Os Contos de Anima - Capítulo 29
Em instantes o par apareceu diante da familiar recepção de pedra negra. Ao saírem do portal, se depararam com três corvos apoiados no balcão da recepção conversando com a recepcionista que, no instante que o par surgiu, os avistou e sinalizou para os três corvos com seus olhos para a chegada deles. O par notou que os três vestiam exatamente o mesmo tipo de vestimnenta e mascara, carregando apenas um pequeno pássaro de ouro numa corrente em seus pescoços que, bem como Lucet tinha notado anteriormente ao ver o mesmo pássaro feito de pedra negra sendo utilizado por sua mestra, representava seu ranqueamento no ninho e, no caso do trio, significava o rank logo acima do que o par havia adquirido, o ranqueamento de ouro.
O trio se virou e quando os avistou ficaram, Lucet reparou, estranhamente animados. Quando se aproximaram e começaram a falar com eles, a tonalidade de suas vozes era agradável, mas este tipo de agrado não era nada bem vindo na opinião do garoto, por isso, seu rosto logo se fechou numa careta imperceptível abaixo de sua máscara.
— Parabéns jovens corvos pelo sucesso de suas admissões e ranqueamentos — um deles disse entusiasmado — Tenho certeza que seus mestres não esperavam menos de vocês.
— Exatamente — reforçou o segundo — Conseguir um ranqueamento tão alto numa primeira tentativa apenas demonstra a qualidade de seus ensinos além de, obviamente, sua própria excepcionalidade e talento.
— Isso dito — pontuou o terceiro — Temos de oficializar o término de sua avaliação, e para isso iremos entregar sua insígnia de identidade e receber o filhote capturado durante o exame.
Lucet, que a essa altura estava extremamente desconfiado tanto dos tons joviais nas vozes do trio quanto dos elogios, recuou um passo para trás, sua mão direita instintivamente alcançando suas costas e segurando o filhote. Sofia, que também já estava muito desconfiada dos três, se aproximou do filhote e pôs também uma mão sobre as atas da criatura. O filhote apenas observava tudo, suas expressões e leves grunhidos às vezes demonstrando medo e outras, pura curiosidade inocente enquanto se acomodava nas amarras que, para qualquer um que observasse as expressões da pequena fera, poderia se dizer que eram bem confortáveis apesar da restrição dos movimentos.
— Me explica uma coisa — ele disse sutilmente num tom inquisitório — Porque exatamente tivemos de realizar esta missão específica de captura? Não tinha nenhuma outra que pudesse testar nossas habilidades de cooperação?
Lucet planejava ser sutil e extrair as informações pelo contexto da conversa antes de tomar sua decisão, porém, Sofia foi muito mais incisiva e perguntou diretamente o que ele queria saber.
— Porquê querem esse filhote? — ela questionou, sua voz levemente exaltada.
Os três foram pegos de surpresa pela reação dos dois, mas, sendo corvos experientes como eram, reagiram rápido e responderam.
— São apenas procedimentos — um explicou.
— A administração apenas exige que a comissão de avaliação, ou seja, nós, verifiquemos a veracidade do espécime capturado para oficializar o resultado — o segundo disse.
— Já houveram casos onde os participantes dos exames usaram métodos para tentar burlar as regras e ser aprovado utilizando meios não permitidos — o terceiro continuou — Iremos verificar a linhagem sanguínea do animal e então, após realizados os devidos exames, iremos devolvê-lo para o ambiente de onde foi retirado.
Lucet estava prestes a continuar o questionamento, porém Sofia o impediu e declarou com uma voz surpreendentemente imperiosa.
— Não! — ela disse.
— Não? — o trio questionou em uníssono.
— Sofia, o que você tá fazendo? — Lucet sussurrou para ela.
— Não vou deixar que levem ele embora — ela respondeu em voz alta.
As vozes do trio prontamente se tornaram expressivamente mais sérias ao ter sua autoridade desafiada pela garota que acabara de se tornar uma corvo do rank prata.
