Os Contos de Anima - Capítulo 42
O garoto se espreguiçou por alguns instantes, indiferente e ignorante da situação a sua volta. Seu corpo estava espetacularmente bem, mas logo, algo lhe chamou a atenção quando tentou juntar suas mãos acima de sua cabeça e não sentiu nenhuma resposta do seu braço esquerdo que tentava alcançar o direito inexistente, o que o fez olhar para onde deveria estar seu braço e logo, uma torrente de memórias surgiu em sua cabeça, fazendo-o a segurar imediatamente enquanto suprimia seu corpo que tremia com o esforço de conter tanta informação voltando de uma vez.
Apesar de exponencialmente melhorada, o que com o tempo acabaria por melhorá-lo no mundo fisico, seu corpo ainda não tinha digerido as mudanças que sua alma recebera no plano luminoso onde passou os últimos dois anos se recuperando sem sequer notar seus danos. Sua mente ainda não tinha absorvido o incremento do local de cura, e por tal, ainda não recebera o aumento de poder de processamento que recebera por lá.
Relembrou o encontro com Faerthalux, a visão de Noctis, a batalha de dois anos atrás contra o paladino Alexander e o sacrificio que teve de fazer para vencer, além de, é claro, a visão do semblante nervoso de Kaella o observando quando acordou, que ele claramente percebeu estar muito preocupada agora que refletia sobre o assunto.
Enquanto tudo isso corria por sua mente, também lhe saltou a mente a destruição de Elysium e a organização responsável sobre o ataque e uma expressão de raiva começou a surgir debaixo da dolorosa contorsão que seus musculos faciais faziam diante da pressão das imensas quantidades de informação, e logo, sua voz refletiu sua ira crescente quando disse entre dentes, quase como se cuspisse cada palavra laceada em raiva.
— Elysium se foi… — Ele disse, palavra por palavra, sua voz baixa e um tanto rouca enquanto sua mão cobria a maioria de seu rostou, deixando apenas a íris violeta e uma parte de sua sombrancelha expostas entre seus dedos pálidos — Como está o líder? Porque ele não está aqui com você mãe? Todos conseguiram escapar?
Os dois alfae na sala ficaram surpresos com a estranha disposição do garoto. Kaella, preocupada com a súbita demonstração de dor de seu filho se aproximou e tentou avaliar seu corpo, mas logo parou antes de realmente conseguir enconstar nele. Ela não sabia dizer o porque, mas neste exato momento, uma tinge de medo surgiu em seu coração, não em relação a si mesma ou qualquer possibilidade de ataque de parte da criança diante de si, mas do futuro dele se continuasse emanando tanto ódio. Ela mensurou e ponderou bem suas próximas palavras antes de dizer:
— Maximilian… — Ela disse, um tanto hesitante — Não sabemos dizer se morreu. Elysium foi desfeita e toda a preciosidade daquele local, com exceção dos arquivos e pesquisas que eu e outros mestres presentes resgatamos, foi completamente destruída, deixando apenas uma cratera enegrecida e ruínas como sinal da existência do lugar. Quanto aos mestres e os habitantes comuns, todos eles escaparam, cada um com seu método, em segurança.
— Como assim? — Lucet rosnou, incrédulo e indignado ao passo que sua ira se tornava quase paupável enquanto os poderes dormentes dentro de si por tanto tempo despertavam lentamente, mostrando-se como auras turbulentas ao redor do seu corpo, variando entre brilhos de dourado e cinzento ao passo que um vórtice de energia — Como é que não sabem? Você não tem em suas mãos o comando de uma das maiores agências de inteligência de toda Lybra? E quanto aos corvos? Eles também não sabem de nada? Com esse tipo de recursos a disposição, como é que não conseguiram encontrar ele?
A apreensão apenas crescia na alfae. As pupilas de seus olhos violeta contrairam com a resposta enraivecida do garoto que ela conhecia por ser alguém essencialmente bom e gentil, com a óbvia excesão sendo quando ele tinha de lutar e, tal como ela o tinha ensinado, nestas situações ele era impiedoso e até mesmo cruel se fosse preciso.
