranquilidade na fala, que automaticamente o davam credibilidade suficiente para diminuir as suspeitas da garota. Ela reagiu a isso e baixou a lança, apontando sua lâmina para o chão.
Eles tentaram partilhar mais algumas informações, porém, foram prontamente interrompidos pelo som da voz da comissão de avaliação.
— Neste momento vocês estão dentro da arena com terreno de selva — ela explicou — Aqui dentro são cultivados e preservados diversos espécimes raros de plantas e feras mágicas que estão quase extintas em Anima, e por tal, sua missão será capturar sem qualquer ferimento um filhote de Trovetigre e trazer para a área indicada. Os critérios de avaliação serão Método de Captura, Harmonia de Equipe e Tempo. Os três gerarão três pontuações de zero a cem que serão somados e divididos para extrair uma média. Para serem aprovados para o rank ferro, vocês precisam alcançar uma média de setenta pontos, para o rank bronze, oitenta pontos, para o rank prata, noventa pontos e para o rank ouro cem pontos.
— Além disso, a administração nos permitiu oferecer um incentivo para possivelmente melhorar sua performance — a voz continuou — Caso consigam atingir rank prata ou superior, vocês serão oferecidos a escolha de um prêmio cada. E lembrem-se, apesar de estarem trabalhando em conjunto, sua performance também será julgada individualmente, cada um tendo sua própria média de acordo com seu desempenho.
Os dois olharam um para o outro e eles podiam ver que o outro pensava exatamente igual a si, atingir o rank prata era absolutamente necessário! Não só pelo rank em si que já seria bem alto para alguém que acabou de entrar no Ninho, mas também, um prêmio do Ninho? Não tem como ser algo comum! Eles tinham que ganhar isso! A voz então continuou.
— Os perigos aqui são muitos — ela disse — acreditamos que vocês são capazes de identificá-los e desviar deles ou derrotá-los caso necessário, mas solicitamos que tenham o cuidado de não saírem matando tudo que avistarem, temos de lembrar que aqui é um dos poucos lugares em Anima que preserva estes espécimes e que quando mortos são dificílimos de encontrar novamente. Para ajudá-los nesta questão, a administração proverá uma bússola que aponta exatamente para onde está o seu alvo, para que evitem perder seu tempo e possivelmente danificar os espécimes que não estão relacionados com a sua missão. O tempo da missão será contado a partir do momento que saírem desta clareira. Boa sorte Corvos, o Ninho aguarda seu retorno e seu sucesso.
Um círculo de luz surgiu no chão, logo ao lado da fonte de pedra, e emitiu um pulsar brilhante antes de disparar duas esferas luminosas na direção do par. Elas voaram e gentilmente pousaram sobre suas palmas antes de se desfazer revelando duas esferas com uma seta vermelha que apontavam para noroeste presas a tirar de couro marrom que o par rapidamente usou para atar o equipamento aos seus pulsos.
Eles fizeram algumas checagens de suprimentos e compartilharam mais algumas informações. Sofia e Lucet tomaram um tempo para descansar e recuperar sua mana antes de se direcionar para noroeste e, após abrir um caminho entre galhos e vinhas, partiram em busca de seu alvo, dando início oficial para a missão.