Os Contos de Anima - Capítulo 64
Ainda que tivesse analisado em grande detalhe os hábitos da criatura, tomado o tempo de preparar uma isca e isolar a fera, Lucet não enxergava suas chances como muito boas, especialmente considerando que precisava capturá-la viva e transportá-la a tempo de cumprir sua aposta. Com apenas um dia restando, o garoto precisava se certificar de subjulgar o oponente o mais rápida possível.
Durante sua pesquisa, percebeu que os Meteorhinos são estupidamente fortes e velozes em investidas, contudo, isso não é o caso para viradas súbitas, caso tentem realizá-las, uma queda brusca não é nada incomum. Quando se aproximou, lenta e cuidadosamente liberou sua mana sombria em diversos e quase invisiveis fios, vagarosamente trançando uma forte e resistente corda que aos poucos se materializou ao redor de sua cintura, flutuando enquanto alongava.
Uma de suas descobertas de pesquisa foi que a sensibilidade a mana da fera era ridiculamente baixa, mas, sua percepção a intuito agressivo era muito aguçada. Parte de seu treino com Kaella lhe ensinou a retrair e esconder suas intenções, o tornando um eficiente praticante de emboscadas, o que veio bem a calhar neste momento.
Lucet já estava a menos de vinte metros da criatura. Sua corda aumentava a cada passo ao ponto de que já dera cinco voltas ao redor de sua cintura.
“Deve ser o bastante, mas para garantir…” pensou, fazendo alguns calculos mentais sobre a grossura do pescoço da criatura. Alguns passos depois, o garoto já reduzira a distância a quase dez metros e, ainda assim, a fera não conseguira detectar sua presença e mana.
“Seria muito injusto se além de força, velocidade e uma couraça natural extremamente resistente também fosse capaz de detectar mana” o garoto suspirou mentalmente, seus musculos tensos enquanto materializava e trançava mais fios de mana.
Quando a corda era o suficiente para dar dez voltas em sua cintura, Lucet decidiu que estava na hora de agir, as frutas já foram totalmente devoradas e a criatura estava prestes a se virar.
Com um mísero flexionar de seu dedo, a corda saltou de seu corpo como se estivesse viva, uma serpente de trevas a dar o bote. No instante que o ataque estava prestes a conectar, os instintos da fera finalmente agiram e ela virou a cabeça, porém, era tarde demais para desviar.
Antes que pudesse fazer qualquer coisa, o trançado sombrio conseguiu dar duas voltas no pescoço da criatura e, sob o comando de Lucet, rápidamente realizando um nó complexo que a Alfae o ensinara. A fera guinchou enraivecida. Algo ousara adentrar seu território e lhe atacar, isso demandava retribuição.
Se virando, o Meteorhino pisou duro no chão, produzindo uma explosão que enviou ondas de choque pelo solo, o rachando e fazendo voar incontáveis fragmentos de rocha ao mesmo passo que erguia grandes nuvens de poeira. Lucet não hesitou e ativou o olho do tirano para localizar a criatura em meio ao pó, reforçando sua conexão com a corda para executar sua estratégia.
Foi então que o garoto percebeu um erro crucial em seu plano. Sim, ele precisaria da corda para subjulgar a fera, e nada melhor que uma feita de sua própria mana que lhe dava um controle basicamente absoluto sobre o material. Contudo, nem mesmo a percepção hiper reduzida do Meteorhino era incapaz de perceber a fonte de algo em volta do seu pescoço que não fosse remotamente controlado.
No primeiro instante, a corda fora tensionada ao se esticar, contudo, no momento seguinte, ela relaxou e um som pesado e explosivo rápidamente ecoou. Ao sentir o relaxo da corda, Lucet não pensou duas vezes e executou o lampejo em uma perna, desviando para o lado. A criatura quase o acertou, o vento sendo empurrado numa onda sônica quando a fera acelerou.
