Os Contos de Anima - Capítulo 41
As tranformações misticas operavam silenciosamente no corpo de Lucet e enquanto ocorriam, o garoto se encontrava cada vez mais maravilhado com ambos o espaço onde se encontrava e o ser com quem ele se deparava, e por tal, acabou por lentamente abaixar seu corpo, curvando suas costas e então flexionando as pernas para imitar uma posição de ajoelho.
Estando num estado de flutuação naquele espaço, ele se encontrava um pouco dificultado em ajoelhar e imitar o gesto respeitoso a monarcas que Kaella lhe ensinara, além de não poder realizá-lo por completo pois ainda se encontrava sem um dos braços, mas ainda assim ele insistiu e executou o gesto ao máximo de suas capacidades.
Aparentamente, a silhueta ficou feliz com o gesto pois em seguida mexeu uma de suas mãos e mandou uma nuvem de energia dourada à Lucet, fazendo com que ele se fosse erguido até ficar de pé antes de dizer:
— Não há porque se ajoelhar diante de mim criança — a figura disse — Lhe recebo como um amigo, pois traços do meu poder nutridos não pelo massacre ou ódio, mas sim pelo carinho dos que vieram antes de ti e pela pureza de sua alma fluem em suas veias e me alegram, por tal, não exijo cortesia.
— Ainda assim eu devo — Lucet respondeu, seu tom mais solene — Você é o apíce de um poder, a forma mais imponente que a força da fé podera tomar, e isto por si só merece respeito.
A figura, porém, não tentou dissuadir o garoto e apenas acenou com a cabeça, antes soltar um riso.
— Vejo que Noctis já tem grande influência sobre ti — a figura falou — Sempre solene e cortez com os fortes, sútil e manipuladora com suas belas palavras. É um tanto irônico que a força da fé habite em você tanto quanto o poder arcano dela.
— Porquê? — Lucet questionou um tanto intrigado — E quem é Noctis?
— Ora me desculpe por este leve devaneio — A figura riu — Acredito que deva me apresentar corretamente antes de falar sobre ela. São me atribuidos diversos nomes, mas me chamo Faerthalux, e como você já notou, sou o conceito do poder da fé.
A figura então fez um movimento circular a sua frente e desenhou uma janela reluzente que, após alguns instantes escureceu e começou a projetar uma imagem de uma figura. Diferente de Faerthalux, a figura, apesar de um conceito com forma humanóide como ele, era muito mais chamativa e atraente, além de ter detalhe bem mais definidos e claramente femininos.
Era uma mulher alta de pele pálida que trajava um vestido negro sem mangas que cobria até seus tornozelos, mas com uma elegante abertura lateral que partia do meio de sua coxa direita. Seus braços eram longos acompanhados de mãos igualmente longas com pele suave e unhas negras afiadas que mais pareciam pedras de Onyx polidas e presas aos seus dedos.
Em seus pés, botas alcançando até a parte baixa do joelho e terminando num design triangular que faziam as botas parecerem peças de um conjunto de uma fina e bela armadura negra. Seu cabelo era longo e escuro como a noite de um céu sem estrelas, alcançando até sua cintura que dançavam na imagem como sombras liquidas.
Seu rosto era angular como o de um felino e suas púpilas eram em fendas tal como a de um, porém, ao invés de se mostrarem coloridas como toda pupíla felina que Lucet era capaz de se lembrar, estas eram cinzas, sem um traço sequer de cor, mas com um formidável e magnético brilho, acompanhados de cilios longos que realçavam ainda mais sua beleza.
Como se tivesse notado o garoto que a observava deslumbrado, a figura olhou fixamente na direção de onde estariam os olhos do menino e disse algumas palavras inaudíveis que ele não foi capaz de captar, um sorriso misterioso em seu rosto, antes de dar uma sacudida com sua mão pálida e desaparecer, assim desfazendo o círculo de luz.
— Esta, criança, é Noctis — A figura apontou — E o poder dela cresce em você que já muito fez uso do mesmo por vezes adentrando seus dominios e até mesmo, ainda que não percebeste, fundindo-o com o meu.
