Os Contos de Anima - Capítulo 48
Com o anúncio de Lucis, Kaella olhou para o monarca uma última vez enraivecida e então se virou para Lucet, desejando-lhe boa sorte com um sorriso que apenas o garoto entenderia, afinal, eram pouquissimos aqueles que tinham o privilégio de ver qualquer expressão da alfae que não fosse uma de completa seriedade, concentração ou interesse profissional.
Lucet olhou para sua mãe e sorriu de volta confiante enquanto ela se retirava da arena pelo tunél de onde vieram, instantes depois aparencendo na tribuna oposta ao do monarca e fixando seu olhar na arena. O garoto então virou seus olhos para os cinco oponentes que o encaravam ainda mais hostis que antes e liberou sua própria disposição agressiva, seu rosto e corpo tensionando enquanto uma expressão séria tomava conta de suas feições e olhar.
Diante de si, os cinco, da esquerda para a direita se dispunham em aparências similares, porém definitivamente distintas. O alfae mais a esquerda vestia uma armadura igual ao dos guardas, com exceção de que a cor do metal utilizado na mesma era vermelho ao invés de prateado e ele não usava capacete, além disso, sua arma de escolha era uma grande espada de duas mãos que carregava nas costas.
Seu pele era morena, seu longo cabelo negro como uma noite sem estrelas trançado em três tranças antes de se unir atrás de sua cabeça e ser amarrado por diversas tiras de couro negro, seus olhos eram verdes escuros e reluzentes como folhadas regadas de orvalho e uma cicatriz esbranquiçada no formato de três corte decorava seu rosto, dando ainda mais imponência a sua grande estatura e seu fisico mais robusto e musculoso que a maioria dos alfae.
Logo ao seu lado, um alfae da mesma altura de Lucet, que agora era por volta de um metro e setenta centimetros, o observava com olhos treinados e visivelmente mais frios. Seus olhos azuis em seu rosto pálido o vislumbravam como um predator olha para uma presa que em sua mente já está morta enquanto seu cabelo curto cabelo loiro raspado dos lados reluzia e se destacava de sua leve armadura negra que parecia ser feita de couro, suas mãos enluvadas próximas de duas espadas curtas que o garoto tinha certeza de que poderiam ser sacadas num instante.
No centro do grupo, uma alfae de longo cabelo pálido como a neve disposto em trança e rosto afinado como o de um felino observava o desafiante com reluzentes olhos de cor violeta repletos de curiosidade, um leve sorriso em seus lábios rosados enquanto seus dedos finos brincavam com uma varinha de madeira branca retorcida com um cristal escarlate na ponta. Ela vestia uma leve armadura branca com um brasão marcado em seu peito, na posição onde deveria estar seu coração com uma espada de uma mão numa bainha negra decorada com três cristais escarlates fixada em sua cintura.
Ao lado dela, uma segunda alfae, esta completamente oposta a primeira, observava o garoto com uma hostilidade que parecia lhe informar que se olhares pudessem matar, ele já estaria morto mais vezes do que era capaz de contar. Afixado transversalmente em seu ombro, um arco negro como o dos guardas aguardava seu uso e munição.
A alfae usava seu longo cabelo negro em uma trança similar a da figura central ao passo que seus olhos verdes decoravam seu rosto moreno de uma maneira agradável e faziam com que, ainda que Lucet tivesse de enfrentar tal beleza com a agressividade que a acompanhava enquanto um profundo desdém emanava da figura que o olhava de cima especificamente por que era mais alta enquanto trajava uma leve armadura negra como a da figura central do grupo, ele tivesse de admitir que ela era muito bonita.
Por fim, mais a direita, uma figura elegante demonstrava uma aura opressiva e hostil, mas, com uma expressão desinteressada enquanto lia um livro e murmurava, ocasionalmente direcionando seus olhos azuis claros ao oponente. A figura, cujo genêro era irreconhecível devido ao uso de uma mascara e uma túnica larga, era a mais alta da esquadra e carregava em suas costas um cajado de madeira antiga com traços de vida, tal como liquen e pequenas flores, que segurava em sua ponta uma orbe de cristal verde.
— Qual de vocês irá primeiro? — Ele questionou, analisando os adversários com atenção.
Sem dar qualquer resposta, o grupo apenas se distanciou cinco passos para trás, deixando um espaço vazio no lugar onde deveria estar a figura que Lucet observara ser de sua altura, uma leve nuvem de poeira se desfazendo. Seu corpo tensionou e o garoto sentiu um grande perigo vindo de sua direita, exatamente onde ele não possuía um braço, um frio correndo por sua espinha.
