Os Contos de Anima - Capítulo 34
A centúria cortou o ar com suas lâminas brilhantes, a colossal espada dourada imitando seus movimentos instantes depois. O ar uivava enquanto o massivo armamento descia como um meteoro na direção da vila que desesperadamente tentava erguer mais defesas menores e ativar os portais e caminhos secretos de fuga emergencial.
Aqueles que fugiam começaram a se desesperar ainda mais, tentando passar por cima de qualquer um que estivesse em sua frente enquanto os guardas tentavam conter o desespero e manter a ordem. Quando o ataque desceu, os Gnoma já tinham realizado os comandos de Iogi, prontamente reportando seu sucesso, por isso, o mestre apenas deu o comando final na língua dos Gnoma.
— Blitzkrieg!
Os tubos de metal brilharam como estrelas, seus símbolos e inscrições tão resplandecentes que pareciam serem capazes de tomar vida a qualquer instante. Frações de segundos antes da espada atingir o topo do domo transparente, um rugir como o de um trovão explodiu e ecoou pela vila no momento em que oito esferas luminosas coloridas foram disparadas, zunindo enquanto atravessavam o ar feito meteoros de luz antes de colidirem com a ponta da lâmina.
Uma explosão ocorreu no impacto dos oito disparos e a lâmina, erguendo uma grande nuvem de energia turbulenta que bloqueava a visão de todos. Os Gnoma riram alto, orgulhosos de seu feito, enquanto os Alfae sorriram silenciosamente e os aldeões celebraram, porém, Iogi e Kaella os repreenderam.
— O que estão comemorando seus idiotas! — o Gnoma bradou — Acham mesmo que esses nossos brinquedos foram o bastante para quebrar aquela coisa!? Recarreguem as munições e se preparem para o segundo ataque, isto ainda esta longe de acabar!
— Exato — a Alfae disse, sombria — Aquela espada provavelmente não sofreu um risco sequer destes ataques. Mantenham o domo em funcionamento — Ela então se virou para os guardas e os moradores — E vocês continuem a evacuação, e de preferência rápido e em ordem, não temos energia ou suprimentos para segurar por muito tempo as defesas diante de um ataque desse nível.
Todos se aquietaram e resumiram suas atividades conforme comando. As nuvens de energia se dispersaram e, tal como previsto, a espada estava intacta e apenas tinha sido empurrada para trás. Os braços dos cem tinha sido igualmente forçados a retroceder, o que fez com que suas auras ficassem enfraquecidas por uma fração de um momento, o brilho da espada diminuindo antes de retornar ao seu estado normal.
Este pequeno evento passou despercebido por todos devido à seriedade do evento e as respectivas tarefas, e o foco que elas demandavam, que tinha de executar, porém, Lucet, que atualmente só tinha de focar em recuperar suas forças e estava observando a ameaça, acabou notando o acontecimento e viu uma imensa oportunidade.
— Me entregue a verdade!
Seu olho se transformou, suas cores e pupila mudando e o mundo assumiu uma coloração levemente azulada. O garoto tornou sua vista a centúria que estava prestes a baixar seus braços novamente e viu, tal como imaginava, que aquele ataque não era simplesmente poderoso, mas sim, algo com um preço considerável a ser pago. Tantos foram os quadros informacionais que surgiram em sua vista que por um momento ele ficou cego.
“Tch! Informação demais! Eu quero um resumo disso!”
Seu olho pulsou e instantes depois, um único quadro flutuante que as informações surgiu em sua vista.
Grupo: Tropa Iscariot
Afiliação: Congregação de Puritas / Divisão de Extermínio / Seção XIII
Número de Integrantes: 100
Status: Combativo
Nível de Aura* : 150000/200000**
*= Este número é válido para cada um dos integrantes.
**= Este valor é passível de incremento caso as condições corretas sejam cumpridas.
O garoto sorriu ao ver os dados e ignorou o último comentário. Ele não tinha forças para fugir mesmo que quisesse e, graças a essa nova descoberta, ele conseguia ver uma esperança para Elysium. Porém, quando leu a última linha ele não pode evitar que um xingamento gritasse em sua mente.
“Esses valores podem aumentar ainda!? Droga! Se isso acontecer, quantas mais vezes eles vão poder atacar com aquelas coisas!? Não… Espera… Condições? Eles podem aumentar o poder da aura se as condições corretas forem cumpridas? Quais são essas condições?”
Seu olho pulsou mais uma vez e a primeira janela sumiu, dando lugar a uma segunda que respondia a sua questão.