— Garotinha — um deles disse, irritado — Isso não é de sua alçada para decidir.
— Isso é um procedimento básico que é regra da administração — o segundo continuou — Não cabe a você questionar a forma como as coisas funcionam com seu mero rank prata.
— Exato — o terceiro afirmou ao apontar — Uma mera rank prata como você não pode questionar o poder, autoridade e ações de seus superiores. Seu mestre não lhe ensinou a respeitar a hierarquia?
Mesmo coberta pela máscara e manto, Lucet podia sentir a fúria e indignação da garota. Ele sabia que se ela fosse forte o suficiente para isso, ela provavelmente teria disparado um ataque com sua lança contra o trio a essa altura independente de seus ranks. Sentindo que a situação estava se tornando desnecessariamente explosiva, o garoto avançou até estar frente a frente o trio, seus braços já desatando a bolsa de vinhas em suas costas enquanto olhava de relance para a garota dando uma leve chacoalhada com a cabeça, indicando que aquele não era o momento certo para isso.
— Peço desculpas pela atitude da minha colega — ele disse cordialmente, o filhote em suas mãos que estavam estendidas — Eu creio que ela deve ter se estressado bastante por causa da natureza da missão e o quão perigosa a mesma foi. Aqui está.
Os três ficaram surpresos pela subita cooperação e facilmente retornaram ao seu tom entusiasmado e cordial ao ver que o garoto havia se submetido a sua autoridade, portanto, novamente conversaram com tranquilidade ao receber o filhote. Eles entregaram os dois colares com corvos prateados como pingentes para o par, que devido a rebeldia de Sofia, Lucet aceitou pelos dois.
— Muito bom, garoto — um deles comentou animado — Um trabalho excepcional de sua parte.
— Exato — o segundo continuou — Apesar de sua colega ter perdido os nervos, ainda assim você se manteve tranquilo e cumpriu seu objetivo.
— Certamente terá um futuro grandioso se continuar assim — o terceiro comentou animado.
— Ora senhores — Lucet comentou dando algumas risadinhas que se esforçou muito para fazer soarem naturais — Não é nada demais. Tenho certeza que já trilharam este caminho e com certeza são respeitáveis membros do ninho.
Como esperado, o trio que tanto valorizava status ficou ainda mais presunçoso ao ouvir as palavras do garoto e prontamente começaram a se gabar.
— Sim sim — comentou um deles — Não foi fácil chegar no rank de ouro.
— Com nossos imensos esforços e contribuições conseguimos alcançar esse rankeamento e ainda conseguimos a atribuição de avaliadores — o segundo afirmou.
— Somos muito importantes no recrutamento e avaliação de novos talentos como vocês — o terceiro declarou.
— É mesmo? — Lucet perguntou num falso tom de interesse — Então certamente os senhores têm muitas responsabilidades não é? Creio então que os vocês devem ter outras tarefas para realizar. Agradeço pelo contínuo apoio e torço para que tenham muito sucesso.
Os três agradeceram as palavras, concordando com o garoto que tinham mais o que fazer do que apenas ficar ali conversando com eles, portanto se viraram e se direcionaram para a porta atrás do balcão da recepção. Sofia beliscou seu braço, fazendo-o virar seu rosto para ela e ver que a clara frustração nos olhos da garota que o fuzilavam com um olhar furioso que claramente dizia para ele “O que é que VOCÊ tá fazendo seu idiota!?”
Ele apenas deu um leve riso antes de virar novamente sua atenção para os três corvos que estavam partindo. Num tom de como se não quisesse nada, Lucet então falou, fingindo hesitação em sua voz.
—Hum… Senhores?
O trio que estava num excelente ânimo se virou para o garoto, um traço de raiva passando em seus olhos antes de o responderem.
— Sim? Precisa de alguma ajuda? — um deles disse num tom levemente impaciente.
— Não é nada tão importante assim que precisa que os senhores ajam pessoalmente — ele continuou no mesmo tom de desinteresse — Mas, como são da comissão de avaliação, achei que era mais adequado perguntar a vocês.
