Os Contos de Anima - Capítulo 47
Saindo dali, o par andou pelos corredores em direção ao ponto de transporte mais próximo. Lucet questionou Kaella sobre a possibilidade de usarem o passo do corvo para chegarem até a arena pois seria mais rápido, mas ela dispensou a possibilidade ao explicar o quão iluminadas eram as passagens e que era extremamente complexo de conseguir qualquer espécie de sombra em Alta Lustra.
O palácio real tinha um histórico preocupante relacionados com diversas invasões realizadas por corvos afim de furtarem bens ou informações, roubarem tesouros encantados ou assasinarem membros da familia ou da corte real. Este histórico motivou a corte real, e por consequência a familia real, a transformar Alta Lustra numa verdadeira cidade de luzes, tal como Lucet tinha visto na demonstração de Kaella no primeiro dia de aula em Anansi.
Tal como sua aparência exterior, o design interior era igualmente, se não até mais, imponente. Os corredores, os ambientes e as salas todas eram grandes e majestosas, com tetos, na opinião de Lucet, opressivamente altos e com paredes excessivamente largas decoradas de tantos candelabros e “tochas” de cristais de mana luminosos que ele pensou estar dentro de uma mina de cristal e não num palácio.
A luz artificial chegava a doer em seus olhos tão acostumados com ambientes mais assombreados e escuros, especialmente agora que eles estavam ainda mais sensíveis aos detalhes. O que para os alfae seria uma boa iluminação, para ele era algo quase ofuscante, e por tal, ele chegava por vezes a fechar seus olhos e apenas usar sua aura para acompanhar os movimentos de sua mãe para se localizar.
“Não é a toa que chama Lumina de continente da luz eterna” ele pensou “Sempre iluminado, ugh, como é que eles não ficaram cegos ainda?”, mais alguns momentos se passaram e o par rapidamente se encontrou numa plataforma de transporte onde quatro guardas aguardavam, prontos para recêbe-los.
Eles vestiam, tal como todos os guardas que o par havia se deparado até aquele momento, com o mesmo uniforme. Eles usavam armaduras de um metal prateado cravejadas com um grande rubi luminoso do tamanho de um punho fechado no centro do peitoral, diretamente sobre o plexo solar, adornado por linhas douradas que se espalhavam e desenhavam de uma maneira estéticamente agradavel e simétrica os musculos abdominais dos mesmos.
Seus braços, braceletes e manoplas continham o mesmo estilo, possuindo um rubi luminoso menor, mais ou menos do tamanho de um ovo, para cada peça, igualmente adornado com linhas douradas que partiam da jóia, se espalhavam e desenhavam o resto das juntas, dobras e detalhes das partes as quais pertenciam.
Já suas pernas continham uma jóia na lateral de cada coxa e três para cada bota, além de é claro, vestirem uma capa com as cores da monarquia e um grande brasão que as vezes parecia ter vida e se mover no tecido sobre o qual ele era gravado.
Em suas cabeças, um capacete com uma longa pena vermelha e dourada que era fina e se extendia até a base de suas nucas quando guiavam seus olhares para o alto. Sobre seus ombros grandes arcos negros em formato cruzado combinados com grandes flechas igualmente negras em sacos negros amarrados a suas costas que continham pontas em espiral tão afiadas que era possível usá-las como um broca com o equipamento certo.
Além disso tudo, em suas cinturas portavam largas e longas espadas embainhadas em madeira negra com três gemas coloridas, runas metálicas e matrizes arcanas que reluziam de tempos em tempos.
“Imponentes!” Lucet concluiu, sentindo-se pressionado “Talvez eu consiga lidar com esses quatro com alguns truques, mas quantos mais deles existem só neste palácio? E se for ver o continente todo? Não tenho a menor chance de escapar as consequências se eu entrar em conflito com esse povo.”
— Guardiã — Disseram em unisono, levemente dobrando suas cabeças — Fomos informados de seu destino. Junto com o meio sangue, prentendes ir para a arena de exibição, correto?
