Os Contos de Anima - Capítulo 82
Circulando sua mana, a alfae manifestou seu poder de forma tão súbita que fez o garoto tropeçar para trás. O ato obviamente causou com que a lâmina em que a mulher se equilibrava tremesse, falhando como uma plataforma estável. Isto, contudo, não foi um problema para ela que saltou antes que a arma pudesse se mover.
Pousando sobre a cabeça do garoto, a figura saltou uma vez mais quando ele tentou agarrar seus calcanhares, aterrissando atrás dele, desferindo um golpe contra sua nuca, no intuito de nocauteá-lo, sua mão revestida de uma densa camada de mana.
— Hora de dormir, criança.
Lucet respirou com força, a aura escarlate ao redor do seu corpo inflamando agressivamente, impedindo o progresso do membro por tempo o suficiente para que ele pudesse girar a cintura, desferindo um chute traseiro mirado no estômago da oponente, a aura sanguínea institivamente projetando um espinho na ponta.
Posicionando uma espada curta, ela concentrou energia no objeto, erguendo uma defesa apressada, felizmente, o movimento do garoto fora igualmente improvisado, por tal, as energias se cancelaram e a defesa foi bem sucedida. A mulher agiu rápido, executando uma rasteira que prontamente levou o garoto ao solo.
Ele, entretanto, aparou a queda com seu braço, se jogando para o lado, rolando e virando o tronco para frente, podendo observar a figura com mais clareza. O meio-sangue então contraiu o corpo, aproximando as pernas antes de jogar energia para seu braço, apoiando-se nele, empurrando a estrutura para cima, desferindo um chute duplo.
Com um simples passo, a mulher girou o corpo minimamente para a esquerda, desviando do ataque antes de carregar energia na palma de suas mãos, mirando o rosto ascendente do jovem. Tal como ele fizera com a grande besta, suprimindo sua consciência, a mulher tentaria realizar o mesmo feito.
O garoto, entretanto, esperava um contra-ataque no instante em que armou sua ofensiva, por tal, cortou o ar com sua lâmina, um rastro de vermelho diagonal subindo na direção da cintura da oponente.
Esta, porém, reagiu com destreza, posicionando seu próprio armamento carregado da aura sombria a frente do golpe, aparando, ininterrupta em seu ataque. No último segundo Lucet inclinou o pescoço para o lado, desviando da palma. Ele então torceu o corpo, mirando um chute diagonal na cabeça da oponente.
Sem escolhas, a figura agiu rápido e retesou, dando um breve salto para trás, escapando da ofensiva. O garoto colidiu com o solo de uma maneira um tanto brusca devido ao seu posicionamento aéreo, soltando um fôlego dolorido ao cair, porém, a situação o urgia, e por tal, no momento em que a oponente avançou contra si, ele já estava posicionado para responder ao ataque.
Por estar agachado, Lucet saltou em direção ao ataque, erguendo sua lâmina, desferindo um corte horizontal que deixou um rastro no ar. A mulher respondeu com agilidade, saltando sobre o ataque antes de girar e atingir um ataque com o calcanhar no ombro do garoto que afundou alguns centímetros no solo com o impacto, abrindo uma pequena cratera.
Entretanto, ao invés de desanimado, a figura avistou um sorriso crescendo no rosto do garoto quando ele abandonou o equipamento, usando seu braço para agarrar a perna que o atingira com toda a força. A espada começou a cair, nesse espaço de tempo, a mulher agiu, girando o seu corpo para desferir um chute horizontal, mirando o crânio do meio-sangue.
Este, porém, foi mais veloz, dobrando as costas para desviar do golpe, sem largar o calcanhar que capturara, puxando-a em seguida antes de joga-la contra o solo. O impacto foi audível, forte o suficiente para expulsar o ar dos pulmões da oponente, a desconcentrando e bagunçando seu fluxo de energia por tempo o suficiente para que pudesse executar seu próximo ataque ininterrupto.
A musculatura do braço inflou ao passo que a aura rubra reluziu intensamente. O garoto se ergueu antes de girar e arremessar a mulher na direção de um dos soldados rubros que estava começando a demonstrar dificuldades em lidar com seus oponentes. A colisão foi estrondosa, chamando a atenção de todos os guardas, barulhos como centenas de sinos tocando simultaneamente ecoaram por um momento ao passo que armamento e armadura colidiam uns nos outros.