— E qual exatamente é a sua dúvida criança? — disse o segundo.
— Bem… — ele disse enrolando um pouco enquanto fingia que estava tentando lembrar algo elusivo que lhe escapava a mente — Mais cedo, antes da avaliação começar, eu me lembro de ter ouvido a voz dos anúncios dizer que teríamos direito a escolha de um prêmio caso atingíssemos o rank prata.
— Exato, e daí? Alguma coisa que não entendeu? — o terceiro questionou.
— Não é que eu não entendi — ele disse numa pose pensativa — É só que eu não sei com quem devo falar para reclamar minha recompensa. Tem alguma lista de itens que tenho de consultar para pedir ou posso apenas pedir qualquer coisa que eu queira?
— Não existe nenhuma lista — um deles respondeu — O pedido é livre contanto que seja compatível com o rank do solicitante. Para fazer a reclamação do seu prêmio, tudo que tem que fazer é falar com a recepcionista e oficializar sua escolha usando sua insígnia como confirmação.
— Entendi — ele falou animado — Muito obrigado!
— Não há de quê, criança — Ele respondeu desinteressado antes de se virar para partir.
Lucet então rapidamente sinalizou para Sofia com um leve balanço da sua cabeça que apontava para a recepcionista. A garota, que apesar de irritada, havia prestado atenção na conversa reagiu rápido e pegou o pingente das mãos do garoto, colocando então sua insígnia prateada nas mãos da recepcionista antes de dizer.
— Eu gostaria de reclamar meu prêmio — ela disse.
— E o que gostaria de receber como recompensa? — a recepcionista questionou com um sorriso maroto nos lábios, já prevendo a resposta da garota.
Sofia então apontou para o filhote nas mãos de um dos corvos e disse num tom zombeteiro.
— Eu quero aquele filhote — ela declarou.
Lucet sorriu por trás da máscara e segurou seu riso enquanto os três corvos se viraram enfurecidos para a garota.
— Como ousa!? — Um deles disparou.
— Isso é uma prova da conclusão de seus exames, não pode pedir isso como prêmio — o segundo declarou.
— Exatamente — disse o terceiro — Isso está fora da compatibilidade do seu rank.
Sofia, furiosa, estava prestes a reclamar, porém, Lucet mais uma interviu e disse.
— Ora, se essa era a questão, era só explicar calmamente — ele disse num tom debochado — Não somos idiotas para não entender as “regras” da organização se elas forem explicadas direito. Tenho certeza que a administração e os membros do ninho trabalham em harmonia e jamais pensariam em usar suas posições para mentir e enganar outros membros.
— Ora seu! — Um deles disse enfurecido.
— Ora o que? — ele retrucou friamente — Algum problema? Estou então errado em assumir que os senhores estão agindo dentro das regras? Qual exatamente é o propósito de examinar esse filhote? Vocês não têm como observar o exame realizado tal como fizeram na minha prova de admissão? Ou será que por um acaso estão me dizendo que vocês são tão incompetentes que são capazes de serem enganados por duas crianças que acabaram de se juntar ao ninho?
— Exatamente — ecoou Sofia — Vocês estão muito bravos para alguém que só está fazendo o seu trabalho. Verificar o filhote é mesmo parte do exame? Ou será que vocês estão mentindo e tem algum esquema por trás disso?
— Seus! Como ousam falar assim com um superior! — o segundo retaliou — Acham mesmo que desrespeitando assim alguém de um rank mais alto vocês não serão expulsos e caçados pelo ninho?
— Acham que só porque vocês tem a “Corvo de Tinta” e o “Corvo das Chamas” como mestres pode fazer o que quiser aqui dentro? — o terceiro berrou apontando seu dedo para o garoto — Nem mesmo eles podem quebrar as regras do ninho sem sofrer consequências, quem dirá vermes do rank prata que nem vocês! Aqui dentro a administração é absoluta, acha mesmo que vão simplesmente deixar isso passar?