Ela via a óbvia dor em que o garoto se encontrava além de conseguir examinar pela sua leitura emocional o quão confuso ele estava, afinal, depois de quase três anos de coma, quem não estaria confuso se sua última lembrança fosse uma batalha em que ele tinha certeza que já estava morto? Ainda mais tendo de ver a catastrófica repercussão das ações da congreção de puritas e vivenciar o lugar onde tinha crescido por toda a sua vida ser destruído?
Confusa sobre como agir, sua mente corria por respostas enquanto tentava pensar em algo para apaziguar o crescente rancor do garoto antes que isto tivesse efeitos permanentes. Lucet estava prestes a falar novamente, seu rosto agora livre enquanto sua mão estava cerrada num punho enquanto ele agarrava a camisa branca que vestia, manchas de vermelho começando a tingir a porção que ele segurava, quando o monarca decidiu agir.
O monarca de Lumina era reconhecido não apenas por sua proeza em combate e poderio arcano, como também era um renomado diplomata e um mestre manipulador devido as suas dezenas de anos como líder e sua nação e sua extensa educação e preparo para a liderança desta poderosa monarquia. Com sua afiada percepção de oportunidade, além de ver o óbvio estado de desequilibrio que Lucet se encontrava, ele viu uma chance de sedimentar o jovem guerreiro como seu aliado e solidificar ainda mais a lealdade de Kaella numa única jogada, e ele não desperdiçou um segundo quando falou, sua voz imperiosa e imponente.
— Então é assim que o “convidado” que minha súdita trouxe para se recuperar dentro de meus dominios a trata no momento que desperta? — ele questionou, liberando em instantes a pressão e poder de sua aura oceânica, convertendo o ambiente em um profundo oceano numa fração de segundos — Anos de treinamento e recursos, tempo precioso em que o trabalho dela poderia ter sido investido em outros assuntos muito mais cruciais que a formação de um pirralho como você, apenas para no instante em que acorda demonstrar tamanha hostilidade contra aquela que fez tanto por ti?
A pressão do ambiente azul e escurecido, povoado por criaturas estranhas e misteriosas golpeou Lucet e o forçou a se curvar tanto que quase beijava seus joelhos, estalos ecoando de seu corpo enquanto sua aura caótica tentava se organizar e resistir. Kaella, apavorada com as ações do alfae, virou para ele, sua própria aura crescendo ao passo que ela o questionou.
— Lucis! — ela exclamou, ambos surpresa e furiosa — O que você está fazendo? Ele acabou de acordar de um coma de quase três anos! Ele nem sequer conseguiu se recuperar direito e você já o ataca dessa maneira!? Quer matá-lo!? Diante de mim!?
Sua voz, além de enraivecida, também era laceada ao passo que ela já se preparava para atacar caso ele não retraisse seu poder naquele instantes. O monarcar, porém, apenas respondeu numa voz inexpressiva.
— Estou ensinando uma lição — ele disse — E no seu lugar, eu não me preocuparia tanto com o estado dele, afinal, ele parece signficativamente mais forte do que você tinha me relatado em seus relatórios já que consegue resistir aura da minha lei por conta própria.
A aura agressiva de Kaella pausou suas hostilidades e se retraiu ao passo que ela se virou para o observar Lucet que agora estava, para sua surpresa e confusão, com as costas retas novamente, seu braço erguido sobre sua cabeça enquanto uma aura dourada brilhava em volta do seu corpo, uma figura ilusória e distorcida do que deveria ser um escudo sobre si enquanto seu braço estava coberto do ombro aos dedos com uma peça de armadura dourada que reluzia intensamente e parecia extremamente sólida, com runas reluzentes inscritas sobre as peças, se mostrando tão realista que possuía até mesmo marcas de uso e impactos de combate.
Lucet, por outro lado, agora se encontrava num estado misterioso onde sua mente se encontrava tão leve e tranquila quanto estava no plano luminoso de Faerthalux. O manual do ser ainda não havia sido totalmente implantada em sua mente ou sequer praticada e compreendida pelo garoto, mas ainda assim, ele por instinto e necessidade fora capaz de acessar uma das partes do manual e materializar inconscientemente uma versão imperfeita de uma das técnicas e resistir.