“A aura da fé é uma energia emergencial que normalmente é manifestada em situações de grande perigo ou desespero, servindo normalmente como um amplificador súbito das capacidades gerais do usuário. Ela é gerada a partir da combustão do potencial vital, podendo, caso sendo mantida neste estado emergencial por tempo suficiente, diminuir a expectativa de, ou até mesmo completamente extinguir, a vida do ser em questão. Ela pode, por meio de técnicas específicas ou objetos compatíveis, ser canalizada e, com a prática, experiência e uso, posteriormente fortalecida e transformada em um poder permanente por meio de determinação e fé no poder e capacidade do usuário, podendo até mesmo ser convertida em energia vital que acaba resultando no ampliamento da expectativa de vida do usuário.”
“Poder de emergência? Determinação e fé nas próprias habilidades?” Lucet se questionou “Então quanto mais confiantes eles ficarem em sua vitória, mais poderosos eles vão ficar?”
A espada dourada cortou o ar novamente, o uivo do vento acompanhando sua impiedosa investida. Os Gnoma estavam preparados e, quando Iogi deu o comando, dispararam novamente, as esferas luminosas correndo pelo ar como corpos celestes ao passo que o ruidoso eco da explosão do disparo, e seu subsequente impacto, estremeceu a vila.
— Mestre Iogi — um Gnoma de cabelos e olhos negros que havia se aproximado no tempo entre os disparos disse, sua expressão particularmente preocupada — Nossas munições acabaram. Além disso, como os canhões foram ativados às pressas, nós não conseguimos ativar todas as proteções arcanas para a preservação da estrutura,por isso — ele então apontou um dedo para um dos tubos mais facilmente visíveis — eles foram danificados e estão inutilizáveis.
— Drek! — ele xingou na língua dos Gnoma — Como assim acabaram as munições!? E como puderam ser tão descuidados de não perceber o dano!?
Iogi estava furioso, seus olhos como duas esferas de metal em brasa enquanto sua pele ficava vermelha feita um tomate. O Gnoma tremeu diante da fúria do mestre e abaixou sua cabeça, respondendo.
— A..as munições m..mestre, como bem sabe, são extremamente caras e difíceis de produzir — ele falou — Desde que começamos a construção da formação de defesa gastamos quantias imensas de recursos apenas para construir os canhões, e quando eles ficaram prontos, tivemos pouquíssimo tempo para preparar as munições.
— Q..quanto aos danos, mestre — ele continuou — Nós os percebemos, porém, antes que pudéssemos pôr em prática qualquer medida remediadora, os Iscariot atacaram novamente e fomos forçados a disparar mesmo sob risco de quebrar o sistema quando o senhor deu o comando.
— Verdammt! — ele xingou novamente em Gnoma, antes de comandar, um pangue de dor em sua mente ao dizer — Destruam os canhões!
— Senhor!? – O Gnoma perguntou confuso — Mas eles podem ser reparados e…
— E o que !? Acha que temos tempo para isso!? Nós seremos apenas capazes de defender contra mais um ataque com a ajuda do domo, depois disso, aquela espada vai nos matar! — ele retrucou berrando — Destrua os canhões e ativem suas Krone, retornem para a capital e avisem o rei, hoje Elysium será inevitavelmente destruída. Eu ficarei por aqui e ajudarei no que puder antes de recuar para a capital. E antes que me pergunte o porquê de destruir os canhões novamente, apenas pense, se eles conseguirem capturar estas máquinas e as reproduzir, acha que consegue suportar o conhecimento de que foi nossa culpa que esta força de maníacos conseguiu armas tão poderosas que podem muito bem ser usadas contra nossos irmãos?
O Gnoma chacoalhou a cabeça antes de disparar na direção do canhão mais próximo para repassar as instruções. Lucet que continuava a observar a tropa de paladinos notou, como previu, que a aura dos cem diminuiu por um instante e foi restaurada pouco depois e a espada, apesar de ainda intacta, diminuiu em brilho por um momento. Desta vez, porém, a espada e as auras demoraram alguns segundos para voltarem ao normal e foram exatamente estes segundos que permitiram que Kaella visse de relance a redução.
A essa altura o imenso desespero estava tomando conta dos defensores. O clima estava tenso e o sentimento de inutilidade, somado aos sinais de fadiga devido à tensão que o povo já havia começado a demonstrar, já estava pesando no ânimo dos aldeões. Não demorou muito para que os habitantes começassem a discutir, jogar a culpa uns nos outros e até mesmo brigar entre si, trocando ofensas e xingamentos como se fossem inimigos mortais. Lucet vendo o perigo desta atitude e a oportunidade que estavam prestes a perder se não se unissem, ficou irritado e bradou.
— CALEM A BOCA! — ele berrou, deliberadamente amplificando sua voz a ponto de que até mesmo os paladinos o pudessem ouvir — Vocês ficaram malucos para brigarem entre si!? Não vêem que eles estão prestes a nos exterminar se não fugirmos logo!? Só temos mais uma defesa e com uma arma daquelas e o poder que eles tem, se não nos apressarmos seremos massacrados!