As palavras dos três mal tinham terminado de ecoar na pequena recepção quando uma poderosa e violenta aura negra irrompeu, causando tremores e ventos dentro do lugar. O poder repentino os atingiu com tanta força que os fez voarem e colidirem com o teto do lugar antes de caírem de cara no chão, suas máscaras se partindo no processo e cortando seus rostos, os três gritando de dor enquanto tentavam tirar os fragmentos de suas peles e curar as feridas com elixires e pilulas que tiraram de seus equipamentos dimensionais.
Em seguida, a temperatura da sala aumentou e o próprio ar começou a vibrar enquanto uma segunda aura vermelha como fogo se manifestou e disparou diversas plumas de fogo contra os rostos do trio que rapidamente começou a rolar no chão de pedra guinchando desesperadamente enquanto o barulho e o cheiro de carne em chamas se espalhava pelo espaço.
No meio do acontecimento o filhote que estava preso nas amarras conseguiu se soltar e saltou assustado diretamente para os braços da garota que prontamente o recebeu. O pequeno Trovetigre negro de listras brancas então começou a esfregar sua cabeça no corpo da garota enquanto ela ria e o abraçava contente.
Quando Lucet viu o comportamento da pequena fera ficou um tanto surpreso. Ele até tinha alguma noção de que a gentileza da garota durante o “resgate” do filhote ia afetá-lo até um certo grau, mas, não imaginava que seria tão espontânea e rápida a preferência que surgiu no animal.
Exatamente por qual tipo de experiência a criatura tinha passado para preferir uma estranha que a “resgatou” ao invés de tentar fugir e reencontrar sua família? Será que o filhote já enxergava a garota como família?
Muitas perguntas corriam pela cabeça do garoto sobre a natureza desta criatura, mas nenhuma delas durou tanto tempo quando o garoto teve sua atenção puxada para os acontecimentos na sala.
Lucet e Sofia deram alguns passos para trás enquanto as auras continuavam a castigar o trio. O par então olhou para o lado e viram a origem do poder. Kaella estava de pé e caminhava lentamente na direção do trio enquanto uma aura negra como tinta brilhava em volta do seu corpo e disparava rápidos ataques nos três como se as pontas do poder negro fossem chicotes.
Seu manto esvoaçava diante de seu poder e revelava seu corpo vestido com roupas negras justas em seu corpo e diversos cintos que carregavam todo tipo de agulhas, pequenas lâminas, suas espadas curtas, pequenos bolsos com conteúdos desconhecidos e a sua bolsa dimensional atada a sua cintura. Seu capuz já havia sido retirado pelo vento criado e revelava seu cabelo escarlate que tinha sido preso num rabo de cavalo cuja ponta agora flutuava.
Ao lado da Alfae, um homem coberto de chamas vermelhas seguia ao mesmo passo na direção do trio. Seu manto e capuz também tinham sidos afastados do corpo e revelavam a roupa por baixo e seu cabelo. Lucet notou que o cabelo do homem era negro com traços grisalhos bem como as pontas do que ele presumiu ser as costeletas ligadas a uma barba coberta em boa parte pela máscara que vestia.
Suas roupas eram claramente feitas para combate e até mesmo pareciam ser um uniforme de algum exército que ele desconhecia. Ele usava um sobretudo preto que cobria parcialmente sua farda azul com linhas brancas. Em seus pés botas negras de combate, em sua cintura um cinto com uma jóia dimensional azul e um par de espadas atadas a ele embainhadas. O peculiar de sua aparência, porém, eram suas luvas que eram brancas e continham estranhos símbolos que Lucet não conseguia reconhecer mesmo com as extensivas aulas de runas e simbologia que tinha recebido de Kaella.
— Não entendi — Kaella disse friamente — Poderia me explicar que história é essa de “vermes” e “consequências”? O que um mero rank ouro tem a ensinar para o meu discípulo?
— Ou para minha discípula? — O corvo das chamas falou, sua voz profunda e ameaçadora — Achei que com meu rank já seria o suficiente para palhaços como vocês ficarem em silêncio, mas pelo jeito meus velhos ossos têm de mostrar sua força de vez enquando, se não, qualquer corvinho vai esquecer exatamente porquê eu cheguei no rank de obsidiana e vai começar a abusar de sua “autoridade” achando que não sou grande coisa.
