Os Contos de Anima - Capítulo 28
A magia de camuflagem da garota tinha sido desfeita com o perigo e o garoto, apesar de ter planejado usar a camuflagem para livrá-los da perseguição da poderosa fera após fazer com que ela atacasse, nunca imaginou que o ataque seria tão devastador.
Apesar da presença de diversas roupas os dois sentiam o quão perigoso essa jogada tinha sido um para o outro. Seus torsos estavam encostados e através das peças eles conseguiam sentir o batimento um do outro, seus corações trabalhando árdua e furiosamente para prover sangue para todas as partes a qualquer momento enquanto o instinto de sobrevivência os mantinha em boas condições para lutar por suas vidas.
Eles olharam para o lado oposto da caverna, na direção da floresta por onde a grande cabeça branca tinha passado. Do caminho podiam sentir facilmente um cheiro fortíssimo de plantas e madeira carbonizadas além do perturbador e inconfundível cheiro de carne queimada. Eles podiam ver por dezenas de metros diversas árvores tombadas ou incineradas, pedras derretidas, cipós ainda em chamas e até mesmo podiam ver ocasionalmente arcos elétricos dançarem por entre as ruínas do caminho.
Porém, apesar de absolutamente aterrador a quantidade do poder de um só ataque da fera da caverna, nada os deixou mais assombrados do que a cena a seguir. Primeiro eles avistaram mais próximo deles alguns tufos de pelo verde chamuscado, que instantaneamente identificaram como sendo de um Tempesquilo mal-afortunado que foi pego no ataque, seguindo a trilha com os olhos começaram a ver primeiro uma pequena orelha verde, depois uma pata enegrecida, uma cauda óssea, um pequeno tronco ainda em chamas e em seguida seções inteiras de corpos até que avistaram uma cabeça esquelética ligada a um caixa torácica chamuscada com alguns restos de órgãos dentro que ainda se mexiam e faziam a cabeça tremer de tempo em tempo.
Nesse ponto Sofia parou de observar a cena, porém Lucet continuou e viu que o impacto do seu plano foi muito mais cruel do que ele poderia imaginar. Sua idéia era fazer uso da intimidação e poder da fera da caverna para assustar os Tempesquilos e fazê-los fugir, mas, o que ele falhou em perceber foi que subestimou totalmente o poder e o temperamento da fera. O poder fora tão devastador que centenas de pedaços de corpos despedaçados estavam espalhados por todo o rastro de destruição, isso sem sequer levar em conta o dano que foi causado a flora local.
Sua mente acelerada pelo influxo de sangue corria por diversas memórias, ensinamentos, técnicas e planos no intuito de responder o gritante pensamento “Como é que eu vou tirar a gente dessa?” Mas, nada que vinha a sua mente parecia ser bom o bastante para tirá-los daquela situação.
No vale ele já tinha enfrentado inúmeras feras, mágicas ou não, e mesmo assim, nada tinha demonstrado tanto poder quanto essa. Se alguma criatura como essa existia no vale, ele não fazia idéia, mas, se existia, ele rapidamente chegou a conclusão de que Kaella certamente o protegeu contra ela. “Eu não tô preparado para isso! Merda! Como é que eles esperam que a gente de conta de derrotar esse monstro!?” ele exclamou em sua mente.
Seu corpo já tremia com o stress e seu estômago ameaçava devolver as frutas que tinha consumido antes, fortes dores atingindo o local, mas, antes que ele verificasse que era seguro levantar, ele não fez qualquer movimento que não fosse lentamente girar os olhos e a cabeça para observar tudo que pudesse.
Enquanto fitava o ambiente com nervosismo, ele reparou que a fera da caverna, após o ataque inicial, não demonstrou qualquer intuito de perseguir os invasores. Provavelmente, Lucet concluiu, a confiança da fera em seu poder era tanta que tinha assumido que qualquer intruso tinha sido aniquilado com aquele único ataque, e, vendo o rastro destrutivo do ataque, não era para menos que a fera conseguia ter esse tipo de pensamento. O garoto passou a olhar para a entrada da caverna avidamente, tentando detectar qualquer possibilidade da fera emergir de suas profundezas.
Os dois ficaram deitados no chão por vários minutos antes de finalmente levantar ao confirmarem que a fera não tinha o menor interesse de atacar novamente. Nesse meio tempo, Sofia, que tinha gastado uma boa quantia de mana para escondê-los, conseguiu recuperar a quantia perdida após se acalmar e absorver mana do ambiente. Lucet apenas descansou o corpo e tentou relaxar. Seu corpo estava tão tensionado que já começava a doer, por isso, ele se alongou e circulou a mana pelo seu corpo durante o exercício para ajudar a sua recuperação e relaxamento, aproveintando a atividade para também recuperar sua mana.