Este lapso de atenção os custou caro, dando oportunidade para que os soldados abrissem caminho entre os oponentes, escapando do isolamento forçado, imediatamente reagrupando com seus companheiros antes de criar uma formação próxima a Lucet. Este, contudo, não permitiu sequer um único segundo de conforto aos oponentes, declarando:
— Me entregue a verdade!
O mundo tingido de fumo, ruinas e chamas rubras de repente se tornou mais calmo, não azulado como geralmente ocorria quando o olho do tirano era conjurado, mas algo mais próximo a um lilás. Os movimentos dos oponentes desaceleraram severamente, ao ponto que pareciam tentar cruzar um mar, cada ação pesada e demasiadamente lenta.
Seu olho esquerdo reluziu, as funções e aparência regulares sendo modificadas. O que antes era castanho esverdeado se tornou um vermelho dourado, a pupila antes humanoide, um simples ponto preto no meio do órgão, esticou e estendeu verticalmente, se tornando uma fenda, tal como a das feras.
Especialmente feroz nesta ocasião, qualquer que avistasse o olho neste momento sentia uma distinta pressão. Surpreendentemente, até mesmo a formidável oponente que o corvo enfrentara hesitou por um instante quando observou a habilidade, lembrando-se de ocasiões passadas bem como comparando-as com esta nova aplicação.
Lucet inclinou seu corpo, deixando-o cair em direção ao solo, permitindo-se um breve momento para relaxar a grande tensão em sua estrutura. Neste deliberado instante, detectou os tantos danos, a exaustão, as dores que suprimira por pura força de vontade, bem como a incrível e nova energia que agora fluía em si.
Selvagem e tempestuosa, esta habilidade ainda corria descontrolada, fornecendo-lhe grande poder, mas causando uma quantia imensa de danos. Ele notava que sua vida, ou talvez essência, ou mente, enfim, algo em si estava dividido graças a essa nova capacidade, e as múltiplas visões que enxergava eram extensões de sua vontade.
Ainda que estivesse em perigo, rodeado de inimigos, Lucet sentia uma estranha sensação de paz, como se finalmente adquirisse algo que sempre fora seu, mas que estava fora do seu alcance, contudo, mesmo diante disso, sabia que a situação era precária.
O poder rubro apenas crescia, alimentado pela fúria e o combate, tingindo o mundo de vermelho com sua imponência, contudo, o meio-sangue sabia sem precisar analisar muito que o seu corpo não suportaria por muito mais tempo o uso descontrolado dessa energia tão violenta.
Lucet movimentou sua perna, pisando minimamente no solo com a ponta de seu pé, guiando o poder escarlate para a região e, com o mais breve toque e flexionar dos dedos, o garoto disparou em direção aos oponentes. Sem demora, as réplicas realizaram o mesmo movimento, avançando em formação.
Feito uma flecha, a ofensiva dos dez alcançou os oponentes em um instante. O garoto então curvou as costas, firmando o aperto de seus dedos em torno do cabo de sua arma, em seguida flexionando o joelho, abaixando sua postura e então, repetindo o primeiro impulso, encostou o pé no solo.
O corvo saltou, encontrando-se cinco metros no ar com o mais mínimo dos esforços, lâmina próxima ao corpo. Girando o corpo para posicioná-lo na horizontal, o jovem posicionou a arma na extensão de seu braço e rodopiou, usando o poder rubro para acelerar sua velocidade bem como se impulsionar para baixo.
As réplicas não demoraram sequer um instante para executar o mesmo movimento, e então, como dez guilhotinas banhadas em massacre, a ofensiva descendeu, lâminas irradiando um brilho sanguinário.
Os protetores rapidamente ergueram as guardas que eram capazes, auras multicoloridas irrompendo grandes quantias de mana, invocando o poderio dos elementos, imbuindo chamas, relâmpagos, rochas, gelo, água e vinhas em toda sorte de escudos e espadas, prontos para finalmente contra-atacar como deveriam ter feito desde o início. A figura distorcida, entretanto, soltou um comando baixo, quase como um sussurro:
— Ele está sob minha responsabilidade, portanto, acarretarei as consequências e respectivos reparos necessários — ela declarou imperiosamente, seus olhos violetas luzindo com um perigo brilho gélido — Mas, se algum de vocês causar qualquer dano ao meu filho, eu garanto, não escaparam desta praça para contar a história.