— Correto — Ela disse, sua voz se tornando fria quando notou o desdém que demonstraram ao se referir a Lucet, sua aura negra convergindo sobre si e demonstrando intento hostil— Apreciaria se forem capazes de não demonstrar tamanha falta de decoro ao se referir ao meu filho, sim, ele é um meio sangue, mas tal comportamento vindo da guarda real da nação renomada por sua diplomacia é deplorável, devo assumir que vocês colaboraram para o exterminio de Elysium ao tomarem o lado da filosofia de Puritas.
Inicialmente, os guardas ainda mantinham um certo grau de arrogância diante de Lucet, afinal, estavam diante de um meio sangue, um aleijado ainda por cima, e portanto, não o viam como nada além de um moleque protegido pela guardiã, porém, ao ver o quão hostil a alfae se tornou quando deixaram escapar seu desdém, especialmente sabendo da reputação e poder dela, logo trataram de se ajoelhar, pedindo perdão de uma maneira solene.
Vendo o horário, Kaella apenas bufou e comandou-os para ativarem a plataforma de transmissão, ao qual logo acenou com a cabeça para Lucet acompanhá-la e entrou no vortice luminoso, desaparecendo. O garoto, porém, demorou um segundo a mais, seu olho direito brevemente se transformando no olho do tirano e gravando as informações e aura dos quatro guardas, totalmente disposto a devolver-lhes o favor numa posteriormente quando tivesse a chance, e então, pisou no vortice e desapareceu.
A sensação do vazio estava se tornando cada vez mais familiar para o garoto, considerando o número de experiências que tinha com aquela imensidão sombria que tomava conta de sua existência por frações de segundo e, a essa altura, ele já não sentia o mesmo desconforto que quando se teleportou ou utilizou o passo das sombras pela primeira vez.
Um piscar de olhos depois, Lucet saiu do vortice e viu Kaella uns passos a sua frente, conversando com um dos quatro guardas que os aguardavam na entrada para a plataforma. Lucet esticou seu corpo e respirou fundo, antes de expirar e se aproximar da alfae, que prontamente seguiu em direção ao coliseu por um túnel iluminado por tochas.
A arena de exibição era um lugar gigantesco, muito similar ao coliseu criado por Maximilian no espaço independente, com a diferença de que, ao invés de ruínas, a arena era feita de pedras lustrosas e estava em perfeito estado, com assentos confortáveis até mesmo para o povo mais comum, com quatro tribunas, uma em cada ponto cardeal, para convidados de honra e a própria familia real.
Na tribuna do norte, o monarca aguardava com quatro guardas e uma bela alfae sentada ao seu lado em cadeiras feitas em madeira, que mais parecia uma árvore que cresceu naquele exato formato, ornamentada com ouro e jóias. O monarca vestia uma coroa dourada com uma safira reluzente como peça central, o metal da coroa parecia-se com ramos entrelaçados num belo design enquanto que a alfae ao seu lado, que Lucet rapidamente inferiu ser a rainha, usava uma coroa parecida, mas que carregava como peça central uma esmeralda.
Trajado em vestes de cor azul marinho decorado com linhas de ouro e um brasão real em sua roupa, na posição onde deveria estar seu coração, o monarca repousava ao lado de seu assento uma espada longa de uma mão e meia com uma bela bainha branca com três jóias reluzentes que completava um visual refinado, porém igualmente majestoso. Seus olhos azuis escaneando a entrada por onde Lucet passava enquanto ia ao centro da arena acompanhado de Kaella, um leve sorriso decorando sua face enquanto uma miriade de planos corria por sua mente.
Ao seu lado, a rainha trajava um vestido mais curto de mangas curtas cuja a saia se extendia até um pouco acima de seus joelhos. Apesar da vestimenta, pouco além da pele pálida de seu rosto era revelado pois ela usava um peitoral leve com um brasão marcado onde deveria estar seu coração e manoplas que extendiam até a manga do vestido ao passo que calçava botas que cobriam toda sua perna e joelhos, diferente do monarca, porém, ela respousava ao lado de seu assento um cajado de madeira retorcida com uma orbe violeta na ponta. Seu rosto era mais afinado, similar a de um felino, com pele suave e pálida e olhos violeta como os de Kaella, com a diferença que seu cabelo era tal como a neve, um branco puro e reluzente.