“Já apelando para minha deficiência!?” Lucet xingou em sua mente, enquanto dobrava seu corpo para desviar, porém, no instante seguinte, sentiu uma sensação ainda mais alarmante vindo de sua esquerda e viu de relance com sua visão periférica a ponta de uma lâmina azulada prestes a lhe penetrar a garganta.
Por reflexos mais agéis do que esperava, Lucet foi salvo quando seu braço encolheu e entrou na frente do ataque enquanto por instinto sua aura dourada fluiu de seu corpo e convergiu no formato de uma armadura dourada para seu braço, impedindo o progresso do oponente no último instante quando a lâmina ficou presa no espaço entre o biceps do garoto e o braço.
Espantado, Lucet disparou um chute na direção do alfae que havia surgido ao seu lado, mirando quebrar-lhe algumas costelas como preço de um ataque tão traiçoeiro, porém, antes que ele pudesse impedir, sentiu a vibração da lâmina azulada deslizar para trás enquanto o alfae desviava de seu golpe ao saltar para trás, desalojando sua arma, e novamente desaparecer.
Por alguns momentos, Lucet não recebeu qualquer espécie de ataque, porém, era capaz de ouvir um quase imperceptivel Foi então que uma idéia surgiu na mente de do garoto, um sorriso maléfico surgindo em seu rosto quando ele anúnciou.
— Então é assim que sua esquadra opera, Vossa Majesta? — Ele disse, intencionalmente projetando sua voz de forma que toda a arena, e especialmente a esquadra pudesse ouvir — Atacando numa simples exibição com o total intuito de matar e, ainda por cima, golpeando de forma traiçoeira e silenciosa como reles assasinos, ha! Que bela força essa é hein? Não se sente patético como monarca tendo que confiar em guerreiros de conduta tão vil quanto essa? Será que isso indica a qualidade de seu caráter como líder?
A provocação do garoto era tão afiada que instantaneamente os milhares de espectadores se enfureceram, gritando insultos ao garoto. O monarca, porém, inteligente como era, notou em frações de segundo as intenções de Lucet e teve de colocar uma mão em frente ao seu rosto, mal contendo seu riso ao passo que a bela rainha ao seu lado não resistiu a decorar seu rosto com um sorriso, acenando sua cabeça em sinal de reconhecimento do garoto.
Tal como planejado, a fúria da platéia foi replicada pela esquadra, com exceção da figura central que suspirou desapontada ao colocar uma mão em sua testa. Instantes depois, o alfae que havia se escondido tão bem parou a três metros de distância de Lucet apontando uma de suas espadas na direção do garoto antes de declarar.
— Como ousa falar de sua majestade dessa maneira, meio sangue!?
— Do mesmo jeito que eu ouso fazer isso, seu imbecil. — Lucet retrucou, uma tinge de crueldade laceando sua voz.
A cena a seguir chocou a platéia, a esquadra, o monarca e até mesmo Kaella de tal maneira que eles ficaram não apenas em silêncio, como também boquiabertos por alguns instantes. Para eles, tudo que vizualizaram foi o alfae surgir num instante, acusando Lucet, apenas para que no momento seguinte o ele retrucasse, desaparecesse num clarão de luz dourada e um estâmpido similar ao do rugir de um trovão numa tempestade, e então reaparecesse no lugar onde estava o alfae ao passo que o mesmo desaparecera antes de surgir a alguns metros desmaiado com a marca de um punho afundando seu rosto, um rastro de chão incinerado por chamas brancas surgindo atrás de Lucet.
No momento em que Lucet viu que seu plano havia funcionado, ele decidiu testar o lampejo em combate. Ele acumulou o mais rápido que pode sua energia na planta de seus pés, a vibrando de forma violenta antes de a liberar de uma vez só ao dar um passo para que, tal como o manequim de energia na dimensão de treino, disparasse para frente numa velocidade alucinante e galgasse o espaço entre ele e seu oponente que estava na distância perfeita para ser atingido com o total impacto da técnica.
Apesar de ter observado a execução do movimento na dimensão de treino, ele mesmo não havia usado a técnica por completo, apenas utilizando-a em uma perna, e por tal, quando tentou usá-la não estava preparado para a velocidade resultante da liberação violenta de energia, não sendo capaz de sacar sua arma a tempo como pretendia, tendo que, ao invés disso, usar seu punho para atacar, acentando-lhe um soco no meio da cara com sua manopla dourada, partindo-lhe os ossos faciais, quebrando-lhe alguns dentes e afundando-lhe o rosto com um ataque veloz como uma estrela cadente.
Como calculado na dimensão de treinamento, o custo da técnica era grande, tão grande aliás que lhe custara um décimo de sua aura total para utilizá-la uma única vez. Ele sabia que isso era por ele ser inexperiente com o uso da mesma, e por tal desperdiçara muita energia, mas, ainda que dominasse a técnica, ele calculava que o lampejo lhe custaria uma energia considerável para executar com o seu total efeito.