Não foi preciso uma segunda ameaça, todas as auras se retraíram ao passo que apenas restaram o grupo de guardas segurando seus escudos, tencionando seus corpos para o inevitável impacto, porém, diferente, da expectativa, o ocorrido foi severamente mais impressionante.
A figura cerrou os olhos, respirando profundamente antes de sussurrar.
— Você já jogou a vida fora uma vez para salvar a minha — ela disse em um tom auto depreciativo, como se estivesse recontando uma triste piada — Diante disto, o que é revelar um segredo?
Em instantes, mais rápido que o descender das lâminas, a aura sombria se espalhou pelo solo, preta e viscosa como o celeste domo noturno apenas para no momento seguinte disparar em direção aos céus, engolindo todos que estivessem próximos na mais pura escuridão que prontamente ergueu um gigantesco domo de trevas que cobriu toda a praça e partes de alguns prédios próximos.
As lâminas colidiram por fim, mas não foi ouvido qualquer som metálico ou sequer um grunhido de desconforto que fosse. Ali, os soldados rubros e os guerreiros existiam ao mesmo tempo, no mesmo espaço, ilusórios e ininterruptos uns pelos outros.
Lentamente, os seres foram se tornando translúcidos, sua existência diminuta, quase imperceptível e, para todos os efeitos naquele espaço sombrio, irrisória. Entretanto, Dois ainda permaneciam, intactos diante dos efeitos do estranho e novo poder.
Em situações usuais, Lucet ficaria apreensivo e curioso, buscando aprender mais sobre o que o rodeava, mas, aquele não era o momento. O olho do tirano não era capaz de investigar nada, afirmando que o poder era superior a capacidade atual do usuário, algo indetectável diante do poderio atual do garoto.
Nos próximos instantes, múltiplos brilhos sanguíneos se aproximaram pelo solo, adentrando o meio-sangue através de raízes rubras instaladas no solo, logo, sentiu força retornar a si ao passo que suas nove percepções extras se desfizeram.
Seus músculos foram revigorados, suas juntas e mente restauradas a ponto de que não sentia mais dores, o esforço de estar separado agora não mais pesando em sua estrutura. O jovem respirou fundo, apreciando por um instante o fato de não experienciar mais a bizarra sensação de ter sua consciência dividida em tantas partes.
Junto com o fim das dores, Lucet notou que a confusão da sua mente estava se dissipando. Diante da escuridão que a tudo consumia e apagava, até mesmo suas memórias eram capazes de prevalecer, e para seu alivio, o cenário que tanto lhe causara aflito fora desmontado, lentamente desaparecendo como névoa diante de uma suave brisa.
As imagens distorcidas e os risos provocativos se aquietaram e, no meio de uma aparente infindável treva, ele se sentiu calmo, tranquilo como se sempre pertencesse ao local. Nele, o garoto se viu diante de uma figura cuja sua memória sobre era muito vaga, mas ao avistá-la, identificou imediatamente, se ajoelhando quase que no mesmo instante.
Essa a sua frente era uma cuja a existência era imensurável. Era impossível dizer se ela fazia parte da escuridão ou se a treva é que nascia dela, mas uma coisa era certa, diante dela, qualquer outro poder sombrio não passava de uma piada.
Era uma mulher alta de pele pálida que trajava um vestido negro sem mangas que cobria até seus tornozelos, mas com uma elegante abertura lateral que partia do meio de sua coxa direita. Seus braços eram longos acompanhados de mãos igualmente longas com pele suave e unhas negras afiadas que mais pareciam pedras de Ônix polidas e presas aos seus dedos.
Em seus pés, botas alcançando até a parte baixa do joelho e terminando num design triangular que faziam as botas parecerem peças de um conjunto de uma fina e bela armadura negra. Seu cabelo era longo e escuro como a noite de um céu sem estrelas, alcançando até sua cintura que dançavam na imagem como sombras liquidas.
Seu rosto era angular como o de um felino e suas pupilas eram em fendas tal como a de um, porém, ao invés de se mostrarem coloridas como toda pupila felina que Lucet era capaz de se lembrar, estas eram cinzas, sem um traço sequer de cor, mas com um formidável e magnético brilho, acompanhados de cílios longos que realçavam ainda mais sua beleza.
Adjetivos faltavam que descrevessem o quão esplêndida era a figura diante de si, e ainda assim, o poder que irradiava era igualmente assustador. Lucet curvou as costas em reverência.
— Lady Noctis, é uma honra conhecê-la.