Os Contos de Anima - Capítulo 44
Lucet analisou o local onde ouvera o contato da luz do contrato. Ele esticou sua mão por alguns momentos e a cerrou num punho repetidas vezes, checando se não havia qualquer coisa de errado com seu corpo, após isso, ele então olhou novamente para o monarca que o analisava com atenção.
O garoto sentiu uma súbita restrição de suas emoções em fase do alfae. Ele não conseguia revelar hostilidade aberta contra ele com facilidade e muito menos pensar em traí-lo, pois quando o pensamento lhe passava pela cabeça, algo dentro de si que ele não conseguia identificar começava a doer. Ele logo dispersou estes pensamentos e, quando a dor desapareceu, continuou.
— Tem mais que ainda quer exigir de mim, não?
O monarca sorriu misteriosamente, seus pensamentos incalculáveis, e respondeu num tom de casualidade.
— Eu, especificamente, não — Ele disse, dando de ombros — Mas acredito que meus súditos não aceitaram uma aliança de tamanhas proporções sem antes testar o valor daquele que há de ser nosso aliado.
Lucet, vendo facilmente através dos planos do monarca, deu uma risada sarcástica e retrucou em tom zombeteiro.
— Ora, Vossa Majestade, pretendes dizer que seus súditos não respeitam sua soberana decisão?
Lucis, aparentemente não afetado pelo comentário do garoto, apenas respondeu com um sorriso em seu rosto.
— Caso eu os force, respeitam — Ele disse — Mas acredito que é melhor governar pelo exemplo e respeito do que pela tirania, afinal, o que é um rei sem seu povo além de um tolo num trono de uma terra vazia?
Nesse momento Kaella, que já havia se recomposto e retornara a sua disposição usual, disse friamente.
— Me poupe de suas filosofias hipócritas Lucis — Ela criticou — Quem não vê que apenas diz isso para colocar meu filho num combate e avaliar suas capacidades pessoalmente?
Lucis, ao invés de agir com poder tirânico como demonstrara anteriormente quando Kaella o retrucou, disse num tom de falsa ofensa.
— Eu? Como ousa minha cara Guardiã? — Ele falou, fingindo estar abismado — Como poderia eu ter tais interesses? Apenas estou respeitando os desejos do meu povo para com o destino futuro de Lumina.
Lucet ,já sem paciência e um tanto cansado do esforço anterior, interrompeu o teatrismo do monarca e disse, irritadiço.
— Apenas diga o local e horário, eu estarei lá para lutar contra seu escolhido, Vossa Majestade.
O Monarca sorriu, satisfeito e virou de costas para os dois, indo em direção a porta.
— Como queira, pequeno corvo meio-sangue — ele respondeu — Amanhã quando a estrela do dia brilhar no centro do céu, esteja na arena, lá meu desafiante o esperará.
Lucet apenas acenou com a cabeça e não disse mais nada enquanto visualizava o monarca partir ao passo que Kaella o acompanhava e fechava a porta depois dele sair, reativando os encantamentos e proteções. A alfae então retornou para o lado do garoto e o ajudou a voltar para a cama enquanto o corpo dele tremia.
Apesar de ter agido com tranquilidade como se nada tivesse ocorrido enquanto defendia Kaella com seu escudo projetado, mas, a realidade é que enquanto ele conseguiu bloquear completamente qualquer dano contra ela, sua energia foi drenada a uma velocidade absurda.
Sua aparente calma não fora mais que uma farça para não demonstrar fraqueza e agora que o monarca se fora e os encantamentos foram reerguidos, ele pode relaxar e isso quase o levou a inconsciência novamente. Kaella o observou por alguns instante com alguma preocupação, mas quando viu que ele apenas estava cansado, relaxou e, após o ajudar a sentar na cama com algumas almofadas, questionou.
— Tem certeza que quer fazer isso? Você acabou de despertar, seu corpo ainda não se reaclimou a sua nova forma e suas novas capacidades — Ela disse num tom apreensivo — A última vez que teve sua força sob controle foi a quase três anos, agora, você foi fortalecido pela nutrição dos arcanos alfae…Aliás…Aquela luz branca…A entitade dona daquela voz e poder…Você a encontrou?
Lucet ponderou suas respostas por alguns instantes. Faerthalux era o conceito de um de seus poderes, a personificação da aura da fé, alguém de um calibre tão alto não poderia ser mencionado com tamanha casualidade poderia? Quando, porém, pensava estas coisas por mais alguns momentos, uma sensação de tranquilidade veio a sua mente e, então, ele decidiu que estaria seguro ao falar sobre o encontro.