Com suas faces viradas para a entrada da caverna, eles começaram a discutir sobre como iriam prosseguir. Eles ainda estavam um tanto chocados com o poder, mas após um período de reflexão, eles concluíram que se essa era a missão, alguma maneira de concluí-la deveria existir.
— Se lembre da missão — ele falou — Devemos capturar e levar até o ponto de entrega um filhote de Trovetigre. O Trovetigre nós já achamos e seu filhote não deve estar muito longe, mas como é que vamos pegá-lo e fugir sem sermos vaporizados?
— Combate claramente não é uma opção — Sofia respondeu, chacoalhando a cabeça — Nós nem sequer vimos como o Trovetigre é, mas só o poder daquela rajada de energia já é algo que nós não conseguimos enfrentar. Talvez podemos entrar lá camuflados com a minha magia e capturar o filhote e depois fugir usando o passo do corvo?
— Não vai dar certo — Lucet disse sacudindo a cabeça — A caverna é escura demais para acessarmos o plano das sombras.
—Mas e o ataque de luz? Isso deve criar alguma sombra não? — ela questionou.
— Eu acho que não — ele respondeu — a luz é intensa demais, e qualquer sombra que for criada será desintegrada antes que possamos acessá-la. Isso sem falar que eu acho muito improvável a fera disparar uma rajada daquelas dentro da caverna, o filhote está lá dentro, isso o colocaria em imenso risco.
—Hum… — Sofia resmungou — O que fazemos então?
— Não sei… — ele respondeu pensativo — Mas seja o que for, temos que decidir rápido. Um dos critérios de avaliação é o tempo de captura.
Sem esperar muito mais tempo, os dois decidiram que seria melhor que um deles atraísse a fera para fora enquanto o outro iria entrar na caverna e capturar o filhote, e, quando isso fosse concluído, um sinal seria produzido para que quem fosse atrasar a fera conseguisse escapar. Como Sofia possuía sua magia de camuflagem e Lucet tinha seu equipamento encantado para amplificar seus atributos físicos as posições foram rapidamente decididas, Lucet sendo a isca para a fera enquanto Sofia iria capturar o filhote.
Eles não sabiam nada sobre a proeza física da fera ou de seu filhote, mas imaginaram que deveria ser vastamente inferior, portanto, resolveram cortar e trançar alguns cipós da floresta para usar como corda para poder imobilizar o filhote. Após alguns minutos de preparação, a garota se escondeu com a corda em mãos perto de algumas árvores num canto mais isolado ao lado direito da caverna enquanto o garoto se posicionou em frente a entrada da caverna.
Sem muita certeza de como exatamente ele faria isso, o garoto deu uma última olhada na direção de Sofia e, após dar um suspiro e um sorriso desconcertado, se virou para olhar a caverna e, após tomar um largo fôlego, soltou um berro com toda sua força ao passo que sentiu suas cordas vocais doerem com o esforço. Por mais incoerente e sem linguagem que fosse aquele berro, o intuito de desafio foi claramente compreendido pela fera rugiu e, após carregar a caverna com luzes e energia a ponto que fizeram o ar zunir, disparou um outro ataque que Lucet prontamente desviou ao saltar para a esquerda da caverna.
Em seu salto um tanto desesperado, o garoto acabou tropeçando na grama quando tocou o chão o que o fez cair e o forçou a rolar para o lado. Sem dar tempo da fera se sentir triunfante ele rapidamente se levantou, sacou a garra e com ela firme entre seus dedos que já estavam com os nós brancos do esforço tomou mais um largo fôlego e soltou outro berro desafiador informando sua posição. Por um instante o garoto achou que uma segunda rajada de luz iria atravessar a parede da caverna para lhe acertar, porém, para sua surpresa ele apenas recebeu o silêncio e mais nenhuma resposta da fera.
