Os Contos de Anima - Capítulo 75
Lucet sequer teve tempo de processar a frase antes de ver a garota desaparecer. A magia que garantia sua furtividade entrou em ação uma vez mais, apagando quase que completamente os rastros da existência da jovem.
— Sofia! Espera! — ele gritou, em vão, chamando a atenção até mesmo da figura que o aguardava sentada no banco abaixo da sombra da árvore.
A mana do garoto irrompeu ao seu redor formando uma flâmula cinzenta. O jovem não perdeu um segundo que fosse antes de espalhar sua energia no solo dos arredores, rapidamente laceando um raio de dez metros com seu poder. Como esperado, ele encontrou alguma dificuldade em detectar a corvo, mas tinha de elogiar suas habilidades diante desta exibição mais séria.
Mesmo encantando o solo com sua magia para detectar a garota com mais facilidade, fazê-lo fora um tanto complexo. A mana da criatura contratada com a familia de Sofia, Mugetsu, era uma elusiva, capaz de enganar a grande maioria dos métodos de detecção usuais.
As vibrações emitidas por qualquer dos movimentos da corvo era reduzidas a tal ponto que qualquer que a buscasse tinha de prestar tremenda atenção aos sinais, por mais míseros que fossem, advindos do solo e do ar. Ela não parecia respirar, e seus batimentos também eram mascarados e, se ela estivesse flutuando, seria dificílimo de detectá-la.
Em um instante, um terço da distância entre ele e a figura sentada, algo em torno de quinze metros, fora cruzada pela garota. Lucet não tinha mais tempo de hesitar ou pensar. Talvez fosse imprudente batalhar contra a garota, tendo em vista que sua identidade real, bem como as possíveis alianças de Sofia, poderiam ser reveladas, mas, ele realizou um juramento e, infelizmente para esta ocasião, tinha de cumpri-lo.
O garoto moveu sua aura internamente, concentrando, comprimindo e vibrando quase que instantaneamente a energia dourada em seus pés e moveu um do par levemente para cima, tocando o chão em seguida.
“Lâmpejo!” gritou mentalmente.
Seu corpo rasgou o espaço e instantaneamente diminuiu o espaço entre ele e a garota, porém, antes que pudesse guiar a energia para realizar o próximo movimento e sobrepujar a oponente, sentiu as vibrações da garota cessarem e, tampouco a confusão surgira na mente do rapaz, ressurgiram cinco metros à frente dele.
“O que!? Como ela fez isso!?” ele exclamou enquanto executava um segundo avanço, ressurgindo três metros depois apenas para acelerar ao máximo o processo e disparar novamente.
Ele não tinha tempo o suficiente, a garota se tornara muito mais rápida do que ele poderia prever e, furtiva desta maneira, não tinha certeza se a cliente tinha medidas de proteção suficiente para lidar com a corvo antes que ele as alcançasse. Se ele falhasse, não apenas falharia a missão como uma crise global poderia ocorrer, bem como punições do contrato que fizera com os Alfae.
“Merda! Preciso ir mais rápido! Vamos Lucet, você tem alguns instantes entre a vida e a morte, faz alguma coisa! Se ao menos tivesse alguma coisa que fizesse ela parar ou pelo menos desacelerar o bastante para eu chegar até lá”
Entre as tempestades neurais que enxurravam a mente do garoto, uma memória curiosa ressurgiu. Lembrou-se do seu primeiro encontro com Forscher & Gasthaus, os Gnoma de Aeter Adamas, onde tivera de lutar contra vinte guerreiros Gnoma, improvisando para não revelar sua mana.
Dois movimentos se sobressaíram entre as memórias. Um deles foi o vórtex de chamas que criou ao usar os pés como propulsores para girar em alta velocidade, o segundo foi o ataque desintegrador que utilizou para demolir os equipamentos dos gnomas, e então, como se uma luz acendesse em sua mente, ele formulou um plano.
Lucet rapidamente acumulou aura em seu braço, focando nos aspectos do poder. Vibração podia criar e alterar a propulsão enquanto que a liberação imediata, ou seja, a explosão era o que comandava o disparo de energia que produzia a velocidade alucinante. Contudo, sem a compressão, não era possível atingir qualquer resultado pois apenas vibrar e liberar a energia apenas causaria uma flâmula caótica.
