Pacto com a Súcubo - Capítulo 100
O corpo do alquimista Flamel ainda estava no mesmo lugar, caído sobre o chão, com a cabeça esmagada e a marca do sapato de Clara carimbada nos miolos. Algumas moscas sobrevoavam, farejando a carne morta onde pudessem pôr seus ovos.
No térreo, havia vários corpos de policiais, com as partes íntimas estouradas e vazando sangue.
Um deles ainda estava vivo e se arrastava no sangue, tentando chegar à saída. Mas não teve forças, então apenas pegou o comunicador da cintura e falou com voz fraca:
— Ajudem… ajudem…
Clara e Jéssica estavam no camaro branco, fugindo da polícia, que as perseguia pela cidade.
Ao lado do corpo de Flamel havia dois homens em pé. O rosto deles era idêntico ao do alquimista, como se fossem clones ou irmãos gêmeos.
Possuíam olhar neutro. Vazio. Sem qualquer sentimento.
— É uma pena. Ele era um dos primeiros — disse um deles, em francês.
— Um dos mais defeituosos, você quer dizer. Era um daqueles que sentia… você sabe… saudades.
— Todos esses da primeira geração sentem. Não é culpa deles, coitados. As lembranças e sentimentos do Original passaram pra eles. Tiveram azar.
— Verdade — disse um dos clones do alquimista, com um olhar triste no rosto. — Defeituosos.
— Vamos logo. Temos muito trabalho.
Os dois foram até o escritório e pegaram o HD do computador. Pegaram os cadernos e o quadro branco onde tinha as anotações. Na oficina, pegaram alguns ítens importantes.
— Ei, o que é isso aí na sua mão?
O outro mostrou o livro.
— “Cem anos de solidão”. Eu gosto desse livro.
— Sabe que não devemos levar nada supérfluo.
— Literatura não é supérfluo.
O outro deu de ombros.
— Que seja. Só garanta que isso não ocupe o espaço de nada importante.
Após isso, subiram as escadas até a cobertura, onde tinha um heliponto com um helicóptero estacionado.
Entraram no helicóptero e decolaram.
Enquanto sobrevoavam a cidade, viram uma fumaça preta subindo às nuvens. O Shopping da cidade estava em chamas. Os bombeiros lutavam bravamente contra o fogo, mas estavam claramente em desvantagem. Era uma cena de desespero.
— Esta cidade também está à beira do colapso; assim como a minha; assim como a sua — disse um dos Flamels, que guiava a aeronave.
— Acho que o mundo inteiro está — respondeu o outro, folheando o livro e sem tirar os olhos das páginas. — O Original já percebeu. Por isso nos chamou de volta. Ele está mais cauteloso.
Depois de algumas horas de voo, chegaram ao mar, que sobrevoaram mais um tempo, e então finalmente chegaram àquele enorme Porta-Aviões.
Pousaram no heliponto ao lado de outro helicóptero, e desceram.
Foram recebidos por muitos outros, dezenas, talvez centenas de outras pessoas com o mesmo rosto. Eram todas cópias do Nicolas Flamel original.
Do parapeito do Porta-Aviões, subiu as grandes placas metálicas, como paredes, e envolveu toda a embarcação, vedando-a completamente, transformando-a num casulo de metal totalmente lacrado.
— Vamos submergir! — disse uma das cópias.
O Porta-Aviões tinha se transformado num submarino gigantesco.
E o Nicolas Flamel original, em seu assento, bebeu de seu vinho português envelhecido e degustou de sua carne sintética produzida nos laboratórios.
Ele governava aquele exército de clones como um rei. E sabia que dentro dessa fortaleza de metal submersa, estaria seguro mesmo frente ao apocalipse que se aproximava.
*
Angélica e Baalat sobrevoavam os prédios, seguindo os sinais daquele feitiço que tinha puxado Abigor. Eram vibrações sutis no ar; aromas quase inexistentes, mas ainda perceptíveis para os sentidos apurados das duas.
Cruzaram a distância de várias cidades e já tinham saído do Estado.
O sinal foi ficando cada vez mais forte conforme se aproximavam e, quando chegaram naquela cidade com formato de avião, os traços deixados pelo feitiço ficaram tão intensos que até seres com menor percepção notariam.