O homem juntou as mãos e estalou seus dedos antes de se abaixar e agarrar o pescoço de um dos três com sua mão e erguê-lo, mostrando a face deformada pelas chamas que ainda queimavam seu rosto.
— Seu rank de ouro realmente é algo até interessante, mas, perto dos que vêm a seguir, quem exatamente é você? — ele disse — Sua confiança nas regras é tão alta que consegue realmente se iludir que um corvo de ouro tem o mesmo valor para o ninho que um corvo de obsidiana? Lixos que nem você, mesmo que eu mate aqui neste saguão, a administração provavelmente me agradeceria ao fazer essa limpeza.
Desta vez foi a vez de Kaella agir, e ela o fez controlando as extensões negras de sua aura e fazendo-as erguer os dois corvos remanescentes e revelar seus ferimentos.
— Ainda mais nesta condição, tch! — ela disse com desprezo — Além de uns imprestáveis que não aguentam um combate real, ainda são uns trapaceiros que tem a coragem de tentar enganar a administração na cara dura ao dizer que vão apenas validar os testes destes novos corvos.
Ela então controlou as extensões para apertar os corpos dos dois e fazer com que acordassem do seu estupor doloroso antes de perguntar.
—Vocês tem noção de qual foi seu erro? — ela perguntou num tom de zombaria e deboche.
Eles não conseguiam falar com as horríveis queimaduras que tinha incinerado cada centímetro de pele de seus rostos, por isso, apenas fizeram movimentos quase imperceptíveis com a cabeça indicando seu desconhecimento. Ela então continuou.
— Vocês foram burros os bastante de entregar a insígnia de identificação — ela explicou com um leve risinho desdenhoso — Se o teste precisasse de verificação como disseram, vocês teriam aguardado para entregar. Ao entregar com tanto entusiasmo e impaciência a insígnia, vocês demonstraram que, tal como meu aluno bem apontou, seus objetivos eram muito mais pessoais. Posso até especular que vocês pretendiam vender o sangue e as partes do pequeno filhote de linhagem mutada a preços altíssimos para compradores…de reputações não tão agradáveis, por assim dizer.
Um leve e involuntário tremor percorreu o corpo dos três quando Kaella falou. O plano deles era exatamente esse, e com apenas um leve erro da parte deles e a dedução do garoto, o plano foi desmantelado e eles sofreram imensamente. A ideia dos três era vender o sangue e partes da fera cujo sangue sofreu mutação para alguns compradores que eles estavam em contato.
O negócio seria extremamente lucrativo, pois, qualquer parte de um Trovetigre comum, que já é extremamente escasso em Anima, é extremamente valiosa. Suas garras cortam quase qualquer material e podem ser transformadas em armamento diretamente ou materiais para reforço de armas, sua pele pode resistir a ataques mágicos e é totalmente imune contra-ataques elétricos além de ser altamente resistente contra cortes e perfuração.
Até mesmo seu sangue, sua carne e seus ossos podem ser transformados em um tônico serve como cura para um grande número de doenças, podendo combater venenos e até mesmo possuindo a chance de dar habilidades similares ao da fera para quem consumir. Além disso, o seu núcleo mágico pode ser usado como uma poderosa fonte de energia. Se um espécime comum desta fera já tem tanto valor, quem dirá uma que sofreu mutação capaz de conter poderes totalmente novos?
Kaella e o homem viraram seus rostos para a recepcionista.
— Senhorita Alfae — disse o homem — Informe a administração que com a autoridade de um obsidiana, eu e a senhorita de tinta iremos administrar a punição adequada para este trio de ladrões.
— Certamente senhor — a elfa respondeu — e quais são as acusações que devo informar?
