Os Contos de Anima - Capítulo 36
— Maximilian! O que está fazendo!? Porquê trouxe Dracul até aqui!? — Kaella gritou, angustiada — Você sabe que trazer ele por inteiro vai fazer com que a própria dimensão cobre sua vida como preço!
Maximilian, porém, apenas riu com a informação e disse.
— E você acha que eu não sei minha cara Alfae? — ele respondeu — Porque acha que demorei tanto para reagir ao ataque? Não foi fácil convencer ao meu velho amigo a correr esse risco comigo.
— Mas…Porque? — ela questionou — Com seu espaço independente você poderia facilmente os exterminar, porque trazer ele?
— Porque eles não são minha preocupação — ele respondeu, seu rosto sorridente finalmente assumindo uma feição sombria — ela é.
— Ela? — Kaella perguntou, confusa.
Os paladinos de repente se ajoelharam no ar, suas espadas cruzadas sobre seus peitos.
— Nós saudamos a santa pontifícia! — eles bradaram — Porta voz do verdadeiro senhor e guia de puritas!
Uma poderosa luz branca dispersou as nuvens tempestuosas e aniquilou as tribulações enquanto uma silhueta envolta em luz surgia em meio aos céus. A luz era opressivamente poderosa ao ponto de que mesmo com a imponente presença de Dracul bloqueando a maioria de seus efeitos, Lucet ainda sentiu uma imensa fraqueza que o fazia sentir cada vez mais dificuldade em permanecer em pé.
— Droga… de novo não! — ele exclamou, se apoiando nos joelhos com as mãos para se manter em pé, seu folêgo laborado.
Foi então que uma voz suave, que parecia extremamente entediada, soou nas mentes de todos.
— Falso paraíso, destruído. Desistam e entreguem o garoto meio-sangue, e sua morte será rápida e indolor — ela disse como para quem fala com uma criança que obviamente deve obedecer seus comandos.
— A muito tempo não nos vemos Leona — Maximilian disse com um largo sorriso — Vejo que continua tão autoritária quanto a última vez. Sério mesmo que mobilizou todo esse poderio de puritas apenas para capturar o garoto? Ou será que acredita mesmo que estas pombas de luz vão fazer alguma diferença em nosso combate?
A figura luminosa parecia não ter ouvido, tendo permanecido em silêncio, aguardando a resposta aos seus comandos. Os mestres Alfae aproveitaram a brecha causada pela chegada de Dracul para usar seus variados métodos de fuga e escapar do campo de batalha, Iogi e Albus, a conselho de Kaella também recuaram para seus próprios esconderijos. Apenas Lucet e Kaella, que não conseguiram aproveitar a brecha restavam ali, incapazes de mergulhar nas sombras ou utilizar os portais, que agora estavam inutilizáveis devido a massiva aura da pontifícia, para fugir.
A figura abruptamente expandiu ao ponto de igualar Dracul em tamanho antes de agarrar o cabo da espada dourada e puxar para si, assimilando seu poder e fazendo com que o armamento emanasse reluzisse como nunca antes. Dracul foi forçado a largar a lâmina, pois quando o poder da oponente foi injetado na arma ele sentiu que perderia os dedos se não o fizesse.
Lucet, porém, observava, não maravilhado com esse poder como de costume, mas sim horrorizado. Quando a figura agarrou o cabo da espada o garoto viu a aura e a força vital de todos os paladinos, com exceção de Alexander, serem drenados até que fossem transformados em pó para alimentar o poder do colosso de luz e sua lâmina.
— Liona, vejo que seus truques não mudaram, será mesmo que você não aprendeu nada nestes anos todos e continua usando seus métodos bárbaros de sacrifício? — Maximilian zombou
Desta vez, porém, a figura respondeu.
— Como luto não lhe diz respeito — ela disse friamente — Os servos do verdadeiro senhor ficam felizes em doar sua vida para o bem maior.
— Até sua resposta continua a mesma desde a última vez que nos enfrentamos! — Maximilian gargalhou — Realmente você não mudou em absolutamente nada.
A figura respondeu com desdém ao dizer, a espada agora erguida sobre sua cabeça.
— Não há porque mudar aquilo que já é perfeito, velho tolo.