Lucet demorou um pouco a responder. Sua mente estava repleta da imagem da figura das sombras enquanto ele sentia seu próprio poder mágico reagir a ela, ameaçando escapar de seu controle e arrastá-lo para dentro do plano das sombras, felizmente, essa sensação durou pouco pois o espaço dourado onde se encontrava logo emitiu um pulso de poder que o envolveu e logo o acalmou. Finalmente, ele respirou fundo e disse impressionado.
— Ela é o conceito das sombras.
— Exatamente — A figura sorriu — E se a sorte lhe abençoar, tal como o fez trazendo-o até mim, irá vê-la um dia.
O garoto não disse nada em resposta, mas, seu cerebro corria mais rápido do que nunca enquanto ele considerava a possibilidade. Ele já tivera a sorte de, por alguma razão que não compreendia, encontrar um conceito pessoalmente, o que por si só já era um feito inacreditável, mas, encontrar outro? Quais são as chances de isso acontecer? Até onde ele sabia, zero. Um encontro desses era uma oportunidade valiosissima, e ter dois deles numa única vida não parecia muito provável. Sua expressão então logo fechou enquanto ele contemplava a impossibilidade da tarefa.
— Acredito que ainda temos algum tempo, ainda que curto, para mais uma pergunta antes de seu retorno, então, se tem algo que queira saber, diga agora, do contrário, prosseguirei para lhe dar um presente como recompensa por chegar até este lugar — A figura anúnciou abruptamente.
— Espera, o que? Como assim tempo curto? E o que quer dizer com retorno? Eu não tô morto? — Lucet disse, tanto assustado como confuso.
Até onde ele sabia, este lugar era um pós-vida e pensando assim, ele acreditou que só chegara aqui através da morte, mas agora, de repente ele ouve essa conversa sobre retorno e tempo acabando. Ele iria a algum lugar daqui a pouco? E se fosse, que lugar era esse? O que ia acontecer com ele? Esses e outros pensamentos logo preencheram a cabeça do garoto super estimulado pela energia do espaço dourado que a cada segundo contemplava coisas exponecialmente mais sinistras.
Como se sentindo o desespero surgindo na mente do garoto, a figura gargalhou e, chacoalhando os braços como se pedisse desculpas, disse:
— Ora acalme-se criança — A figura disse — Você definitivamente não está morto, do contrário não poderia estar aqui, você está apenas fora do seu corpo enquanto eu reparava os danos catastróficos que você se inflingiu ao imolar sua existência para defender e salvar a vida da alfae conhecida como Kaella Rubrum.
Lucet segurou sua cabeça quando súbitamente um grande influxo de memórias retornou a ele, lhe causando grande dor. Se lembrou da destruição de Elysium e do grande combate contra o paladino, como entrou num estranho estado de transe onde se sentia energizado e inexplicavelmente quente pouco antes de conseguir, após sacrificar um braço para o feito, matá-lo e proteger sua mãe. Após alguns instantes, o garoto recuperou sua calma e, após tomar um folêgo, falou:
— Minha mãe me deixou o sangue mágico dos alfae em minhas veias — Ele disse lentamente — E meu pai me deixou a herança do poder da fé e dos humanos dentro de mim, além de sacrificar um grande poder para realizar um contrato com você para que eu fosse protegido.
— Sim — A figura concordou com um aceno de cabeça — E o que quer saber sobre eles? Suas identidades?
— Não — Lucet declinou determinadamente, chacoalhando a cabeça — Eu apenas quero saber se eles ainda estão vivos, e caso estejam, eu mesmo os encontrarei. Eu já recebi demais, e sou grato por me salvar.
— Não há o que agradecer criança — A figura riu ao chacoalhar a cabeça — Se eu não o salvasse, eu mesmo estaria em problemas. Quanto aos seus pais, sim, eles ainda estão vivos, muito feridos dos inúmeros combates que tiveram de suportar em todos os seus anos de fuga, mas definitivamente vivos.