Veias podiam ser vistas saltando em seu pescoço, rosto e iris ao passo que ele usava todas as suas forças para encarar Lucis com um olhar sanguinário, porém, sem capaz de fazer mais nada pois no momento em que ele tentou falar, sentiu o sangue correr para sua boca e foi prontamente forçado a parar.
“Só a aura não vai ser o suficiente, tenho que dar um jeito de sair daqui antes que eu morra!” Ele pensou, a aura cinzenta de sua magia voltando a reluzir em seu corpo.
A aura negra inicialmente se espalhou por todo seu corpo e formou o manto das sombras que ele já havia dominado antes atrás, mas, diferente do que ele planejava ao extender sua sombra, ele foi impedido de acessar o plano das sombras para fugir com o passo do corvo.
“Droga!” ele xingou em sua mente “Não dá para lutar, não da para fugir… O que é que eu faço?”
Sua mente estava lentamente se aclimando aos melhoramentos, e por consequência, se tornando mais rápida e mais eficiente, ao ponto que ele logo deduziu que fugir não seria tão simples pois a classe de poder que o estava esmagando era maior que a de suas sombras, por isso, ele alterou seus planos e começou a condensar suas sombras, afim de tentar reforçá-las e escapar.
Foi então que ele reparou que a parte do manto de sombra estava se fundindo com a peça de armadura dourada, o dando um aspecto muito familiar que fez sua cabeça girar ao passo que uma idéia lhe surgiu em mente. Ele sentiu uma pontada de dor enquanto se lembrava sobre o encontro com Faerthalux e como ele tinha sido capaz de combinar o poder da aura com o poder da mana das sombras na luta contra o paladino Alexander.
Seu rosto já estava ficando vermelho com o tamanho esforço que fazia para reduzir a pressão, e como ele estava no fundo de um oceano, também não era capaz respirar, o que tornava resistir ainda mais dificil. Seu coração batia como uma marreta em seu peito ao passo que seus pulmões se tornavam cada vez mais pesados pelo folêgo que ele segurava, clamando por ar fresco.
O tempo para agir estava acabando e ainda assim, sua mente ainda o mantinha com um certo grau de tranquilidade, não o suficiente para ignorar a pressão, mas o bastante para pensar com claridade, e isto foi o que o ajudou a reverter a situação no momento seguinte.
Lucet direcionou toda a mana das sombras disponível para seu braço e o escudo logo acima dele, os cobrindo com a energia cinzenta. Por alguns instantes nada ocorreu além de criar uma nuvem cinzenta ao redor deles, porém, após alguns momentos, as energias começaram a se fundir e num piscar de olhos os equipamentos mudaram.
O escudo, antes ilusório e distorcido, se tornou mais firme e, apesar de ainda um tanto transparente, agora parecia bem mais sólido e real com sua forma de gota, porém com a base inferior mais curta e a base superior mais larga, cujo o centro era dourado com o símbolo de uma chama, seguido de uma parte negra e depois acabado com as pontas em cores douradas.
Já a peça de armadura dourada no braço se transformou de uma maneira qualitativa. Antes ela era grande e imponente, porém um tanto desajeitada e grande demais apesar de suas qualidades, mas após a infusão de mana das sombras, o tamanho da peça diminuiu e se tornou uma peça ideal para o braço de Lucet, tendo um design mais leve, com peças, cotoveleira e ombreira menores e com cinco jóias douradas ao longo da peça toda ao passo que a maioria das cores se transformaram num negro reluzente.
No instante em que a transformação encerrou, o novo escudou emitiu uma nota metálica e vibrou antes de pulsar uma vez e projetar um domo de luz com runas negras ao redor do corpo de Lucet, expulsando toda a água e pressão, permitindo-o soltar seu folêgo e respirar novamente.
— Mas olha só — Lucis riu ao olhar para Kaella, cujo o rosto estava tão chocado que seu maximar parecia ser capaz de ir ao chão a quaquer momento — Parece que o garoto é ainda mais forte do que eu estimei.
O monarca então considerou por mais alguns instantes, um sorriso leve em seu rosto enquanto aumentava ainda mais a pressão de seu dominio subaquático. Se o garoto era capaz de resisti-lo com essa pouca idade e logo após despertar de um coma que quase lhe levou a morte, então qual seria o fim do potencial dele? Alguém assim deve ser convertido em um aliado o quanto antes, e ele sabia exatamente como fazê-lo.
