Os Contos de Anima - Capítulo 35
A espada dourada, porém, ainda não havia parado, tendo apenas sido severamente desacelerada pela influência da barreira. Mas, com o grande peso do armamento, a própria gravidade se encarregou de arrastar a massa de ouro para baixo que, apesar de não ser mais capaz de aniquilar Elysium num golpe, ainda causaria grandes danos. Foi neste instante que um escudo branco monumental surgiu no ar e disparou em alta velocidade contra a espada, bloqueando seu avanço com um baque surdo antes de a forçar a retroceder e desaparecer como se nunca tivesse existido.
— Lutaram bem, meus caros amigos de Elysium — uma gentil voz anciã que era extremamente familiar ecoou pela vila — Peço desculpas pelo atraso, mas agora foquem em recuar e fugir, pois nosso refúgio já não pode suportar mais uma contínua existência. Elysium como local a partir de hoje não existe mais, porém, eu agradeceria muito se pudessem manter e propagar os ideais que cultivamos por tantos anos para que quem sabe um dia toda a Anima possa seguir os passos deste projeto.
— Mas — a voz continuou — eu lhes garanto uma coisa. Para acompanhar o funeral de nossa querida Elysium, eu enviarei para o vazio estes cem maníacos como presente de despedida, mesmo que isso me custe a vida!
— Maximilian! Acha mesmo que você e seu mascote podem derrotar os Iscariot? — o paladino a frente da centúria riu.
— Eu não acho — a voz respondeu, uma tinge imperiosa e tirânica de confiança em sua voz — Eu garanto que vocês não serão apenas derrotados, mas completamente massacrados pois este é o preço de pisar no meu reino e causar tanta aflição ao meu povo.
Um homem trajado completamente de branco com um cajado branco-antigo que continha uma gema vermelha na ponta, sua longa barba branca e cabelo amarrados em tranças. O traje, porém era diferente do último que o público havia visto, pois, ao invés de uma túnica branca, o homem vestia uma grossa armadura de uma material branco que era muito parecido com o material do seu cajado. Ao olharem mais de perto notaram que ambos eram feitos não de metal ou minério bruto, mas sim de ossos que estavam repletos de pequenas marcações e símbolos que pulsavam gentilmente de tempo em tempo.
— Uma armadura de osso? — o paladino destacado falou — Acha mesmo que esse pedaço de fera vai te proteger Maximilian? Pretende lutar usando ossos e pedras?
— Ora capitão Alexander — o homem respondeu com um riso jovial — Você ficaria surpreso com o que estes velhos ossos são capazes. Não é mesmo Dracul, meu velho amigo?
— Acho que se eu não aparecer e mostrar minha força, essas formigas brilhantes enlatadas vão esquecer do exato porque tivemos a audácia de construir Elysium e o poder para protegê-la por tanto tempo — Uma voz que mais parecia um rugido respondeu, ecoando como um trovão pelos céus.
— F..formigas brilhantes e… enlatadas? — o paladino disse, sua voz tremendo de raiva — Como ousa fera! Nossos armamentos são feitos de metais raros abençoados por deus através da própria pontifícia! Como ousa comparar nosso equipamento com… com esses restos de animal!?
— Restos de animal? — o homem gargalhou — Ouviu isso Dracul? Eles acham que isso são ossos de algum animal qualquer que foram transformados em armadura, por que não mostra para eles exatamente de onde saiu esta armadura meu amigo?
— Parece uma ótima ideia — a voz respondeu com um riso cruel.
Ao passo que o par se preparava a centúria irradiou seu poder no ambiente, ainda mais feroz que antes, diretamente incinerando as árvores e casas de Elysium com plumas de fogo branco. A essa altura os aldeões já haviam escapado junto com a guarda, os Gnoma usaram seus meios para recuar e os mestres Faeram escaparam usando o poder da floresta para fugir deixando para trás apenas Lucet, Kaella, Iogi e mestres Alfae que não conseguiam escapar devido à supressão da mana do ambiente pela aura dos paladinos.
— Meus irmãos! — O paladino urrou com fúria — Mais um verme herético surge em nosso caminho para impedir a santa justiça da nossa missão! O que faremos?