— Mas o sentido da vida é a mudança — ele retrucou — a evolução e o aprendizado. Permanecer por eras a fio insistindo em ideias retrogradas, isso sim é tolice.
A figura aparentemente já havia esgotado sua paciência, pois instantes depois ela agarrou o cabo da espada com sua outra mão, e com as duas desferiu um corte vertical mirando corta a fera e seu cavaleiro em dois num único ataque.
Dracul já esperava o ataque e prontamente inclinou a parte direita do seu corpo para trás, desviando do ataque por um fio antes de disparar sua mão esquerda na direção do pescoço da figura, pronto para lhe rasgar a garganta com suas garras negras. A figura se moveu como se tivesse previsto isso e girou a lâmina, disparando um corte diagonal ascendente que forçou Dracul a retrair seu braço e recuar com um bater de suas asas, cruzando vários metros num instante, do contrário teria perdido seu membro no ataque
Os olhos tinham, cada um, uma coloração diferente. O olho direito inferior era, tal como o olho de Lucet, vermelho e dourado, já o olho esquerdo inferior possuía uma íris esbranquecida fazendo-o parecer uma pérola enquanto o olho logo acima deste possuía uma íris azul de um tom profundo como o dos oceanos. Por fim, o olho esquerdo superior tinha uma íris de cor verde-esmeralda enquanto o olho logo no centro da testa, acima dos outros, possuía uma íris escura como a própria noite.
Os cinco pares de olhos possuíam poderes formidáveis que pertenciam, com exceção de Lucet, apenas a Dracul e neste combate, a fera não tinha a menor intenção de regular o uso de qualquer um deles.
— Me entregue a verdade! — a fera declarou — O futuro não escapa da minha vigília!
A fera escarlate bateu suas asas novamente e cruzou a distância entre ela e a figura num piscar de olhos, o olho dourado e o esbranquiçado reluzindo enquanto avançava. A figura disparou um corte horizontal contra a besta, que, para sua surpresa, foi em vão, pois a fera facilmente desviou do ataque ao bater as asas e se erguer para o alto.
A figura então disparou um corte vertical ascendente, mirando novamente partir a besta em dois, mas esta apenas virou o corpo para o lado antes de usar sua calda para agarrar o cabo da espada e a mão que a segurava e impedir a figura brilhante de fazer qualquer outro corte.
— A uma distância maior — Dracul confessou num falso tom lamentoso — Isto provavelmente não funcionaria, mas, eu duvido que a queima-roupa isto não te afete pelo menos um pouco!
— Petra! — ele rugiu.
O olho verde-esmeralda reluziu por um instante, disparando em seguida um raio de luz verde na direção da figura. A figura parecia ter notado o perigo e tentou desviar, mas como tinha uma de suas mãos presas a cauda da besta, ela foi forçada a abandonar a espada para conseguir erguer no último segundo um de seus braços a frente se seu rosto, impedindo que a luz lhe atingisse onde deveria estar sua face e semblante luminoso.
— Tch! — Maximilian reclamou, um tom brincalhão na voz — Está ficando velho meu amigo? Estou preocupado com seus olhos… Porque foi que errou? Está ficando cego por acaso?
— Ora cale a boca Maximilian — Dracul retrucou rindo — Tente você acertar um raio petrificante num objeto em movimento!
Kaella, devido ao seu vasto conhecimento sobre as artes arcanas, era versada em vários feitiços complexos das mais variadas naturezas, porém, o que ela viu a seguir foi definitivamente surpreendente. A luz verde atingiu o braço de aura branca e, para a surpresa da Alfae, a própria energia foi instantaneamente destruída e transformada em rocha pelo ataque de Dracul. Além disso, a petrificação estava lentamente se espalhando e, dado o devido tempo, certamente petrificaria todo o corpo luminoso.
— Mas… Como? — A elfa questionou confusa — Como foi que ele petrificou energia? Não tem feitiço ou coisa neste mundo que faça isso.
— Neste mundo — Dracul respondeu com um sorriso lotado de lanças brancas que ele chamava de dentes — Não significa que em outros não existe garotinha, o poder é algo curioso e pode se mostrar de diversas formas.