“Droga!” ele xingou em sua mente “Porque essa coisa não saiu ainda?” Ainda decidido a tirar o oponente de sua toca ele andou novamente até a entrada da caverna e mais uma vez soltou um berro que dessa vez até ecoou de volta para si. Mais uma vez, um clarão e um zunido elétrico depois, uma rajada de luz foi disparada da caverna que Lucet já preparado facilmente desviou e berrou para desafiar novamente, e, mais uma vez, o silêncio foi sua resposta. “Mas que merda! Porque esse bicho não sai da caverna? Será mesmo que eu não passo de uma mosca pra ele?” ele pensou um tanto desanimado, mas, instantes depois sua mente produziu uma hipótese que conforme ele revisava parecia mais e mais provável “Será que não é que ele não quer sair, mas não pode? Se for assim, então…”
— Me entregue a verdade!
Seu olho direito mudou, sua íris se tornando uma cor vermelho-dourada enquanto sua pupila tomou a forma de fenda. O mundo ao seu ver assumiu um tom de azul e parecia estar apenas aguardando seu comando para revelar seus segredos. Ele então voltou para a entrada da caverna mais uma vez e focou sua visão na escuridão e, exatamente como tinha imaginado, suas hipóteses foram confirmadas quando uma placa flutuante surgiu em frente aos seus olhos.
Território de Thordrana*
Líder: Thordrana/ Trovetigresa Anciã.
Formas de vida detectadas: nove.
Status das formas de vida:
Thordrana — Enfraquecida/Hostil
Raizen — Enfraquecido/Hostil
Filhote Não Nomeado N°1 — Saudável/ Adormecido
Filhote Não Nomeado N°2 — Saudável/ Adormecida
Filhote Não Nomeado N°3 — Saudável/ Adormecida
Filhote Não Nomeado N°4 — Saudável/ Adormecida
Filhote Não Nomeado N°5 — Saudável/ Adormecido
Filhote Não Nomeado N°6 — Saudável/ Adormecido
Filhote Não Nomeado N°7 — Saudável/ Adormecido/ Segregado**
* = Alerta, não é recomendável adentrar o território, situação de pós-parto detectada. Nível de poder atual do usuário não é o suficiente para enfrentar os espécimes com segurança.
** = Anormalidade sanguínea detectada, possível mutação de espécie presente. Hostilidade dos espécimes adultos detectadas para com este espécime.
O garoto, feliz com a descoberta se afastou e foi até o local de esconderijo da garota. Ele lhe contou de sua descoberta, omitindo a forma como a obteve, e alterou o plano para que, quando ele atraísse a atenção dos trovetigres adultos, ela capturasse o filhote isolado. A bússola já havia parado de brilhar a um tempo, pois já haviam chegado no alvo, sua seta agora apontando para outra direção.
Sofia se escondeu e já ficou preparada para ativar a camuflagem ao receber o sinal, Lucet, por sua vez, se posicionou novamente em frente a caverna.
— Se você não vai sair com provocação… — ele disse, um leve sorriso surgindo no canto da sua boca — Então eu vou fazer você vai sair por outra razão!
Lucet circulou sua mana e a acumulou nas mãos que prontamente reluziram com uma aura cinzenta. Ele se agachou e apertou as palmas contra o chão, transferindo a mana acumulada para o solo que prontamente começou a vibrar.
— Que tal isso? — ele gritou — Estilhaço!
Ele fez questão de produzir a maior quantidade de som possível antes de disparar seu ataque para confirmar que o invasor era ele. O chão quebrou e diversas rochas pontiagudas começaram a crescer das fissuras antes de disparar para dentro da caverna. Um clarão brilhou na caverna por um instante, mas, dessa vez, nenhum zunido elétrico o acompanhou e muito menos uma rajada de luz.
Lucet ficou um tanto inseguro se sua tática havia funcionado. Porém, quando viu com seu olho o seguinte aviso, ele ficou animado e sorriu triunfante.
Nome: Thordrana*
Espécie: Trovetigre/ Classe Anciã
Idade: 537 anos
Nível de Vitalidade: 1252/5300
Nível de Mana: 2547/7000
Status: Enfraquecida/ Hostil/ Combativa
* = Alerta, Oponente se aproximando. O nível de poder do usuário não é suficiente para derrotar o oponente. Retirada é sugerida.
Lucet se abaixou e ativou os encantamentos de suas botas, depois disso, circulou mana em suas manoplas para ativar o encantamento de reforço físico em seus braços. Apesar de bastante acostumado com a sensação, era sempre curiosamente satisfatório sentir o efeito em seus braços, ele os sentia super energizados, quase indestrutíveis. Ele deu um suspiro e então tirou seu manto, mantendo apenas sua máscara enquanto planejava mentalmente. “Mestra, eu espero sinceramente que esse manto seja tão resistente quanto você disse, se não, eu tô morto!” ele pensou.