Todos que estavam prontos para se digladiar olharam para ele, confusos pelo berro, antes de ficarem ainda mais enfurecidos e indignados, como é que um pirralho como esse tem a coragem de falar assim diante deles?. O garoto olhou para sua mestra, sua expressão contorcida em nervos e preocupação tentando expressar sem palavras o seu plano, ocasionalmente apontando com os olhos para o céu antes de piscar com seu olho direito, que Kaella prontamente notou que estava transformado, e apontar para si mesmo com um dedo antes de apontar com ele para baixo enquanto os habitantes se preparavam para o agredir.
“Ele descobriu alguma coisa com o olho?” ela pensou enquanto avaliava as feições dele “Alguma coisa sobre os paladinos? Uma fraqueza talvez? Ele apontou para si mesmo e depois para baixo… Algo que ele tem, abaixando? Enfraquecido? Acabando? Espera…” Foi então que tudo se encaixou dentro de sua mente, um radiante sorriso brotando em seu rosto enquanto ela olhava para o garoto, uma tinge de vermelho surgindo no rosto dele “É Claro! Não tem como sustentar tantos ataques com uma técnica dessas! Ele deve ter visto com seu olho que a energia deles está acabando e provavelmente quer passar isso para todos, genial!” a Alfae então moveu os lábios, gesticulando uma pergunta silenciosa.
— Quantos mais? — Ela questionou.
O garoto olhou para ela, seus pensamentos conflitantes. Ele não tinha certeza se a força deles iria ser amplificada, portanto, não sabia exatamente quantos mais ataques eles seriam capazes de disparar. Lucet então ergueu levemente sua mão, a chacoalhou e então levantou um único dedo.
— Mais ou menos um!? — Ela perguntou novamente entusiasmada, apenas mexendo os lábios sem soltar qualquer ruído.
Lucet acenou com a cabeça. Kaella, uma feiticeira e exploradora experiente como era, não deixou a chance passar e prontamente liberou sua aura negra em força máxima manifestando dezenas de chicotes negros ao seu redor. Os apetrechos estalaram e zuniram pelo ar quando começaram a golpear o chão e qualquer um que se tentava se aproximar do garoto.
— Ele está certo bando de imbecis — ela repreendeu, sua voz amplificada por mana e laceada com um explícito tom gélido — O inimigo é forte demais e qualquer descuido nos matará a todos, vocês não têm vergonha de lutarem entre si numa hora crítica como essa?. Continuem a defesa aqueles que podem, e os que não podem, recuem. Quem ousar tentar atacar um ao outro ou chegar perto do meu discípulo, eu mesma me encarregarei de matar!
Explosões começaram a ocorrer ao redor da vila enquanto os Gnoma destruíam os canhões como ordenado antes de esmagarem pequenos objetos dourados e desaparecerem em flashes de luz marrom que se fundia com a terra.
Os paladinos que observavam tudo começaram a rir.
— Vejam meus irmãos — O paladino destacado falou — Observem o quão patéticos são os vermes hereges deste falso paraíso! Vejam como lutam entre si mesmo na hora do desespero ao invés de se unirem! Eles não passam de farsantes brincando de deus! Nem ao menos tem a coragem de lutar até a morte, preferindo fugir e abandonar seus cúmplices á mercê de nossas espadas!
— Nenhum destes “mestres” sabe o quão imenso é o poder que carregamos — ele continuou, sua voz aumentando mais e mais enquanto sua aura brilhava cada vez mais feroz — Acham que tem qualquer esperança de escapar de nossa justiça e nossa punição! Digam-me Iscariot! O que merecem estes insetos que ousam criar um “paraíso” e esconder um sujo herege meio-sangue!?
— Morte! — os paladinos bradaram em uníssono.
— E que morte deve ser esta Iscariot!?
— Impiedosa! — eles responderam — Matem os infantes, quebrem os jovens, dilacerem os adultos e exterminem os velhos podres! Assassine os infiéis, fraturem seus ossos e fervam seu sangue, rasguem seus músculos, os escalpelem e esfolem sua pele antes de juntar os vestígios as podres vísceras e atirar numa pira até que se queimem até mesmo as cinzas!
— Pois então meus irmãos — ele ergueu sua espada aos céus uma última vez, declarando enquanto erguia seu escudo a frente do seu peito — Quebrem esta barreira e destruam as fúteis esperanças dos hereges. Iscariot, exterminem Elysium! Cumpram seu propósito e destruam os infiéis! Aniquilem os traidores que desobedecem os comandos do criador e misturam sangue com sangue.
Eles bateram com suas lâminas em seus escudos antes de cortarem o ar com suas lâminas radiantes, mais uma vez disparando a lâmina dourada em direção a Elysium que, na visão deles, estava a beira do colapso e não teria a menor chance contra sua investida. Em questão de segundos a lâmina bateu contra o domo que resistiu apenas por alguns instantes antes de estourar em milhares de fragmentos e dissipar na forma de partículas de mana colorida.