De certa forma, era correto pensar que a compressão transformava o fogo em um genuíno e poderoso disparo de aura. Assim como fizera antes, se Lucet acrescentar mais um ingrediente, direcionamento, como fizera no vórtex, e modificasse as etapas, ele seria capaz de executar algo completamente.
O jovem neste momento se sentia como se estivesse imerso no poder contido em seu olho, o tempo se movia mais devagar e ele conseguia pensar mais rápido que jamais fora capaz, porém, sem a enxurrada de informações.
“Tem que ser rápido e forte o bastante para a atrapalhar, mas não forte demais…” Ele pensou enquanto seu cérebro corria por dezenas de cálculos e simulações mentais.
Neste momento expandido, Lucet formulou e reformulou dezenas ou até centenas de vezes a frequência correta de vibração, o ângulo do direcionamento, a força da liberação e a quantia de compressão necessária. Ele queria impedir Sofia de agir, mas não desejava matá-la, não sem antes ter certeza do que ela acreditava e pensava, e especialmente não de uma forma tão covarde como um ataque pelas costas.
De repente, frações de segundo antes dele liberar o ataque que havia imaginado e aperfeiçoado, o jovem sentiu um pulsar vindo do amuleto que descansava em seu peito. Uma breve e quente sensação o acometeu antes de um riso breve e uma informação surgir em sua cabeça.
“Jornada do Punho Real: 1ª forma: Estrada da Vitória?” ele ponderou, rindo mentalmente “Não tem como ser mais adequado!”
Lucet sentiu a energia se esticar e a comprimiu, imaginando-a como uma barra, as vibrações servindo para a agitar, entretanto, mantendo sua forma. Em seguida, o garoto dobrou a força da compressão, sentindo seu braço protestar com o esforço, contudo, a barra lentamente foi refeita, tornando-se um pistão, a energia sendo dividida em duas etapas de liberação.
— EU MANDEI VOCÊ ESPERAR! — ele berrou e então, abrindo a mão, golpeou para baixo, os dedos e palmas direcionados horizontalmente.
Cortando o ar, Lucet golpeou a terra, disparando a primeira onda de energia que fez os dez metros de solo reforçado ao seu redor vibrarem, rachando com a pressão da energia reluzente inserida nele e, por um momento, fez os passos de Sofia pausarem, desconfiados de algum esquema.
Entretanto, antes que a garota pudesse se virar e questionar o ocorrido, o corvo então cerrou seu punho e socou a terra com mais força, girando o ataque no processo e disparando a segunda onda.
Na primeira parte do ataque, o solo ao redor rachou e numerosas partículas de luz se ergueram do solo, como se vapor dourado estivesse escapando das rachaduras, porém, no advento da segunda liberação, uma grande dourada partiu o solo, rastejando em instantes feito uma serpente de luz.
Sofia pressentiu o perigo e prontamente tentou saltar no intuito de desviar, mas, ainda que conseguisse avançar de maneira imprescindivelmente veloz e misteriosa, o resto de sua agilidade não era tão bem desenvolvida.
Mal seus pés haviam deixado o solo tentando desafiar a gravidade quando a fissura a alcançou e, subitamente, uma torrente de luz dourada irrompeu das profundezas como um poderoso gêiser, golpeando a garota com um potente, mas não destruidor, jato de aura que a lançou no ar, forçando-a a reaparecer, ambos corvo e lança, ao virar piruetas no ar para se estabilizar antes de cair a alguns metros para o lado.
O esperado dessa situação era que Lucet se virasse para Sofia e questionasse seus motivos, mas o garoto não daria chance para tais discursos terem lugar em um combate tão decisivo quanto este. Sem perder tempo, o garoto imediatamente executou mais dois lampejos, se aproximando da cliente rapidamente antes de se posicionar entre ela e Sofia.
— Sofia… — ele comentou friamente, acalmando a energia galopante dentro de si, focando em recuperar um pouco do seu fôlego — O que é que você pensa que está fazendo? — descendo a mão a sua cintura, o garoto sacou sua garra, erguendo-a até a altura do rosto, seu corpo tensionando, abaixando sua postura levemente — Quer me explicar porque está atacando minha cliente, a princesa de Lumina, Luna Regios?