Em um piscar de olhos, a corda de esticou novamente e Lucet, que estava ainda tinha pelo menos três voltas de corda em torno da sua cintura sentiu um forte puxão. Por um segundo, seu mundo se tornou um borrão, as imagens se misturando enquanto ele era arrastado pela imensa força do Meteorhino.
Felizmente, ao executar o lampejo, o garoto espalhou a aura da fé por todo seu corpo e, mesmo que tenha sido feito as pressas, esta proteção impediu que seu corpo fosse partido em dois. Porém, sua sorte não durou muito. Antes que pudesse processar o que acontecera, o som trovejante da fera parou.
O rapaz, suspenso em meio ao ar, colodiu dolorosamente de costas contra as placas metálicas que protegiam o corpo da fera. O fôlego lhe escapou os pulmões enquanto traços de sangue subiram sua garganta, quentes e com um distinto gosto metálico. Caindo no chão, o garoto colidiu de joelhos com o solo rachado e tossiu gotículas escarlate enquanto tentava resistir a imensa pressão em volta da sua cintura.
Sentia-se aquecido, estranhamente… vivo. Os anos em coma causaram grandes efeitos em sua mente, ainda que não tivesse notado antes. Sim, era fato de que sua força havia crescido e, graças ao treinamento com Kaella ele recuperara o controle sobre ela, porém, seus instintos de combate haviam diminuido severamente por não enfrentar nenhum perigo real em tanto tempo.
A fera ergueu uma de suas patas para esmagar o garoto. Lucet era capaz de detectar o pulsar de se coração disparado que soava feito tambores em seus ouvidos. O perigo evidente, seu corpo reagiu e rolou para a direita, escapando da pisada apesar de ser atingido com a onda de choque e estilhaços de rocha.
Reluzindo com uma mistura desordenada dourado e cinza, o rapaz tomou vários fôlegos curtos e rápidos enquanto tentava estabilizar sua mente e suprimir as dores. O animal não deixou que ficasse confortável, disparando pisada após pisada na tentativa de destroçar o ser insolente que o incomodava tanto.
O esforço durou vários segundos enquanto o garoto desesperadamente rolava para os lados com a ajuda da corda presa a si. O animal se chacoalhava, tentando se libertar, mas isto apenas deixava a corda ainda mais apertada em volta do seu pescoço, porém, a força do artefato não era nem de longe o suficiente para o sufocar ainda devido as placas metálicas que protegiam sua pele.
Subitamente, a fera se ergueu em duas patas antes de pisar duro no chão. Lucet não teve tempo de escapar da explosão que ergueu diversas rochas, nuvens de pós e causou o formar de uma pequena cratera abaixo da criatura.
O corpo do garoto voou, atravessando o ar por alguns segundos apenas para sentir a corda o impedir de progredir, dolorosamente travando em meio ao ar. Sua coluna protestou com diversos estralos e ondas de dor que o fizeram urrar por um mísero instante antes do ar ser forçosamente empurrado para fora de seu corpo, o deixando mudo.
Pontos pretos começaram a surgir em sua visão quando mais uma vez ele expeliu sangue. As auras ao seu redor diminuíram consideravelmente com o impacto. A fera bufou, suas palpebras semicerradas enquanto avaliava a criatura que sobrevivera um de seus mais poderosos ataques.
O que estava acontecendo? Poucas horas mais cedo, nem mesmo toda uma matilha o fora capaz de arranhar, todos morrendo sem demora a cada avanço que realizava. Então porque esta criatura persistia?
O animal mexeu seu pescoço, sentindo o aperto ainda maior da corda que agora estava começando a levemente atrapalhar sua respiração. O que era isto em volta do seu pescoço? Era uma serpente? Não, qualquer serpente teria morrido. Seja o que fosse, não era algo que conseguia se libertar.
A fera tentou pisotear a corda, laceá-la com seu crifre, morder e até mesmo girar algumas vezes, arrastando o garoto pelo chão feito um monte de panos, porém, nada funcionava. Enraivecido, o Meteorhino chegou a única conclusão plausível. A corda era parte do ser que resistia seus ataques, para se livrar dela, tinha de o exterminar.