Porém, a figura agiu decisivamente e, usando seu armamento dourado decepou o próprio braço como se não fosse nada demais. O braço petrificado despencou em Elysium e derrubou várias casas com seu impacto antes de se despedaçar enquanto rolava pela vila.
— Humph — a figura bufou — Acha que isso irá me parar Maximilian?
— De forma alguma minha cara Liona — ele respondeu aos risos, chacoalhando sua mão enrugada — Sei que este gigante de luz é apenas uma projeção de aura e que você está longe de tomar qualquer dano real, mas, mesmo você tendo drenado a força vital de quase cem seguidores, ela ainda não é ilimitada. É só uma questão de tempo até que eu e Dracul a derrotemos.
— Isso é o que veremos! — A figura finalmente pareceu se enfurecer e ordenou num berro — Alexander! Capture o garoto meio-sangue! Mate a elfa!
— Como ordenar Santa Pontifícia — o homem respondeu, solene.
O paladino se ergueu, suas asas novamente estendidas. Ele apontou sua espada na direção de Lucet e Kaella e disse com um sorriso frio em seus lábios.
— Sua hora chegou hereges — ele sorriu cruelmente — E eu terei o prazer de exterminar vocês e seus caminhos pecaminosos, pessoalmente!
Ele então disparou com um bater de asas na direção do par, tão rápido que o par apenas conseguia ver um borrão de luz cruzando o espaço. Dracul tentou impedir, movimentando um de seus braços para mirar um ataque no paladino, mas ele foi impedido pela pontificia que prontamente regenerou seu braço de aura e voou em sua direção desferindo um corte diagonal que forçou a fera a recolher seus membros e desviar.
— Me desculpe Kaella — Maximilian disse num suspiro — Eu e Dracul ficaremos ocupados demais lutando contra ela, não poderemos ajudar.
Kaella apenas respondeu com um chacoalho da cabeça e tirou de sua bolsa dimensional duas espadas curtas que empunhou e assumiu uma postura baixa, pronta para combate, sua aura negra novamente se manifestando como uma chama sombria ao redor de seu corpo. Lucet, por outro lado, ainda estava enfraquecido e não conseguiu fazer mais do que extrair uma de suas garras da jóia de seu cinto e erguer na altura do pescoço. Ele não assumiu uma posição de combate, pois sabia que se o fizesse iria perder o equilíbrio e cair, portanto, permaneceu em pé.
Não demorou mais que alguns segundos antes do paladino aterrissar em frente ao par causando um leve tremor na terra, suas gargalhadas ensandecidas ecoando pelo espaço. Mal houve tempo para o par processar o impacto quando Alexander saltou em sua direção empunhando uma espada brilhante carregada de aura que ele usou para desferir um feroz corte vertical, tentando partir a elfa em dois com um único ataque.
As lâminas da Alfae brilharam com um lustro negro ao passo que ela injetou sua mana no armamento. Ela ergueu as espadas acima da sua cabeça e as usou para bloquear o ataque enquanto procurava uma abertura para revidar, porém, diferente do que a feiticeira esperava de suas defesas e reforços arcanos, ela não foi capaz de aguentar a força do paladino louco e se viu forçada a redirecionar o ataque para o chão. A espada colidiu com as pedras do pavimento e a terra abaixo com um baque surdo, erguendo uma nuvem de poeira e disparando fragmentos de rocha para todos os cantos.
Kaella, graciosa como uma brisa, deu um passo e usou a espada para saltar sobre o homem, aterrisando atrás de suas costas antes de girar o corpo e desferir um ataque na direção da nuca do guerreiro com total intuito de decapitá-lo e encerrar logo o combate. Porém, como se tivesse olhos atrás da cabeça, o paladino desviou do ataque ao dobrar os joelhos e curvar a coluna que logo torceu para arrancar sua espada do solo e disparar um corte horizontal na cintura da elfa.
Desta vez a Alfae não teve tanta sorte. Ela conseguiu erguer suas lâminas a tempo para bloquear o corte, mas, o ataque carregava tamanha força que acabou atingindo de tal maneira que a fez ser arremessada no ar por alguns metros antes de cair, suas lâminas lascadas no local de impacto por mais que ela tivesse reforçado os objetos com feitiços e mana.