— Sim — Ele respondeu francamente com um leve aceno de sua cabeça — Ele se chama Faerthalux, e ele é o conceito do poder que conhecemos como “aura da fé”. Ele é e controla a forma mais pura, poderosa e perfeita que existe dessa força que a congregação tanto se vangloria de poder usar, e ele me contou muita coisa.
— Faerthalux… — Kaella disse, ficando silenciosa por alguns momentos enquanto parecia buscar alguma informação especifica em sua cabeça que acabou por desistir e, após um suspirou, continuar — Foi ele que salvou sua vida então…Acredito que devo ser grata a ele…Bom saber o nome daquele que salvou meu filho.
— Ele fez mais que só me salvar mãe — Lucet disse com um meio sorriso nos lábios.
— Se refere à aquele escudo que você invocou? — Ela perguntou intrigada, relembrando do escudo ilusório — Mas isso não é parte da herança do seu pai?
— Sim e não — Lucet respondeu com um leve chacoalho da cabeça — O Escudo faz parte da herança, mas, a versão que eu demonstrei não.
— Fale claramente filho, não tenho tanto conhecimento sobre a aura da fé e suas aplicações — Ela disse, soltando um leve riso.
— Não reparou que minha armadura estava diferente, mesmo antes de eu fundir com a minha mana das sombras?
Os olhos de Kaella abriram um pouco mais por alguns instantes enquanto ela relembrava os acontecimentos. Realmente, antes mesmo da armadura ser incrementada com o poder da mana sombria, ela estava muito mais real e detalhada que na batalha de Elysium quando ele lutara contra o paladino Alexander. Ela então questionou.
— Sim, e como me explica isso?
— Meu poder e minhas habilidades como um todo sofreram um melhoramente significativo enquanto estive em coma — Ele disse, levantando seu dedo indicador — E este foi o primeiro presente que recebi enquanto era curado das minhas feridas da batalha em Elysium — Dito isso, ele levantou o dedo do meio e pontuou, seus olhos reluzindo com confiança — Já o segundo algo que realmente vai me permitir destruir, ainda que com alguma ajuda dos alfae, a congregação definitivamente.
Kaella o questionou sobre o assunto, porém Lucet, sabendo da natureza extremamente complexa do manual, que até agora ele mesmo ainda sentia algumas dores de cabeça enquanto a informação era lentamente absorvida por sua mente, acabou por decidir permanecer em silêncio e apenas respondeu que em breve ela descobriria que especie de presente era.
Após a conversa, a alfae pediu que trouxessem comida para o quarto para que Lucet pudesse se alimentar. Ainda que ele fosse nutrido por magia, não há maneira melhor que se alimentar para realmente obter nutrientes, além do mais, já faziam anos que seus orgãos digestivos não recebiam estímulos fisicos, portanto, seria bom introduzir algo em seu organismo.
Lucet se alimentou devagar, seu paladar, depois de tanto tempo, tinha se tornado incrivelmente sensível e para ele as refeições dos alfae, que eram renomadas por serem leves, refrescantes e com gostos mais amenos, ainda possuiam um gosto fortissimo, e por tal, ele teve de desacelerar seu ritmo para poder comer e aproveitar com mais calma toda a eletrizante sensação gustativa que estava recebendo.
Após uma hora se alimentando do que a dois anos o levaria apenas alguns minutos, tempo esse que só foi extendido pois ele também tomava seu tempo para perguntar sobre algumas atualidades do mundo que ele perdera nos quase três anos que esteve adormecido, ele escolheu deitar novamente, deixando que a exaustão o levasse para o mundo de sonhos estranhos que era seu inconsciente e, alguns minutos depois, ele adormeceu pacificamente.
Seu corpo tinha sido muito fortalecido enquanto dormia e continha agora uma força expressivamente maior do que a que possuia antes de entrar em coma. Normalmente, ele teria energia por dias com tanto poder, mas, ao usar o escudo com ambos sua mana e aura, ele acabou por controlar o gasto das energias de uma maneira crua e nada eficiente que fez com que se exaurisse muito mais rápido do que deveria, especialmente considerando que ele nunca exatamente teve qualquer tipo de controle sobre sua aura e também que seu oponente era um usuário de uma lei.