Após alguns momentos, Lucet se viu rodeado por olhares curiosos vindo dos assentos lotados da arena. Alfaes murmuravam entre si e especulavam sobre o garoto que andava ao lado da tão renomada Guardiã, questionando sobre a identidade deste desconhecido desafiante.
O garoto não sabia dizer o porque, mas ele sentia que sua mãe estava perceptivelmente mais tensa e irritada do que antes deles adentrarem a arena. Foi então que, após alguns momentos perdido diante de um público tão grande, finalmente foi capaz de se concentrar e avistar o, ou melhor, os que poderiam ser seus oponentes.
Diante de si, a mais ou menos um cinco metros de distância, um grupo de alfaes aguardavam a chegada do par. Eram cinco e, pelo que Lucet podia observar, visivelmente perigosos e desproporcionalmente hostis em relação a si, com exceção de uma que lhe olhava com curiosidade, aparentemente lhe estudando com os olhos e possivelmente alguns feitiços.
Neste instante, o monarca se ergueu e o povo logo se silenciou, todos com expressões solenes. Após murmurar algumas palavras e um círculo arcano azul surgir a frente de sua boca, amplificando sua voz de forma que ecoasse com um trovão, o alfae anúnciou.
— Meu caro povo de Alta Lustra, e desafiante, sejam bem vindos! — Ele disse num tom entusiasmado — Devido ao aviso dado por nossa cara Guardiã sobre o estado de saúde de nosso desafiante, cheguei a acreditar que o evento de hoje não ia ser possível — Ele fez um falso sorriso de desapontamento, antes de sorrir largamente denovo e soltar uma gargalhada — Mas, como podemos ver, o desafiante se encontra disposto a lutar mesmo diante de suas dificuldades senhoras e senhores, portanto, deem uma salva de palmas para ele, afinal, sem ele, o que seria deste dia que promete ser tão interessante?
A platéia demorou alguns momentos, agindo como se não houvesse captado corretamente as palavras de Lucis, mas logo, um furor de palmas ecoou pela arena e atingiu os ouvidos mais sensíveis de Lucet como se fossem explosivos sendo soltos ao lado do seu corpo, o desconforto tamanho que o garoto foi forçado a segurar seus ouvidos.
Seus sentidos já estavam um pouco melhor sintonizados com seu corpo, mas, ainda que fosse o caso, ele não estava acostumado com ter sentidos aguçados desta maneira, e portanto, era ainda um tanto problemático para ele, especialmente considerando que ele estava acordado faziam apenas dois dias.
“Isso pode ser um problema…” Lucet pensou, “Parece que vou ter que retreinar tudo que conheço antes de realmente estar apto para combate de novo.”
Lucis, reparando no comportamento do garoto, e rápidamente inferindo as possíveis razões, sorriu satisfeito pela nova descoberta e prontamente falou.
— Acalmem-se, meus caros súditos — ele disse, prontamente silenciando a platéia — Sei que estão empolgados com este evento, mas não vamos assustar nosso querido desafiante com nosso poderio e hospitalidade ainda, afinal, se ele se assustar tão rápido, qual será a graça da luta.
O monarca e a platéia riram e gargalharam, fazendo com que um leve rubor trilhasse o rosto de Lucet enquanto seu punho cerrava, pronto para agarrar sua lâmina e disparar na direção do rei.
“Ora seu..!”o garoto pensou, enfurecido “Espera só eu ficar mais forte que eu te mostrar como vou chutar esse seu traseiro, maldita fadinha da floresta!”
Kaella notou a hostilidade emanando de Lucet e logo o repreendeu.
— Acalme-se, filho — Ela disse num tom severo, porém gentil — Isso tudo não passa de um teste, um dos tantos que ele fara durante esta batalha para demonstrar a todos, e especialmente a ele, o seu valor como um potencial aliado.
Apesar de enfurecido, Lucet viu a razão nas palavras da mulher e concordou com um aceno de sua cabeça e respirou fundo antes de suspirar. O monarca então continuou seu pronunciamento.
— Primeiro de tudo, meus caros espectadores, permitam-me dar-lhes uma breve introdução dos participantes dessa exibição, e o porque dessa exibição existir no primeiro lugar.
O povo ficou ainda mais silencioso do que antes, suas expressões solenes e até um tanto confusas em relação as palavras do rei.