Viram de longe a origem do feitiço: um prédio de arquitetura arrojada. Duas torres se erguiam ao centro, e havia duas estruturas dos lados em formato de abóbada. Uma era côncava; a outra, convexa.
No jardim, um gramado com um lago completava o cenário.
— Cuidado! — Baalat segurou Angélica, que parou bruscamente, de maneira desajeitada.
— O que foi?
— Uma barreira.
Baalat tocou a palma da mão naquela barreira invisível, e sentiu a pele formigar. Se colidissem nela, até mesmo elas poderiam se machucar.
— Ali! Tô sentindo o cheiro de energia hermética! E da forte! Tá vindo daquele prédio com formato de prato! — disse Angélica.
— Sim. Também senti.
Baalat aguçou os ouvidos, mas não conseguiu ouvir nada além de alguns ruídos abafados, como vozes debaixo d’água.
Angélica tentou usar seus tentáculos de sombra, mas quando eles tocaram a barreira, a garota sentiu tontura e ouviu o som de energia elétrica, e então um estalo alto machucou seus ouvidos e algo a repeliu. Ela foi jogada para longe, com fumaça saindo de sua pele.
Baalat bateu a asas rapidamente e pegou sua irmã no ar.
— Aí, eu tô com dor de cabeça! — disse Angélica.
— Não toque na barreira. Eu tive uma ideia.
Havia alguns guardas andando nos arredores do prédio. Baalat prestou atenção num deles que tinha se afastado e ido para um canto entre duas paredes, e abriu o zíper.
— Urg! Que nojo! — Ela deu de ombros. — Mas vai servir!
Baalat fechou os olhos e respirou fundo.
O homem soltou um gemido de agonia, travou no local, paralisado, e fez uma careta de dor. Seus olhos castanhos mudaram para uma cor esverdeada, e as pupilas se contorceram até ficarem no formato fendido, como olhos de serpente.
— Oh! — Angélica ficou surpresa. O talento que sua irmã tinha para possessões era incrível.
A cabeça do homem girou 365 graus e ele, se movimentando de um jeito estranho, todo torto e desajeitado, começou a subir a parede de uma das torres centrais, escalando como uma aranha.
Subiu vários metros, até uma das janelas, e olhou para dentro.
E Baalat viu, através daqueles olhos de serpente, que Abigor estava num dos cantos da sala. O demônio parecia um bocado acuado, e nervoso, talvez até assustado.
Tinha vários outros homens e mulheres em volta. Era algum tipo de reunião. E todos eles olhavam para um homem no centro da sala que usava uma armadura imponente, e tinha uma longa espada presa nas costas, e ao lado dele, havia um cavalo de crina vermelha. E, das ferraduras do cavalo, sangue escorria e formava uma poça no chão, mas o animal não estava machucado.
E assim que Baalat olhou para o homem, os olhos vermelhos dele olharam diretamente para ela. Não para o guarda possuído na janela, mas para a garota voando a alguns metros controlando a possessão. Ele viu Baalat.
E a filha de Lúcifer se arrepiou toda, como alguém que vê um fantasma, e a possessão foi interrompida.
O guarda despencou do alto e se espatifou no chão, com um som de “plóft”, e se quebrou todo.
— Baalat?! — Angélica franziu o cenho, horrorizada, vendo que sua irmã estava tensa. — O que foi?
— Temos que ir! Rápido!
Baalat puxou sua irmã e bateu as asas rapidamente, rasgando as nuvens.
— Por quê? O que aconteceu? O que você viu?
— Temos que avisar nosso pai. O Diabo precisa saber que ele voltou!
— Ele quem? Quem voltou? E nosso pai… ? Ele está no meio do jogo agora. Aquela disputa milenar com “Deus”. — Angélica, ao citar o Criador, fez uma careta de desdém.
— Talvez seja uma boa ideia avisar Deus também!
Palavras do autor:
Palavras do autor: a partir de agora iniciamos um novo volume. Muito obrigado a todos que estão acompanhando a novel. As coisas vão ficar ainda mais intensas daqui pra frente. Não se esqueça de avaliar os capítulos e deixar seus comentários. Isso me ajuda.