Lucet deu um aceno com a cabeça enquanto sua mão lentamente se fechava, formando um firme e determinado punho, foi neste momento então que o corpo do garoto começou a tremeluzir e se distorcer, pouco a pouco desaparecendo naquele espaço branco.
— Seu tempo aqui acabou mais rápido do que eu esperava — A figura disse com um riso — Bem, então aí vai seu presente. Além do evoluir qualitativo da aura de fé que dorme em seu sangue e o reforço da sua alma, que você claramente já deve ter notado, lhe ensinarei o método correto de treinamento da sua aura.
O garoto, ainda um tanto confuso, tentou perguntar sobre o porquê de tal benefice, porém, a figura falou antes que ele tivesse a oportunidade, dizendo a resposta de suas perguntas mentais.
— Acredite — Ele disse — Se você crescer e mostrar ao mundo o verdadeiro poder da aura e corrigir este exemplar corrompido que atualmente reina sobre a fé dos mortais, eu tenho bem mais a ganhar do que você, então, peço desculpas se parece um tanto egoísta, mas estou fazendo um favor mais a você do que a mim.
Lucet refletiu por um momento e ascentiu com a cabeça. Mesmo que ele estivesse prestes a receber um presente com segundas intenções, ainda assim, era um presente que lhe seria imensamente útil contra a congregação de puritas, e por isso, acabou por aceita. A figura então moveu suas mãos e acumulou um grande quantia de luz em suas mãos, tanto foi acumulado que o espaço luminoso se tornou um tanto escurecido.
— Esta é a técnica mais pura e avançada de treinamento de aura, com alguns retoques pessoais especializados para sua profissão especifica — A figura disse — Aprenda, cresça e honre o legado de seu pai, e o meu.
A luz nas mãos da figura então foi condensada e compressa até que virasse uma perola dourada, poucos instantes antes de disparar na direção do garoto e entrar em sua testa, se fundindo em questão de frações de segundos. Lucet se sentiu pressionado ao receber as informações.
A informação surgira em sua mente na forma de um livro branco com folhas douradas, que em sua capa dizia com letras de ouro estranhas, mas que Lucet era misteriosamente capaz de compreender, “Jornadas de Luz”. Com o mais breve pensamento, o livro prontamente se abria e mostrava a primeira folha com uma introdução a aura da fé e suas propriedades. Porém, quando ele tentou ir para a próxima folha, se viu impedido de fazê-lo, o que o fez olhar para a figura de luz com um olhar questionador.
— Devido ao alto nível da técnica, eu coloquei selos no contéudo que serão desfeitos naturalmente conforme seu corpo estiver pronto para aprende-los e a sua progressão no treinamento — Faerthalux explicou — Lembre-se, nenhum poder verdadeiro surge de atalhos, apenas de esforço, dedicação e experiência, ou seja, apenas aprenderá o próximo estágio de cada técnica quando dominar por completo o estágio anterior. Agora vá, retorne para aquela que tanto te protegeu e que tem tamanho carinho por ti.
Um leve sorriso brotou no rosto do garoto ao relembrar os ensinamentos de sua mestra, o fazendo acenar e então mais uma vez se curvar respeitosamente, dizendo em seguida:
— Obrigado Senhor Faerthalux, eu farei esta luz que me deu brilhar.
— Não espero nada menos de você, criança.
O mundo então se tornou escuro ao olhos de Lucet. Ele se sentiu cair por uma quantidade incontável de tempo, se sentindo gradativamente mais pesado enquanto o fazia, mas ao mesmo tempo, inexplicavelmente empolgado.
「• • •」
Nos céus reluzentes do continente-mãe dos alfae, Lumina, uma pilastra colossal de luz se erguia de sua capital que pulsava com poder. Alta Lustra, a dita capital, agora se encontrava totalmente presa dentro da pilastra de luz que se extendia para o infinito negro do céu noturno cujo até mesmo as luzes mágicas dos poderosos seres eternamente jovens não eram capazes de alcançar ou sequer ter a esperança de iluminar com suas cores.