— Este combate surgiu de um acordo entre nós, os alfae, e Lucet, o meio-sangue sobrevivente do desastre de Elysium — o monarca começou, seu tom não mais empolgado, com uma expressão séria e voz solene — Tendo vivido lá por toda sua vida e sendo discipulo da Guardiã, obviamente o garoto recebeu tratamento em nossas instalações após entrar em coma depois de um combate para salvar a vida da guardiã quando ele lutou contra o agora falecido paladino Alexander e acabou perdendo um braço por isso, como bem podem ver.
Diversos suspiros e murmurios foram ouvidos da platéia ao passo que começaram a discutir baixo.
— Não irei divulgar os detalhes do acordo, pois os tais se tratam de alguns segredos de estado e planos que, se descobertos de antemão, podem trazer consequências desastrosas para nossa nação, mas, saiba quem este garoto está aqui para provar suas habilidades e potencial em honrar a parte dele do acordo no futuro — Lucis continuou — Sei bem que ele acabou de acordar de um coma, mas, o tempo não espera e muito menos esperaremos nós e, além disso, tomei a decisão de testar ainda mais os limites deste que aos olhos de nós alfae é uma mera criança e o colocarei para lutar contra a “Esquadra Regia”.
Neste instante, Lucet ficou confuso e se virou para Kaella.
— Mãe… Esquadra Regia? Do que ele está falando?
— Filho de uma… — Kaella exclamou furiosa, sua aura flutuando violentamente, ignorando por um instante a pergunta de Lucet, direcionando sua atenção para o monarca — Você ficou louco !? Ele acabou de acordar de um coma de quase três anos e você coloca ele contra toda uma esquadra!? Ainda mais sendo a regia!
Lucis apenas sorriu de canto de boca e respondeu.
— Ora minha cara Kaella — Ele disse — Eu não poderia colocar qualquer um contra ele em face de um acordo tão importante poderia?
— E não havia nenhuma outra opção? Tinha de ser a regia? — Ela falou com desdém e frieza na voz — Não poderia chama nenhuma das outras nove esquadras reais, tinha de ser justamente a regia que você treinou pessoalmente antes de ascender ao trono?
Lucis sorriu mais uma vez, uma expressão zombeteria em seu rosto.
— Mãe — Dessa vez Lucet interrompeu — Está tudo bem. Não importa quem venha, eu terei de enfrentar de qualquer forma, então, não há porque discutir, além do mais, aqueles cinco também não parecem que vão me deixar sair daqui sem uma luta.
Lucet então apontou com a cabeça para os cinco alfae que o encaravam, suas auras de mana colorida se manifestando em forma de chamas ao redor de seus corpos e direcionando uma pressão invisivel ao garoto, mas ele, a enfrentava com tranquilidade, olhando diretamente para eles como se dissesse “Terão de fazer melhor do que isso se quiserem me dobrar”.
O monarca, perceptivo como era, captou as palavras do garoto e sua atitude para com os cinco e logo falou.
— Excelentes palavras jovem Lucet, se seu poder for capaz de se equiparar a sua atitude, vejo que este acordo pode valer muito a pena — Ele então se virou ao público e anúnciou — Quando a esquadra, com seus tantos méritos e conquistas já tem uma reputação que os precede, e se entendo bem, os mesmo não gostam de tanta fanfarra, e por tal, em vista de sua vontade ardente pelo combate, optarei por anúnciar que o combate será de lutas consecutivas, onde a esquadra decidira a ordem dos lutadores.
Ele então direcionou suas palavras aos cinco alfae.
— E acredito que vocês, meus brilhantes escolhidos, não irão desapontar e perder para este mero desafiante, que por um sinal é um meio sangue, um corvo e ainda por cima um aleijado — Ele gargalhou — Se eu estivesse em sua posição e perdesse, ao menos para mim, seria uma extrema desonra e vergonha pessoal, mas não se preocupem, não haverá qualquer punição de minha parte caso percam, afinal, isto é um teste para Lucet, e não para vocês.
O monarca então reluziu ao liberar sua poderosa aura oceânica antes de declarar com sua voz poderosa e imperativa.
— Pois então, meus caros participantes, comecem a luta!