A fera que causara tanta destruição anteriormente finalmente se aproximou. Seus passos eram lentos e pesados e sua respiração era laborada, facilmente confirmando os avisos da análise.
Primeiro surgiu sua enorme cabeça que rugia com sua bocarra aberta com enormes presas brancas do tamanho de sua “garra” que sozinha já era suficiente para lhe partir em pedaços. Seus olhos eram azuis e pareciam fluir com energia, pequenas luzes e arcos elétricos dançando neles de tempos em tempos. Ela tinha um grande focinho triangular negro e seus pelos eram azuis com marcações negras na forma de relâmpagos. Em seguida, o corpo surgiu das sombras da caverna, imponente.
Seus membros eram facilmente do tamanho do garoto cada um e sua cauda parecia uma poderosa víbora que fazia o ar vibrar ao se mexer. A Trovetigresa a sua frente era facilmente duas a três vezes maior que um tigre comum, suas garras maiores que a própria arma que o garoto carregava cada uma. “Ai merda…Isso ai não é uma fera, é um maldito arsenal ambulante!” ele exclamou em sua mente “Esse teste só pode ser de como virar um buffet na selva! Não é possível que eles realmente esperavam que conseguíssemos enganar essas coisas de verdade né?”
A fera rugiu e então olhou fixamente para o garoto. Ela ainda analisava o oponente e seu rosto expressava uma certa frieza com os olhos que parecia dizer a ele “É esse o inseto que ficou me perturbando?” Ao notar isso Lucet se sentiu um tanto menosprezado e se revoltou em sua mente enquanto ria de nervoso “Tudo bem que eu sou mais fraco, mas você também não está nas melhores sua coisa burra!”
Thordrana o observou em silêncio por mais um tempo. Apesar de não chegar a um nível que eram capazes de fala, as feras mágicas, especialmente as de idade mais avançada, conseguiam desenvolver uma inteligência que não era muito inferior ao dos seres humanóides e isso, aliado aos seus instintos afiados, as tornava oponentes formidáveis de enfrentar. Se não fosse possível as enfrentar com força bruta, vencê-los com estratégia também não era exatamente uma tarefa simples.
Como Lucet e Sofia não tinham a intenção de causá-la qualquer dano e apenas queriam capturar o filhote que ela mesmo já renegava, seus sentidos estavam confusos, pois não conseguiam detectar nada além de nervosismo vindo do garoto a sua frente.
Observando o estranho silêncio da fera o garoto agiu. Com um breve toque de seu pé no chão seu corpo disparou como um vulto na direção da fera, seus passos quase inaudíveis graças aos encantamentos de sua bota. A fera ao observar o ato rosnou e ergueu sua pata dianteira, suas garras negras sacadas contra o oponente.
Apesar de surpreendentemente rápido, Thordrana conseguia acompanhar os movimentos do garoto, e quando viu que ele estava mirando um ataque em sua cabeça prontamente atacou com suas garras quando Lucet tentou um ataque por baixo de sua cabeça ao se jogar no chão e deslizar, mirando um chute no queixo da fera.
O garoto reagiu abaixando a perna que tinha erguido para chutar e girar o corpo para o lado, desviando do ataque por milímetros quando um escudo de energia surgiu de sua armadura que, apesar de ser quase instantaneamente partido pela imensa força das garras, conseguiu parar as garras negras por uma fração de segundo que foi suficiente para que o garoto conseguisse desviar.
Ao rolar ele acabou batendo suas costas na outra pata dianteira da fera que prontamente a ergueu e tentou esmagar o garoto. Os movimentos da oponente, Lucet conseguiu notar, estavam um tanto lentos e até mesmo restritos e pareciam custar um imenso esforço por parte de Thordrana para executar. Ele tomou vantagem e começo a rolar constantemente e atacar as patas com sua garra, inflingindo minúsculos cortes cada vez que o fazia “Vamos lá, se enfureça grandalhona! Anda!” ele pensava enquanto atacava.
De início os ferimentos eram tão insignificantes que a fera simplesmente os ignorou, mas, com o tempo, o número deles aumentou tanto que a fera não pode mais deixar passar e se enfureceu. Sua bocarra que até agora não tinha feito muito mais que rosnar na direção de Lucet, que mais pareciam uma minhoca energica, finalmente se moveu e tentou abocanhar o garoto.