— Abuso de autoridade, tentativa de furto de propriedade do ninho, negociação não autorizada com terceiros e atentado contra a vida de espécime raro protegido pelo ninho — Kaella respondeu — e a punição será morte. Além disto, peço que comunique a “Nero” para que investiguem, apreendam os bens e se livrem dos comparças destes três.
— Será feito senhorita — a Alfae respondeu cordialmente.
A recepcionista então apertou alguns botões no balcão e se comunicou com as partes necessárias antes de sumir na porta detrás do balcão. Momentos depois ela retornou com um sorriso no rosto e informou.
— Senhor Corvo das Chamas — ela disse olhando para o homem — Sua requisição foi aprovada, a punição pode prosseguir.
Ela então se virou para Kaella e declarou.
— Senhorita Corvo de Tinta — ela disse — Sua solicitação foi informada para “Nero” e os membros já foram mobilizados para realizar sua missão.
Ambos deram um aceno de cabeça satisfeitos e então prosseguiram a executar o trio. Três extensões negras se estenderam da aura de Kaella formando lanças sombrias antes de penetrar o crânio de cada um dos corvos, depois disso, o homem então liberou plumas de fogo vermelho brilhante que tocaram os corpos e em questão de segundos os devoraram não deixando nem mesmo cinzas como rastro.
O acontecimento foi simples, eficaz e, na visão de Lucet que agora se encontrava embasbacado, assustadoramente elegante. Sua mestra encerrou a vida dos indivíduos com rapidez e sem qualquer dor adicional enquanto que o mestre de Sofia apagou qualquer rastro da existência do trio. Kaella então se virou para Lucet e disse.
— Espero que não precise tomar vidas — ela falou, sua voz suave e tranquila, com leves traços de melancolia — Mas caso tenha que fazer isso, não torture como acabei de fazer, apenas elimine seu alvo com o máximo de eficiência e o mínimo de esforço. Como já lhe falei antes, o momento da finalização é o momento mais propenso a reviravoltas, portanto, minimize seus riscos e não seja estúpido de torturar seus inimigos, apenas acabe com eles de uma vez.
Ele não sabia se era a extrema confiança que tinha construído nesses anos de treino com sua mestra, ou se era porque foi tudo tão rápido, mas, Lucet, apesar de saber o quão assustador a morte pode ser em suas diversas maneiras de emplacar a vida, naquele momento em que viu as ações de sua mestra, ele não sentiu medo algum e até ficou estranhament… calmo. “Então a morte também pode ser assim? Tão… silenciosa?” ele pensou antes de chacoalhar a cabeça assustado com sua própria calma.
O Corvo das chamas se virou para o garoto e, após se aproximar, colocou uma mão sobre seus ombros e disse num tom sincero.
— Obrigado por ter protegido minha estudante durante o teste criança. Ela não tem muita experiência com combate prático, por isso, estava um tanto inseguro de como ela se sairia, mas com sua ajuda ela foi capaz de conseguir logo de cara um rank prata, portanto, lhe agradeço.
Lucet ficou um tanto assustado com o gesto, mas logo respondeu um tanto envergonhado.
— N.. Não foi nada de mais — ele disse — Sem as habilidades dela eu também não teria conseguido concluir a missão sozinho. Foi um esforço dos dois.
— De toda forma, sua ajuda foi essencial — ele disse — Portanto, como mestre dela, devo lhe agradecer. Enfrentar um Trovetigre adulto e capturar um de seus filhotes não é nada simples de se fazer, você foi muito bem treinado por sua mestra.
Lucet soltou alguns risinhos nervosos. Não sabia como reagir à pessoas tão amigáveis, portanto, olhou para Kaella buscando ajuda.
— Chama, larga ele — ela disse um tanto incomodada — Você e seu hábito de ser tão amigável são sinceramente irritantes.
— Ora Tinta — o homem respondeu — Só estou agradecendo e reconhecendo as habilidades do garoto, qual o problema?
Kaella olhou seriamente para o homem, sua aura hostil retornando. Lucet sentiu um leve tremor na mão que agarrava seu ombro e até sentiu uma parcela de poder do homem encostar em si enquanto a aura dele também se manifestava, mas logo ela foi retraída e o homem o soltou e se afastou antes de falar.