— Diga-me criança — Lucis então disse, se virando para Lucet que agora estava mais relaxado e respirando mais tranquilamente — Acredita mesmo que podes resistir minha força?
— Não — Lucet o encarou e respondeu, sua expressão um tanto irritada enquanto observava o alfae — Ao menos não para sempre, mas por hora, acho que é o suficiente para conversarmos.
— Vejo que ao menos é inteligente o bastante para reconhecer a derrota — Lucis disse com um sorriso de canto de boca — Acredito que já esteja mais calmo agora?
— Sim — Lucet cuspiu a palavra — Diz logo o que quer de mim, vossa “Majestade”.
— Ora, descobriu minha identidade assim tão rápido garoto? — Lucis gargalhou.
— Minha mãe está apenas abaixo de um ser em Lumina — Lucet retrucou — E estou certo de que você a chamou de subordinada antes de jogar esse oceano em cima de mim, então por eliminação lógica, você só pode ser o monarca de Lumina.
O par se observou por mais alguns instantes, e então, o monarca disparou uma pergunta.
— Você sabe quem os atacou em Elysium correto?
— Sim — Lucet acenou com a cabeça — A Congregação de Puritas.
— Sabe que não pode derrotá-los sozinho, não?
— Eu sei — Lucet respondeu um tanto irritado — Já quase morri para apenas um deles, se eu tivesse de enfrentar todos eles eu estaria morto antes que pudesse levantar minha lâmina para lutar.
— Então o que planeja fazer?
— Treinar e ficar mais forte — Lucet disse com convicção — Talvez minha força nunca chegue a ser o suficiente, mas quanto mais forte eu ficar, maiores e melhores serão minhas chances contra eles, mesmo que eu tenha de depender de um exército para conseguir destrui-los.
— Sabe que até mesmo Kaella não pode te treinar a esse ponto não é mesmo? E nem mesmo ela tem autoridade para mover um exército para esse fim, então como planeja lutar se não tiver este suporte.
— Eu sei — Lucet admitiu — Minha mãe pode saber muito, mas o poder de um indivíduo é limitado, e apesar de eu ainda ter muito o que aprender dela, não posso ficar mais forte apenas com o seu conhecimento, terei de buscar ajuda.
— Sua mentalidade está correta, Lucet — Lucis acenou com a cabeça — Nem mesmo eu com toda minha força creio ser poder de enfrentar a congregação sozinho, mas no meu caso, eu tenho uma nação de alfae ao meu lado, por isso tenho confiança de destrui-los, mas e você? Me diga, qual é o seu próximo passo? Não acha que é uma boa idéia ter um aliado… — A voz do monarca se tornou mais baixa e amigável — Como eu?
O monarca retraiu seu poder e o oceano se dissipou, retornando todos a sala de recuperação onde estavam antes. Lucet retraiu seu poder e desfez a armadura antes de se levantar da cama, cambalear por um momento e então, se ajoelhar com um joelho perante Lucis e declarar. Apesar de um tanto a contra-gosto, sabia que iria precisar de toda ajuda possível para enfrentar a congregação, mas, não podia depender dos recurso de sua mãe, pois até ela tinha limites no que podia lhe prover, e também, ele preferia conquistar ao invés de ser presenteado, por isso não teve escolha quando agiu.
— Eu ofereço meus serviços e lealdade a ti, vossa majestade! — Ele bradou — Se me auxiliar em minha causa e não se virar contra mim, eu juro ser um aliado dos alfae, nunca os traindo ou renegando seu chamado até que se encerrem meus dias, sendo uma lâmina contra seus inimigos e um escudos ao seu povo.
Lucis deu um leve sorriso triunfante, que Kaella, que até agora estava em silêncio observando, um tanto atônita com o progresso dos eventos, reparou e xingou em sua mente. Agora ela entendera o agir do monarca, todo esse display de poder fora para fazer com que Lucet pedisse ajuda, e por tal, fosse forçado a jurar lealdade, afinal, ela mesma o ensinou que para conseguir um favor de um monarca, o minimo a se fazer era ser um aliado fiel.