“Agora!” ele gritou em sua mente. Ele rolou para o lado uma última vez e se posicionou exatamente abaixo da bocarra. Suas mãos se moveram rápido e torceram o manto antes de enfiá-lo na boca da fera, suas manoplas reluzindo em toda sua capacidade enquanto sua força braçal era amplificada.
Sofia que assistia todo o processo quase desmaiou por segurar o folêgo desde o momento que Thordrana apareceu, mas, quando Lucet realizou o último movimento ela sentiu seu coração parar e o mundo diante dos seus olhos ficou mais lento. Para ela que nunca encontrou uma situação tão particularmente perigosa antes, o que ela viu nesse instante foi marcante.
Nesse instante em que o tempo do mundo parecia se arrastar nos seus olhos, a cena se gravou em sua mente de uma maneira que ela jamais esqueceria. O brilho das manoplas que funcionavam em potência máxima, a poeira, terra e grama que se erguia com os movimentos da luta, até mesmo a fúria óbvia nos olhos da fera e o impressionante esforço do garoto. Tudo era assustadoramente detalhado naquele instante, e excepcionalmente belo aos seus olhos. “Que…Lindo…”Ela pensou antes de chacoalhar a cabeça e tomar um largo fôlego ao passo que o mundo acelerou novamente, seu coração agora batendo disparado em seu peito, seus pulmões ardendo com o esforço de respirar.
Lucet então puxou seu corpo e usando o manto torcido, que agora estava preso entre os dentes pontiagudos de Thordrana que mordia repetidamente na tentativa de rompê-lo, como suporte, ele se ergueu e se jogou por cima da cabeça da fera, montando em seu pescoço. Ela rugiu furiosa e o garoto aproveitou essa oportunidade para soltar o manto, puxá-lo de volta, estendê-lo e jogá-lo sobre os olhos e rosto do oponente antes de puxar as pontas e “embrulhar” a cabeça da fera.
Thordrana rugiu mais alto e começou a se debater, saltando e usando suas patas e cauda para tentar atingir o garoto e tirá-lo de cima de si, mas, como ele era mais rápido e possuía o auxílio de seu olho do tirano, que era capaz de notar as minúcias de tudo ao ponto de enxergar até mesmo o ar sendo deslocado pelos movimentos da besta, ele conseguia desviar com bastante facilidade e se manter ali.
— SOFIA! — ele berrou, seus braços tremendo com o esforço de segurar o manto sobre a cabeça da besta — VAI! AGORA! EU NÃO VOU CONSEGUIR SEGURAR POR MUITO TEMPO!
O berro a acordou de seu estado de choque, e, após chacoalhar a cabeça algumas vezes, a garota ativou sua magia desaparecendo como se nunca tivesse existido. Ela só teria no máximo dois minutos para realizar tudo antes que ficasse sem mana, provavelmente até menos se Lucet falhasse em segurar a fera, portanto, tinha de agir rápido.
Ela saiu de seu esconderijo e correu para a entrada. Os instintos de Thordrana a alertaram brevemente sobre a garota fazendo-a virar seu corpo na direção da caverna, mas, como Lucet estava sobre si constantemente golpeando-a e provocando-a, ela não conseguiu se concentrar o bastante para notá-la por completo, portanto, logo retornou a tentar trucidá-lo. Sofia vendo isso não perdeu mais tempo e entrou.
O caminho da caverna era escuro. O ar era úmido e quente a tal ponto que, quando Sofia usou os olhos de corvo para enxergar em meio a escuridão, ela conseguiu enxergar diversas plantas e fungos crescendo por toda a parte. Por causa da súbita percepção de Thordrana, Sofia desconfiou que sua magia tinha falhado, mas, quando finalmente se aproximou do outro Trovetigre adulto e dos filhotes adormecidos e viu que nenhum deles sequer notou sua existência, ela rapidamente recuperou sua confiança.
Sua magia escondia totalmente sua presença, seu cheiro, sons e aura mágica. Talvez, ela pensou, a fera a tinha notado anteriormente puramente por instinto e não porque sua magia havia falhado, afinal de contas, a origem de sua habilidade mágica vinha de outra dimensão, não tinha como ela ser derrotada assim tão facilmente mesmo que ainda não fosse tão poderosa quanto os outros membros da sua família.
Ela então procurou com cuidado e, após alguns momentos, encontrou um pequeno filhote de pelo negro e marcas brancas dormindo longe dos outros num canto mais afastado do interior da caverna. Ele era um tanto menor que os outros filhotes que tinham o tamanho de cães de porte grande adultos, tendo apenas, mais ou menos, o mesmo tamanho de um cão de porte médio adulto.