Neste instante, todo o continente de Lumina se encontrava num estado de emergência enquanto todas as forças militares externas e mercantes viajantes da raça iam o mais rápido que possível em direção à capital.
Normalmente, os alfae se mostravam amistosos e sábios, com muitos intereses mercantes e culturais, focando em diplomacia e alianças com as nações e raças diversas de Anima, porém, neste exato momento, o povo que se mostrava tão amigável e pacifico mostrou um poderio militar que fez com que qualquer um que observasse o acontecido deste dia pensar no minimo dez vezes antes de contemplar qualquer idéia de ofender ou atacar essa poderosa raça.
Dezenas de milhares de aeronaves cruzavam os céus de toda Anima com tripulantes alfae e aliados voando a toda velocidade em direção a Alta Lustra. Desde de pequenas naves diplomáticas, até às naves mercantes com suas grandes cargas de tesouros e suprimentos e às poderosas naves militares que mais pareciam castelos voadores armados atés os dentes com todos os tipos de armamentos de longa distância.
Ao olhar esta imensa força, até mesmo os arrogantes humanos que se gabavam de seus avanços tecnológicos e seus imensos números populacionais, tiveram de se silenciar e se render diante do poderio mágico-militar dos alfae.
Já os Faeram, com seus energéticos corpos e espiritos de combate ferais, rugiram em direção aos céus de todas as partes do mundo com se a desafiar as naves. Como ousavam demonstrar força diante deles? Que desçam e lutem fora de suas latarias mágicas como guerreiros de verdade!
Os Gnoma, dentro de suas montanhas e fortalezas, apenas observavam e escreviam notas analizando os equipamentos e formulas que eram capazes de captar com seus instrumentos mágicos e, tal como os mestres da forja que eram, já começaram a traçar planos e criar medidas contra esta poderosa ameaça dos céus.
Porém, diferente do que todos especulavam sobre a força dos alfae ou a pilastra de luz, um embate não ocorreu. Não houve mortes ou confrontos, nem qualquer ferimento que fosse, mas sim, um milagre dos quais jamais se ouvira antes pois, quando a pilastra de luz desapareceu, uma vida que muitos criam morta e alguns até mesmo celebravam sua inexistência, retornou.
「• • •」
Kaella e Lucis se encontravam igualmente ajoelhados. Uma por reverência, outro à força, mas ambos admirados diante de tal poder que os envolvia. A alfae pensou em se erguer e se aproximar do corpo de seu filho, que agora se encontrava envolto numa esfera de luz dourada que brilhava com o próprio sol, mas se viu sem forças para sequer levantar.
O monarca, porém, mesmo supresso ao ponto de se curvar e cair de joelhos contemplava maneiras de trazer a criança protegida pela luz para o seu lado, torná-lo um de seus aliados ou até mesmo servos, caso a oportunidade surgisse. O alfae a muito já estava vivo e muito já tinha de experiência, sabia facilmente quando ser hostil e quando ser cordial, e neste momento, era mais valioso que fosse a segunda opção, especialmente considerando que se tratasse bem a criança, Kaella se tornaria ainda mais favorável e leal à ele.
De repente, a luz branca começou a esvair e a proteção dourada lentamente se desfez, mas, antes mesmo que o par tivesse tempo de reagir, um relâmpago dourado atravessou o teto do quarto sem causar qualquer dano e mergulhou no corpo inconsciente do garoto que repousava sobre a cama, fazendo todo seu corpo tremer e brilhar por um breve momento.
Segundos depois, o corpo lentamente se ergueu até estar sentado, seu único braço indo até seu rosto e esfregando seus olhos enquanto bocejava e piscava, focando sua visão e observando o estranho quarto onde se encontrava. Após alguns instantes de procurava, viu que Kaella estava ajoelhada no chão, o olhando como se tivera visto um Durza.
— Mãe? — Ele perguntou com uma voz um tanto sonolenta, uma tinge de dourado colorindo seus olhos heterocromáticos dando uma aura pacifica e alegre — O que aconteceu? Tá tudo bem?