Sem dar tempo que ela recuperasse o folêgo, o paladino correu em sua direção. Desta vez, ao invés de tentar cortá-la, ele trocou seu método de ataque e bateu suas asas para acelerar seu ataque, executando uma estocada com sua espada, mirando no coração da Alfae. Os reflexos da mulher, porém, não perderam em nada para essa nova tática, pois ela desviou da investida com um passo lateral, antes de girar o corpo e mirar suas espadas no meio das costas do guerreiro.
Alexander girou seu corpo no meio do ar e acertou um chute nos braços da elfa, fazendo-a largar as espadas antes de cair no chão e rapidamente se erguer empunhando sua espada. Ele desferia ataque atrás de ataque que Kaella, agora desarmada, era forçada a desviar desesperadamente, pois qualquer golpe lhe custaria a batalha, e por consequência, sua vida. E assim eles prosseguiram batalhando por vários minutos.
Lucet, que normalmente mal seria capaz de acompanhar uma batalha deste nível, olhava para eles assustado. Seu olho da providência o permitia enxergar tudo com mais facilidade e precisão, podendo até mesmo desacelerar sua percepção da batalha para que ele pudesse avaliar com mais clareza, mas, o que ele estava assistindo não parecia um combate, mas sim uma dança. Era tudo tão fluido e rápido, como se já tivessem ensaiado esses movimentos juntos milhares de vezes. O garoto estava tão assustado quanto maravilhado pelo alto nível desta luta e se via perdido pensando se algum dia conseguiria chegar nesse patamar. Porém, seu sonho desperto não pode durar muito quando notou que Kaella começou a cair em desvantagem, e logo, falhou em desviar totalmente um ataque.
A lâmina dourada cravejada de jóias errou seu alvo, porém, o paladino viu sua chance e disparou seu braço, suas mão como uma garra dourada, e agarrou a elfa pelo pescoço antes de a erguer, seus dedos vagarosamente fechando ao seu redor. Kaella tentou resistir e chutou repetidas vezes a armadura do maníaco com suas pernas cobertas de mana sombria, mas os ataques foram em vão, pois a alva aura ardente em volta do homem reforçava seu armamento e praticamente negava os reforços da elfa. Lucet, vendo isto, entrou em desespero.
— Droga! — ele berrou angustiado — Larga ela! Larga minha mestra!
O paladino e Kaella que se encaravam ferozmente, mas quando a angústia do garoto os alcançou, ambos viraram os olhos, igualmente surpresos, mas por motivos diferentes. A elfa o olhava com uma expressão que claramente o dizia “O que você está fazendo aí ainda!?”, mas Lucet apenas a olhava com um interminável desespero e teimosia nos olhos, se recusando a sair dali qualquer que fosse a consequência. Já o paladino o olhou, seus olhos cheios de arrogância e zombaria e soltou uma gargalhada.
—Ora ora elfa — ele disse em meio a risos zombeteiros — mas que aprendiz mais leal! Mesmo que isso lhe custasse a vida ele continuou aqui aguardando seu retorno. Se ele não fosse um mestiço imundo, eu até o elogiaria, mas é uma pena que ele nasceu um herege, do contrário eu mesmo lhe convidaria para ser meu aprendiz.
Lucet, que a essa altura já estava possesso com uma mórbida determinação, retrucou com um tom ácido.
— Nem se você fosse a própria pontifícia eu aceitaria um aprendizado com você! — ele disparou — Se você fosse um milhão de vezes mais forte, ainda assim não seria nem um por cento do que minha mestra é!
Um traço de ira cruzou os olhos do paladino. Por um breve instante ele considerou estraçalhar o moleque com sua espada antes de espancar o que restar com seus punhos até que não sobre nem as cinzas desse pirralho impertinente, mas, ao se lembrar do comando da pontifícia, ele rapidamente suprimiu esses pensamentos e disse num tom perigoso.
— Não me force garoto — ele disse — A santa pontifícia me comandou a lhe capturar, mas, nunca me disse que você tinha que ir intacto. Acho que ela não deve sentir falta de uma perna… ou duas.