Quando se aproximou percebeu que o filhote estava tinha várias cicatrizes pelo corpo, provavelmente infligidas pelos outros filhotes visto que não eram tão grandes, e tremia enquanto dormia. Uma pontada de dó surgiu em sua mente a ponto que ela se abaixou e passou a mão sobre a cabeça do filhote ignorando a possibilidade de ele despertar, o afagando e para sua surpresa, o acalmando ao ponto de que sua tremedeira cessou e ele adormeceu ainda mais profundamente.
Apesar de não ver perigo na criatura adormecida, ainda assim tomou as devidas precauções e a amarrou a corda em volta de seu corpo criando uma espécie de bolsa deixando apenas a cabeça do filhote para fora. Ela então a atou com um outro pedaço de corda ao seu corpo e usou sua magia para esconder os dois antes de se mover.
Enquanto passava perto dos outros filhotes e do Trovetigre adulto remanescente ela notou que ele parecia a ter notado, mas, logo a ignorou ao não conseguir ver ou detectar nada com seus sentidos possivelmente por estar tão enfraquecido pela ferida enorme que tinha em seu corpo que ainda sangrava um pouco e estava aberta.
Ela andou rápido e após alguns instantes finalmente chegou a saída, prontamente se movendo para seu esconderijo onde desfez a magia sobre si e manteve o filhote escondido antes de se levantar e gritar.
— Lucet! — ela chamou animada— Eu consegui! Vamos dar o fora daqui e concluir essa missão de uma vez!
Lucet suspirou ao finalmente ouvir o chamado. Apesar de parecer muito tempo para ele, o garoto teve manter a besta ali por apenas um minuto e alguns segundos enquanto Sofia corria para capturar o filhote. Mas mesmo que fosse um período de tempo tão curto segurar a fera, até mesmo com o reforço mágico de suas manoplas e o enfraquecimento da fera ele ainda sim teve de se esforçar muito para mantê-la distraída e a essa altura, seus braços já estavam doendo e segurar estava ficando cada vez mais difícil a medida que suas forças estavam se esvaindo rapidamente.
O garoto soltou as pontas e recolheu o manto antes de saltar da fera e, no instante que tocou o chão e viu que Sofia já estava correndo para longe na direção do próximo objetivo, mergulhou nas sombras da fera e emergiu na sombra da garota, prontamente disparando na direção da saida. Por alguns momentos a fera ficou confusa e até considerou a perseguição, mas, logo desistiu e retornou para dentro da caverna.
O par correu por mais alguns minutos e logo chegaram a um portal luminoso em uma outra clareira da selva onde água e provisões os aguardavam, a essa altura Sofia já havia retirado sua magia e estava preservando sua energia, portanto, o filhote, que já havia acorda a um tempo e observava tudo com grande curiosidade, já era visível. Ao chegar a uma certa distância do portal, a voz de anúncios ecoou.
— Parabéns Corvos — ela disse — Sua missão foi concluída com sucesso. Os critérios e suas respectivas avaliações são respectivamente para cada um. Pedimos que verifiquem os resultados, e caso tenham alguma dúvida, questionem agora. Também solicitamos que adentrem o portal com a cria de Trovetigre para que possamos encerrar os procedimentos de avaliação. Uma tela flutuante surgiu diante de cada um com suas respectivas informações.
Nome: Lucet
Espécie: Humano
Idade: 12 anos
Status da Avaliação de Rankeamento:
Método de Captura: Divisão e Conquista — 100/100 pontos
Harmonia de Equipe: 90/100 pontos
Tempo: 48 minutos e 37 segundos — 80/100 pontos
Média de Pontuação: 90 pontos
Rank Atribuído: Prata
Autoridade Atribuída: A3
Nome: Sofia
Espécie: Humana
Idade: 12 anos
Status da Avaliação de Rankeamento: Sucesso
Método de Captura: Infiltração e Captura — 100/100 pontos
Harmonia de Equipe: 90/100 pontos
Tempo: 48 minutos e 37 segundos — 80/100 pontos
Média de Pontuação: 90 pontos
Rank Atribuído: Prata
Autoridade Atribuída: A3
Após verificarem e celebrarem por alguns momentos os resultados, eles adentraram avidamente o portal com o filhote de Trovetigre, que agora tinha sido atado às costas de Lucet para Sofia descansar. Eles estavam animados, pois ao atingir o rank de prata eles tinham assegurado a recompensa do Ninho e estavam empolgados para descobrir o que seria.