A comoção assustou a todos os presentes, e obviamente, Luna não saiu imune deste efeito. Diferente da vestimenta combativa em que a vira da última vez que se encontraram, desta vez a princesa trajava uma vestimenta mais casual, um vestido branco de mangas abertas que expunham os ombros e parte do busto, estendendo-se até uma altura minimamente acima dos joelhos, um cinto de couro adornado com detalhes em ouro e uma gema escarlate decorando e destacando sua cintura.
Em seus braços, usava braceletes prateados, cada um com uma gema verde e runas inseridas nele. Nas pernas, usava sandálias de couro, tornozeleiras acima com algumas gemas minúsculas complementando o design. Lucet facilmente detectava o fluxo mágico dos itens discretos, porém, definitivamente mágicos.
Seu cabelo estava solto, os fios pálidos feito a neve parcialmente colocados por sobre os ombros os ombros, enquanto o resto descia até a metade da sua costa, mexas disposta de tal forma que mostravam suas rolhas e a franja organizada de tal maneira que dava um destaque ainda maior ao seu belo rosto afinado feito um felino enquanto que seus olhos violetas demonstravam visível confusão.
— Lucet? — questionou a princesa, já direcionando uma mão a gema de sua cintura, sacando de seu equipamento dimensional a varinha branca de madeira retorcida com uma gema escarlate na ponta — O que está acontecendo?
O garoto, contudo, não respondeu, ao invés disso, ele direcionou uma questão a ela que, para alguém de sua inteligência, rapidamente explanou toda a situação.
— Você está ferida?
Compreensão adornou a face de Luna que prontamente se ergueu, se posicionando ao lado do garoto.
— Não, agradeço por ter me protegido — ela disse ao chacoalhar a cabeça — Se não tivesse agido, não tenho certeza se as defesas que carrego seriam capazes de resistir um ataque destes.
Sofia então apontou a lança na direção do par, sua voz demonstrando clara indignação enquanto reclamava.
— Não, não! — ela balançou a cabeça negativamente — Me diga você o que está fazendo ao lado de uma — e na próxima palavra sua voz esfriou consideravelmente — elfa imunda como essas? Você é um humano! Até usa o poder da santa congregação como os bravos paladinos e o meu mestre!
As palavras da garota confirmaram suas suspeitas e, infelizmente, ela já havia sido doutrinada pelos caminhos separatistas daqueles fanáticos maníacos. O garoto suspirou e então chacoalhou a cabeça.
— Honestamente Sofia… — ele disse um tanto desanimado — Tinha esperanças de que não fosse tão retrogradas, mas, pelo jeito já foi infectada pelos ensinamentos de Puritas — sua mão abaixou um pouco, seus ombros e costas se curvando por um instante antes de se erguerem novamente, o garoto direcionando sua vista diretamente ao lugar onde estariam os olhos da oponente — Você sequer sabe que espécie de coisas sua pontifícia faz?
— Do que está falando Lucet? — ela retrucou em confusão — Todos que usam o poder do verdadeiro deus sabem da santa missão da senhora de Puritas, limpar a terra dos hereges e não humanos com suas selvagerias e profanidades!
Cada frase que saía da boca da garota demolia um pouco mais da esperança que ele sentia em relação a ela. Ele queria acreditar que ainda havia algo da pessoa que conheceu anos atrás, mas pelo jeito, nada restava. Em uma última súplica, Lucet tentou uma última vez.
— E você acha de verdade que eles estão certos? — ele falou com uma voz angustiada — Não sabe o que fizeram com Elysium?
— Elysium? — ela disse em um tom pensativo — Ah! O falso paraíso! Claro que sei! Meu mestre se infiltrou no ninho e colocou um rastreador em um herege meio-sangue que feito o verme ridículo que era, prontamente entregou a localização do seu — e nesse ponto ela não pode conter um leve riso recheado de prazer doentio — santuário, depois disso, a santa representante enviou os Iscariotes e até mesmo atacou pessoalmente, demolindo o lugar, antes de, com o sacrifício dos bravos paladinos, derrotar o líder daquela escória.
Por um instante, o corpo de Lucet tremeu. Instintivamente, sua mão esquerda se moveu até o ombro direito onde repousou por alguns momentos. O garoto respirou profundamente, tensionando seu corpo uma vez mais, raiva aquecendo suas veias enquanto sentia a energia retornar ao seu corpo, fluindo como uma tempestade irrefreável.
— Ainda bem que sabe — ele disse, seu armamento reposicionado a frente do rosto, a voz repleta de frieza — Assim não vou ter que sentir tanta culpa.