Ao ver o garoto adormecido pacificamente, a alfae o cobriu e então voltou para sua mesa onde estava trabalhando anteriormente. Ela gesticulou com sua mão algumas vezes, usando fios negros de mana para reorganizar a bagunça que havia sido feita naquele quarto e, quando terminado, voltou a seus afazeres, silenciosamente resolvendo questões da Lybra enquanto aguardava o despertar de Lucet, sempre mantendo olhos atentos nos seus sinais vitais, aura mágica e níveis de energia para que, em caso de qualquer flutuação anormal, ela pudesse reagir rápida e adequadamente.
O evento todo da luz branca ocorrera durante o período da tarde. Antes mesmo que o céu tivesse a chance de escurecer por completo, as naves dos alfae que viajavam de todos os cantos do mundo em direção a capital e preparadas para guerra receberam um comunicado da corte real, dizendo que todo perigo havia passado que e o alarme não seria necessário.
As milhares de naves então retornaram apressadas para seus afazeres originais, deixando novamente o público de Anima que observava estes movimentos um tanto afoito. A proeza bélica dos alfae não era algo possível de subestimar diante dessa demonstração, e por tal, tão cedo quanto a primeira luz do raia da estrela do dia, dezenas de diplomatas adentraram lumina e viajaram em direção a alta-lustra para negociar com o monarca deste povo.
Enquanto isso, Lucet dormia em paz num sono desprovido de sonhos. Quando a primeira luz raiou, como se seu corpo ainda se lembrasse da rotina do passado, ele despertou pontualmente e se ergueu numa praticada rotina, procurando suas roupas, mas logo, parou de pé enquanto olhava para o chão em busca de seu baú, murmurando.
— Elysium…se foi mesmo né? — Lucet suspirou.
Sem perceber, seu braço se moveu como se para entrelaçar sua mão com a outra, porém, quando se deu conta de que estava tentando encaixar sua mão com o ar, sua expressão se tornou ainda mais pesada e conflitante, uma miriade de pensamentos correndo por sua mente enquanto ele não sabia exatamente o que fazer consigo mesmo.
Kaella, que não havia dormido pois continuava preocupada com o garoto, o observou por alguns momentos. Apesar de feliz em ver o garoto vivo e desperto, era um tanto preocupante vê-lo assim e um tanto entristecedor notar o quão perdido e despropositado ele se encontrava.
Ela pensou em chamar sua atenção e desviar sua mente do assunto, mas, antes mesmo que ela pudesse abrir a boca para falar, ela mais uma vez se viu surpresa com a força mental que o garoto continha quando ele respirou fundo, seu corpo liberando um traço da aura dourada e da aura cinzenta por um instante, e expirou ao se erguer, ficar de pé e chacoalhar a cabeça ao dizer.
— Bem — ele falou ao tomar mais um folêgo — Não vai adiantar nada ficar preso no passado, tenho que recuperar minhas forças e se eu me deixar ser parado pela perca, nunca mais vou prosseguir.
O garoto viu uma bacia de água na cabeceira ao lado da cama e o pegou, erguendo até seu rosto, antes de jogar todo o conteúdo da bacia no seu rosto. Ele molhou metade do seu corpo e uma boa parte da cama, além de molhar um pouco da janela quando chacoalhou a cabeça para dispersar a agua do rosto enquanto colocava a bacia de volta na cabeceira. Ele tomou um grande folêgo quando a água saiu do seu rosto e expirou, soltando todo o ar do seus pulmões, antes de tomar mais um folêgo lentamente e se recompor, espantando a melancolia da sua mente.
Um traço de mana das sombras correu pelo seu corpo e se espalhou em forma de fios que rapidamente aqueceram a água espalha e a evaporaram. Ele não era muito proficiente no uso da arte arcana do fogo, mas, uma atividade tão simplória quanto aquecer água com mana era fácil para ele, o que o fez realizar o feito com bastante destreza.
Mais alguns momentos ele ficou em silêncio, relembrando do conteúdo que Faerthalux lhe havia deixado na mente, mas, como esperado, sua mente ainda não fora capaz de processar tudo, e por tal, ele ainda não tinha acesso ao método de treinamento apesar de sua vontade de começar a treinar este poder o quanto antes possível.
Lucet se virou e notou Kaella o observando e ergueu sua mão, dando um leve chacoalho e sorrindo ao dizer.
— Bom dia Mãe — Ele deu um leve riso — Conseguiu dormir bem?