— Esmagaremos com nossos pés e o reduziremos a pó com nossas chamas sagradas! — eles bradaram em resposta.
— Nossa vitória é garantida! Outra vez irmãos, desfiram com suas espadas o extermínio deste falso paraíso! — ele comandou.
A centúria mais uma vez cortou o ar com suas espadas luminosas, fazendo com que a imensa lâmina imitasse seus movimentos e caísse como um meteoro na direção de Elysium. Lucet observou o ataque e viu que, apesar de teoricamente drenados de energia, o brilho de suas auras aumentava cada vez mais.
— Droga! — ele reclamou — Eles conseguiram ampliar a aura no último segundo! Qual será o limite desse aumento?
Kaella que ouviu o garoto desprendeu seus olhos do combate e se virou para ele.
— Você não tinha dito que eles apenas aguentariam desferir apenas mais um ataque com aquela espada enorme? — ela questionou, uma expressão séria em seu rosto.
— Sim — ele acenou com a cabeça — De acordo com o meu olho do tirano, eles só deveriam ter energia para mais um ataque se quisessem preservar energia o suficiente para nos atacar pessoalmente.
— Então o que foi que aconteceu? Porque eles atacaram de novo?
— Porque a aura da fé pode ser ampliada em situações de emergência ou através da pura determinação e fé do usuário, e acho que no caso deles — ele explicou com um tom melancólico em sua voz — ambos os casos se aplicam, por isso, a energia deles é capaz de aumentar indefinidamente.
— Não é possível! — ela exclamou — Se isso for verdade, então nem mesmo Maximilian e Dracul conseguiram derrotá-los!
— Não — ele disse chacoalhando a cabeça — Se eu estiver correto e meu plano funcionar, eles definitivamente serão derrotados.
— Plano? — ela inquiriu confusa.
— Sim — ele respondeu, um sorriso misterioso em seu rosto — Com o que descobri usando o olho da providência, vi que podemos interferir, ou melhor, você pode interferir nesta batalha mestra e garantir a nossa vitória. Afinal, quem mais qualificada que você para desestabilizar a confiança e a mente destes maníacos?
— Desestabilizar? — ela perguntou vagamente, mas logo, como se uma lâmpada tivesse acendido em sua mente, a elfa manifestou um belíssimo sorriso, seus olhos brilhando com determinação — É claro! Se a fé e determinação é o que dão poder a esses cretinos, então a minha especialidade é justamente a fraqueza deles! Brilhante Lucet, realmente brilhante! Tal como seu nome, você é uma luz em tempos difíceis! Vamos ajudar Maximilian!
Nesse momento, porém, uma voz firme ecoou seu comando por Elysium.
— Sei que desejam lutar — Maximilian disse — Mas esta batalha é minha. Não deixarei que se arrisquem, se querem fazer algo por mim, fujam e espalhem a verdade deste dia!
Os dois estavam prestes a protestar e planejar uma rota de ação quando sentiram o ar ficar carregado com mana ao ponto que sua visão turvava quando tentavam olhar o ambiente. Lucet reparou que apenas seu olho esquerdo estava turvo, seu olho direito que estava transformado continuavam enxergando perfeitamente, por isso, para evitar tontura ele fechou seu olho esquerdo e focou sua visão apenas no olho direito. Kaella que não possuía essa habilidade tentou, com bastante sucesso diga-se de passagem, minimizar os efeitos da mana canalizando sua própria energia em seus olhos, efetivamente os protegendo da distorção visual.
Foi então que eles viram a razão de tanta mana. No céu de Elysium, alguns metros acima da ponta de Anansi, que era uma das maiores construções da vila, Maximilian conjurou um círculo mágico de tal enormidade que era capaz de cobrir toda a extensão do vale. Quando ele surgiu, suas extremidades cortaram milhares de copas de árvores e penetraram as rochas das montanhas com tamanha facilidade era possível duvidar se eram realmente rochas e não blocos de manteiga tingida de marrom.