Ele então olhou para seu pés e viu que um par de botas douradas estava se desfazendo em seus pés, uma leve tensão se espalhando por suas pernas e costas enquanto seu corpo finalmente processava o súbito esforço que havia realizado, um leve tremor correndo por si antes dele soltar o folêgo com um pouco de força.
“Muito…Rápido…Que demais!” pensou empolgado enquanto relembrava a sensação da técnica “Mas… Custa demais… E dói para caramba…Bem, ao menos por enquanto…”. Ele então se virou para os quatro, lentamente caminhando por cima do rastro cristalizado enquanto uma equipe de paramédicos retirava o corpo inconsciente do alfae e suas espadas do campo de combate. Parou então no ponto de onde havia saído, virou seus olhos para onde havia detectado Kaella previamente e sorriu largamente.
A alfae óbviamente compreendeu o intuito e a mensagem daquele rosto sorridente, respondendo com um radiante e encantador sorriso que, para aqueles que foram sortudos o suficiente de vê-lo durante a fração de segundo que durou, era de tal beleza que parecia ofuscar as luzes de Alta Lustra. O garoto então se virou para os quatro novamente, erguendo sua mão e gesticulando para que o atacassem, dizendo:
— Bem, acho que ele simplesmente não sabia que não se pode atacar um corvo com técnicas de assasinato, não? — Ele riu provocativamente, um sorriso zombeteiro e levemente sádico em seu rosto — Agora, qual de vocês será o próximo? Espero que não tentem fazer gracinhas e lutem com honra desta vez, do contrário, acredito que Lucis ficara bem desapontado com vocês.
Desta vez, o grande e musculoso alfae de armadura escarlate e cicatrizes ferozes no rosto deu alguns passos a frente, sua expressão levemente enrubecida enquanto uma aura vermelha brilhava em torno de si na forma de chamas que, até mesmo a distância que estava, Lucet era capaz de sentir uma pressão e até mesmo um calor vindo dela. Ele sacou sua lâmina das tiras de couro que a seguravam e a empunhou a frente de si.
— Você é desrespeitoso demais para com sua majestade, meio sangue — ele rosnou — Além de ser quem é, usa poderes sombrios como os de um corvo e ainda possui a audácia de propor acordos com sua majestade? Seu truque foi impressionante, mas não pense que estas provocações baratas e sua técnica vai funcionar uma segunda vez.
— Ah não vão é? — ele zombou, um leve sorriso de canto de boca debochado decorando sua expressão deliberadamente arrogante — Isso ainda há de ser decidido não? Se bem que, considerando que meu oponente é alguém tão animalesco quanto você, eu acredito que não deva esperar que entenda a sofisticação dos meus planos.
— Silêncio meio sangue! — Ele bradou ao erguer sua lâmina aos céus, grandes quantias de mana fluindo da aura flamejante para a espada, fazendo-a vibrar — Pereça diante da minha lâmina flamejante. [Desastre Vulcânico]!
Apesar de ameaçado pela presença e poder que sentia vindos do alfae e sua espada, Lucet não pode deixar de admirar a forma e beleza do armamento. A espada era composta de duas lâminas dividos no meio de forma que a espada tivesse um espaço no centro dela, unindo-se num metal só apenas no último terço inferior. A lâmina era escarlate como a armadura e inscrita com runas reluzentes que brilhavam com uma aura amarela, que Lucet podia sentir atribuiam caracteristicas da mana presente na terra.
“Um avatar que utiliza fogo e terra?” ele pensou “Isso pode ser perigoso…”
Quando o alfae finalmente desceu sua lâmina, Lucet teve uma enorme vontade de xingá-lo até sua décima geração ao ver a potência da técnica. Veloz como um cometa, uma gigantesca lâmina de fogo vertical três vezes o tamanho do seu corpo voou na direção do garoto que mal teve tempo de desviar ao rolar para o lado.
Porém, antes que pudesse tomar um folêgo, a segunda parte do ataque veio em sua direção na forma de jatos de magma que irromperam do chão e dispararam contra si em conjunto com fragmentos de rocha, forçando desviar por vários momentos, recuando mais e mais para as bordas da arena enquanto tentava não ser incinerado ou reduzido a fragmentos de carne.
— [Desastre Vulcânico]!
Sem desperdiçar um único momento, o alfae trajado em escarlate disparou mais uma lâmina flamejante acompanhada da saraivada de pedras e magma na direção do garoto. Lucet, vendo que se continuasse nesse ritmo seria encurralá-do nas paredes da arena, rápidamente acumulou energia dourada em seus pés e a vibrou num ritmo agressivo antes de liberá-la e desaparecer num clarão de luz uma fração de segundo antes de ser atingido, reaparecendo três metros para a direita de sua posição original com um estâmpido explosivo ecoando no espaço.