— Acalme-se Tinta, já larguei o garoto — ele falou e suspirou — Vejo que você não mudou nada desde a última vez que nos vimos.
Ele então se virou para Sofia e fez um sinal para que ela o seguisse. A garota olhou para Lucet uma última vez e deu um aceno com sua cabeça num gesto de agradecimento enquanto carregava o filhote em seus braços, depois se virou e foi embora com seu mestre ao mergulhar nas sombras. Por trás da máscara Lucet sorriu ao observar a situação e então se virou para o balcão da recepção.
— Eu gostaria de reclamar meu prêmio — ele disse para a Alfae enquanto lhe passava sua insígnia de corvo prateada.
— E qual prêmio gostaria de receber? — ela questionou, um leve sorriso de curiosidade em seu rosto.
Lucet então passou a mão sobre a joia do seu cinto e sacou sua garra, mostrando-a para a recepcionista que ficou bastante impressionada ao ver a lâmina. Depois disso, ele guardou a garra e falou.
— Eu quero uma dessas — ele disse animado.
— Você quer uma “Garra de Corvo” como prêmio? — ela perguntou surpresa.
— Sim, eu quero ter uma para deixar como reserva — ele explicou — Nunca se sabe quando eu posso acabar perdendo ou quebrando a que tenho, por isso, é bom eu ter mais uma não?
— Entendo… — ela respondeu — Bem, vou verificar com a administração se é possível aquiescer a sua solicitação. Peço que aguarde um momento.
— Tudo bem — ele respondeu.
Enquanto ele esperava o retorno da recepcionista que sumiu para dentro da porta atrás do balcão, sem que o garoto percebesse, Kaella contatou a administração e, após algumas rápidas negociações e um acordo de pagar uma parte do preço real da lâmina para o ninho, fez com que o pedido do garoto fosse aceito. Instante depois a Alfae reapareceu carregando em uma bandeja de prata uma lâmina idêntica a que Lucet tinha mostrado. Ela sorriu para ele e disse.
— Seu pedido foi aprovado, aqui está — ela disse lhe entregando a lâmina — Esperamos que faça bom uso e que traga bons negócios para o ninho e boa reputação para todos os corvos de Anima. Devo, porém, alertá-lo sobre a qualidade desta lâmina — ela continuou — Como este tipo de armamento é geralmente feito apenas sob encomenda, além de ser extremamente caro, o ninho possui em estoque apenas versões inferiores, ou melhor dizendo, imitações da “Garra de Corvo”. Elas ainda mantém a capacidade de nulificar a magia, mas tem uma durabilidade muito menor em comparação com a versão original, portanto, tome cuidado ao usá-la.
— Eu terei — ele disse seriamente com um aceno de cabeça — Ter uma segunda dessas, mesmo que uma imitação inferior, ainda será uma ótima surpresa que pode acabar salvando minha vida hehe!
Após isso, a Alfae devolveu a insignia prateada para Lucet que prontamente colocou em volta do seu pescoço e guardou dentro das roupas. Kaella então chamou o garoto e em instantes, eles partiram dali ao mergulhar nas sombras.
Em outro lugar, um homem e uma garota carregando um filhote de Trovetigre de cor negra e listras brancas emergiram das sombras dentro de um quarto numa hospedaria onde haviam duas camas. A garota prontamente colocou o filhote em cima da cama e começou a brincar com ele enquanto o homem sentou sobre sua cama e sacou de um bolso de seu uniforme azul uma pequena cruz dourada com uma joia vermelha no centro.
Os símbolos em sua luva branca que segurava o objeto reluziram na cor dourada por uma fração de segundo antes de injetar a energia na joia vermelha. Ele então murmurou algumas palavras que passaram despercebidas pela garota que brincava com a fera mágica e, após um suspiro, guardou a cruz dourada em seu bolso.
— Me desculpe Tinta — ele disse, melancólico — As ordens da Pontifícia são absolutas.