O mundo começou a tremer enquanto os símbolos, runas, sinais e palavras desconhecidas que decoravam o círculo gigantesco começaram a brilhar feito astros a explodir, iluminando os céus escurecidos com sua luz que prenunciava uma catástrofe. Os ventos uivavam e relâmpagos cortavam o ar acompanhados de trovoadas enquanto o espaço trincava ameaçando estilhaçar a qualquer momento.
— Irmãos! — O paladino aproveitou a calamidade e bradou confiante — Nem mesmo o mundo tolera a existência deste ímpio! Anima rejeita a chegada de seu aliado! Ataquem irmãos! Expulsem a besta e destruam esses infiéis!
A aura dos cem expandiu e brilhou ainda mais, suas lâminas e a colossal espada dourada reluzindo com ainda mais potência antes de eles cortarem o ar e disparar um corte em direção a Maximilian que mantinha seu cajado estendido ao céu, constantemente direcionando sua mana para a gema vermelha na ponta para ativar a formação arcana.
A rocha escarlate que até aquele momento apenas pulsava finalmente fixou seu brilho, irradiando uma poderosa luz escarlate. Maximilian sorriu, seu rosto enrugado adquirindo ainda mais dobras antes de comandar com sua poderosa voz reverberante.
— Invocatio Maxima: Veni! Kaizar Dracul!
Um grande barulho de vidro se partindo ecoou antes do círculo mágico estilhaçar, um enorme rasgo no espaço tomando seu lugar. A zona rompida parecia tentar se remendar as pressas, sugando toda e qualquer energia disponível para tentar selar o buraco e impedir a entrada do intruso nesta dimensão. Quando Lucet olhou para dentro da zona partida sentiu seu olho pulsar, mas, diferente das outras ocasiões onde ele pulsava para extrair uma informação, desta vez o olho parecia celebrar a chegada do ser que invadia o plano de Anima de maneira tão violenta.
A espada estava prestes a alcançar o rasgo dimensional e Maximilian, quando dela saiu o que parecia ser uma descomunal árvore vermelha que laceou a lâmina com seus cinco poderosos galhos, impedindo o ataque com imensa facilidade. Quando todos olharam, viram que aquilo não era uma árvore, mas sim um imenso braço coberto de escamas vermelhas e brilhantes como rubis com cinco poderosas garras negras presas a dedos que mais pareciam troncos de pequenas árvores de tão grossos que eram.
— Não creio ter dado permissão para vocês começarem a festa sem mim — A voz rugiu, um riso cruel laceado com a fala.
Em seguida, um segundo braço agarrou a borda do burado e pressionou com força, rachando ainda mais o tecido dimensional do lugar antes de agarrar uma zona particularmente mais grossa de espaço e puxar um par de ombros colossais que prontamente se ergueram e revelaram duas asas firmemente dobradas que tentava se encolher e não encostar nos fragmentos de dimensão nas bordas do rasgo.
— L… largue nossa arma demônio! — O paladino Alexander urrou, fúria e, surpreendentemente, medo acompanhando sua voz — Saia de seu esconderijo e nos enfrente!
— Ora — A voz desatou em risos — Então as pombinhas brilhantes resolveram criar coragem para me desafiar? Pois bem! Como desejar!
As asas, assim que libertas das restrições da passagem, se esticaram e lançaram uma sombra sobre Elysium antes de baterem uma única vez e arrastarem para fora do buraco uma fera escarlate corpulenta com uma enorme cabeça com cinco grandes olhos que mais pareciam janelas para o abismo, um poderoso par de pernas e uma cauda tão imensa que mais parecia uma grande serpente vermelha quando cortava o ar com seus movimentos.
A cabeça era do tamanho de uma casa e tinham grandes presas amareladas que pareciam espadas em sua enorme bocarra enquanto seus olhos possuíam, tal como o olho direito de Lucet, pupilas no formato de fendas, com a diferença de que apenas um era dourado e vermelho muito mais intensos do que os do garoto, contendo nos outros olhos outras cores. Neste instante, uma voz desesperada soou nos ouvidos do homem que havia trazido a fera a este mundo e agora se encontrava acima da cabeça do meio.