“Droga!” ele pensou, soltando o folêgo antes de sentir seus músculos reclamarem do esforço “Ainda tô fazendo isso errado, a energia gasta ainda é demais e não era para ter aquele clarão, muito menos aquela explosão sonora! Onde é que eu estou errando? Pensa Lucet!”
O alfae trajado em escarlate, havendo reparado na técnica préviamente, logo localizou o garoto ao seguir das chamas brancas e do chão derretido, calculando as propriedades da técnica no meio tempo, porém, antes que ele pudesse disparar um ataque para testar suas teorias, um segundo clarão de luz surgiu e o garoto mais uma vez desapareceu.
Instantes depois, Lucet surgiu a três metros a direita de onde estava antes, sua cabeça cabisbaixa, pensativo. Kaella, observando a técnica de sua tribuna pela terceira vez, começou a ver algumas possíveis limitações das quais ela discutiria com seu filho em seu treinamento futuro, afinal, era uma técnica impressionante e tinha muito potencial para desenvolvimento, especialmente considerando que era uma técnica advinda de um ser divino.
Ao executar o lâmpejo pela terceira vez, ativou discretamente o olho do tirano para analisar seu próprio desempenho, afim de melhorar seu controle sobre ela e o gasto de energia, visando otimizar todo o processo. Ele reparou que na hora de soltar a energia, apesar de ele liberar no tempo e velocidade corretos, ele estava apenas vibrando a energia ao invés de comprimi-la também, o que ele calculou ser a razão do brilho do manequim ser tão discreto, e por tal, acabava liberando um grande clarão de luz e uma estâmpido estrondoso quando executava a técnica.
Ele acumulou a energia mais uma vez na planta de seus pés, observando o processo com o olho do tirano para que pudesse controlar a liberação de energia da forma correta e, quando o fez, aproveitou para mirar sua trajetória na direção de seu oponente que já parecia ter descoberto o truque para rastreá-lo seguindo a trilha de chamas brancas. E a cena a seguir espantou novamente a toda a platéia, inclusive a Kaella que já tinha planos para melhorar o desempenho da técnica.
O que viram foi apenas o chão subitamente ser marcado com um simbolo parecido com um ráio composto de três linhas de chamas brancas e solo derretido, um mero instante antes ouvir o colidir metálico que logo perceberam ter vindo da posição onde se encontrava o alfae trajado em escarlate que agora segurava sua lâmina numa pose defensiva, impedido uma longa adaga negra parecida com uma garra de corta seu pescoço.
Lucet, neste momento, decidiu finalizar este combate o mais rápido que pudera pois sua aura não era ilimitada e ele presentia que necessitaria dela ainda mais nos combates restantes. Ele executou o lâmpejo três vezes em sequência na tentativa de enganar os sentidos do alfae, afinal, ao comprimir a energia liberada, ele concertou o último detalhe e conseguiu reduzir um pouco o custo da energia necessária, eliminando o clarão e a explosão sonora, tornando o seu ataque ainda mais perigoso.
Entretanto, diferente do que ele esperava, os instintos e reflexos do alfae eram aguçados. O alfae foi capaz de notar a trajetória da primeira e segunda linha de chamas brancas, calcular a distância máxima de locomoção e então, prever o ataque do garoto que agora mais do que nunca lhe parecia um verdadeiro desafio.
— Impressionante, meio sangue — ele disse com um sorriso sádico — Após ver a velocidade da sua técnica já havia considerado você como uma ameaça, ainda que pequena, mas agora que mostrou ser capaz de desaparecer desta maneira, vejo que devo levar essa luta ainda mais a sério, sinta-se digno por enfrentar-me em meu melhor, criança corvo, ser derrotado desta forma não será vergonha nenhuma.
— Ora cale a boca seu fóssil preservado! — Lucet retrucou antes de dar um curto salto para trás, dar um passo para o lado e desaparecer ao executar o lâmpejo mais duas vezes num ângulo mais fechado, fazendo um rastro de chamas brancas no formato de um V a esquerda do alfae num piscar de olhos antes de reaparecer na suas costas — Se tivesse falado menos, talvez conseguisse me dar uma luta mais interessante.
O alfae ouviu a voz do garoto vindo das suas costas, porém, por mais rápido que fossem seus reflexos e afiados que fossem seus instintos, ele não foi capaz de reagir a tempo. Lucet deu um salto e agarrou o cabelo do alfae, puxando sua cabeça para trás antes de executar o lâmpejo apenas com seu pé direito e disparar uma joelhada violenta na direção do crânio, desmaiando o alfae num único golpe ao passo que seu corpo e sua espada cairão de frente no chão, inertes e derrotados para o espanto de todos os presentes.