E assim, o animal avançou contra Lucet. Porém, desta vez o garoto estava melhor preparado para o avanço. Após buscar um pouco em seu equipamento dimensional, o garoto retirou um frasco com um liquido verde luminoso.
“Não sei se vão aceitar danificado…” pensou enquanto observava a criatura se aproximar, já se posicionando para o combate “Mas não estou com tempo para pensar nisso, vai ter que ser no truque!”
O monstro tentou pisotear o garoto, e como esperado por ambos, ele desviou ao rolar para o lado. A fera não perdeu tempo e ergueu a outra pata, contudo, Lucet comandou a corda a puxá-lo para perto da perna do animal. Ágil como um felino, o garoto se agarrou e, com a ajuda do laço energético, galgou o espaço e alcançou o pescoço do animal, montando-o.
A fera tentou golpeá-lo com sue chifre, jogando sua cabeça para trás enquanto erguia o corpo na tentativa de derrubá-lo, mas, os círculos da corda aumentado em ambos com a diminuição da distância. Lucet esta “seguro” ali em cima, desviando dos ataques como considerável facilidade.
Com os dentes, o rapaz retirou o lacre, a rolha e o selo mágico aplicado no vidro para conter o liquido. A mistura verde fosforecente era perigosa e, se o animal fosse mais fácil de derrubar, não optaria por isso. “Se for apenas uma gota em cada olho, não deve chegar até o cérebro… eu acho”.
O animal guinchou e se ergueu, golpeando com o chifre. Lucet desviou e, com grande destreza, pingou uma gota do liquido em cada olho do animal antes de atirar o frasco para longe. De imediato, nada ocorreu na fera que piscou repetidamente, confusa.
O vidro estilhaçou no solo ao lado. A terra, compacta pelo poder do animal, foi embebida no liquido. Alguns fragmentos de rocha mais acima foram tocados pelo gás liberado pela mistura. Instantâneamente, os fragmentos tornaram-se pó negro fumegamente, um cheiro pungente de ovos apodrecidos e carne decomposta empesteou o lugar.
O solo atingido, por sua vez, começou a afundar e secar ao passo que o liquido reluzente lentamente escureceu e borbulhou. Não demorou muito mais que alguns segundos para que um buraco inimaginavelmente profundo surgisse, sons de gás constantemente saindo dele.
E então a fera urrou de dor. Seus olhos começaram a borbulhar e escurecer, em questão de segundos se tornando marroms e desaparecendo no oco ósseo, pus e sangue vazando do agora oco espaço onde instantes antes estava os globos oculares.
O animal se debateu e lutou, mas a dor era insuportável. Um de seus preciosos sentidos havia sido tomado com grande sofrimento, a fera estava confusa e corria para todos os lados, atacando tudo que pudesse tocar com seu chifre e suas patas.
Pisoteou árvores três vezes mais grossas que o garoto como se fossem gravetos. Demoliu paredes de rocha como se fossem feitas de carvão. Em sua ensandecida fúria irrefreável, o animal mudou o cenário com repetidas investidas.
Lucet conseguia sentir, especialmente pelo uso do olho do tirano, que sua tática havia funcionado. A ferida não era letal, mas era extremamente dolorosa. A fera correria até se cansar e desmaiaria ao passo que o dano ao vale seria extenso, mas isto não era algo que ele pudesse resolver, o importante era capturar o animal, e quanto mais rápido fosse seu colapso, melhor para si.
O garoto reforçou a mana sombria na corda com sua aura da fé, ordenando as energias que privassem a criatura de oxigênio. Demorou alguns minutos devido a forte resistência da besta e seu poderoso corpo, mas, após quase exaurir toda sua energia, os joelhos da fera tremeram e logo tombaram. O Meteorhino foi derrotado.