Pacto com a Súcubo - Capítulo 105
À meia luz do quanto, Renato observava as meninas dormindo. Tinha um olhar preocupado.
Estavam as três na mesma cama. Jéssica e Mical que estavam inconscientes desde a hora em que desmaiaram no Priorado; e a demi-humana que não abria os olhos desde que pisara na Terra pela primeira vez.
A Pedra Fundacional estava pousada sobre a barriga dela, na região do Chakra Umbilical.
Renato não tinha capacidade sensorial para perceber o efeito da pedra, mas quando olhava para ela tempo demais, sentia sua nuca formigar.
— Vai dar tudo certo. Tenho certeza. — Suspirou e se espreguiçou.
Nessa hora, chegou uma mensagem em seu celular.
Ele leu a mensagem e:
— Oh! Ele chegou!
*
— E aí, trouxe o negócio? — perguntou Renato, assim que abriu o portão.
— Trouxe — respondeu Hiro. — A parada tá no carro.
Renato viu a camionete estacionada num local próximo.
— Roubou o carro do seu pai de novo?
Hiro deu de ombros.
— Ele nem vai perceber mesmo.
Entraram.
Subiram as escadas até o último andar, onde ficava a sala de estar. Lá, ligaram a tv e conectaram os cabos apropriados para fazer o videogame funcionar.
— Dessa vez você tá ferrado, Renato! Não vou ter piedade!
— Vai escolher Rugal?
— He! He! He! Passei semanas treinando os especiais dele! Você tá ferrado!
— Vai escolher Rugal, seu covarde?! Pois eu vou bater no seu Rugal usando a Mai. Vai ser sua maior vergonha!
Hiro gargalhou tanto que quase deixou sua coca cola derramar no chão.
— Acha mesmo que tem alguma chance usando a Mai?
— Espere pra ver!
Renato pegou algumas batatinhas da bandeja na mesinha. Tinha um olhar confiante.
Alguns minutos depois:
Renato prostrado no chão, abatido, completamente sem esperanças.
— I-impossivel. Não consegui ganhar nem uma vez!
Hiro riu feito um vilão de filme.
— Tá vendo! Me desafiar no The King of Fighters foi um erro. Eu sou o melhor!
— Maldito! Espere pra ver! Vou com Athena no meu trio dessa vez!
— Beleza, beleza. Vai perder de novo. Mas agora, como você perdeu a última partida, é você quem vai fritar mais batata pra gente! E me traz mais coca porque a minha acabou.
— Grr! Na próxima eu vou ganhar.
Renato se levantou.
— Ei, quero ir ao banheiro! Onde fica?
— Só pegar aquele corredor — gritou Renato, da cozinha, enquanto travava uma batalha contra a panela de óleo quente, que borbulhava e respingava. Usava a colher como espada e a tampa da panela como escudo.
Quando voltou, Hiro foi até a cozinha e pôs a mão sobre o ombro do amigo.
— Renato, você, por acaso, cedeu finalmente a seus instintos criminosos e sequestrou três garotas? — Ele tinha uma aura sombria nos olhos.
— O quê?
— Eu estava procurando o banheiro quando vi. Renato, eu sei que você nunca foi popular com as garotas, mas se tornar um criminoso é um pouco demais…
— Não é isso! Elas… elas são minhas amigas! Sabe… elas até foram na festa junina daquela vez, lembra?
Hiro franziu o cenho.
— A única coisa que lembro daquele dia é do Jonathan surtando e metendo o louco.
— Ah, pois é… elas só estão dormindo. Eram elas que estavam comigo naquele dia que você foi me buscar lá no Pinga Dourada.
— Sei… não vou ligar para a polícia… ainda.
— Agradeço por isso. — Um sorriso nervoso surgiu nos lábios de Renato.
Hiro encheu a mão com batatinhas e enfiou na boca.
— Mas “shabe” — disse ele, com a boca cheia — não me “shurpreenderia” — mastigou e engoliu — se você se tornasse um criminoso.
— Não era você que tinha uma coleção de canetas roubadas no quinto ano? Quem tem o histórico criminal aqui é você, Hiro.
Renato despejou todas as batatinhas na bandeja e voltaram para a sala.
Hiro pôs mais algumas na boca.
— Tá sem sal. E não foi você que colocou uma salsicha podre no estojo daquela menina? — Hiro tinha um olhar acusador.
— A ideia foi sua. Eu só tive coragem de fazer.
— Hum… verdade. Ela também mereceu. Ela sempre caguetava a gente. Era uma x9.
Voltaram pra sala enquanto relembravam coisas que já tinham aprontado na escola
— Vou colocar uma música pra me inspirar! Você vai ver! Agora você vai perder!
Hiro riu.
— Beleza, mal perdedor.
— Kamaitachi! Eu nunca perdi no The King of Fighters ouvindo Kamaitachi!
— Superstição boba! Vai perder agora.
Renato movia rapidamente os dedos, manipulando os botões no joystick. Nem desviava os olhos da tela.
— … ♪ tenho que te apresentar o Bob, ele vem cuidar de mim enquanto tu dorme ♫ ♪… — Ele cantarolava a música, enquanto jogava.
Então:
Hiro prostrado no chão, abatido e sem esperanças.
— C-como pode? Por acaso a música do Kamaitachi te dá algum poder? Magia! Isso só pode ser magia!
Renato estufou o peito, orgulhoso.
— Não, não. Ela só me inspira a soltar meu verdadeiro potencial. Você que é ruim no jogo mesmo! Mal perdedor.
— Desgracado. Só porque ganhou uma tá se achando o bonzão! Vai ver! Coloca a música de abertura do Dragon Ball aí!
— Qual delas?
— Sorriso Resplandecente, oras. Qual mais seria?
Nessa hora, o celular no bolso de Renato tocou. Hiro lançou a ele um olhar de julgamento ao ouvir a música do toque.
— Isso é aquele remix de Racionais e Madoka Mágica?
Renato apenas assentiu e atendeu o telefone.
— Alô, Renato — disse uma voz feminina. Era sensual e provocadora, e tinha certa malícia. — Como você está?
— Quem fala?
— Ah, vai dizer que não se lembra mais de mim? Bem, a gente não se viu muitas vezes, mas ainda assim é meio triste. Afinal, eu te conheço.
— Mais uma vez: quem fala?
A garota riu.
— Tão apressadinho. Deve ser por isso que anda se envolvendo em tantos problemas ultimamente. Aliás, parabéns por derrotar o anjo. Nem o Lukin tinha conseguido isso.
— …
— Engoliu as palavras? Tá surpreso? Tá com medo? Já percebeu quem eu sou, né? Kathzinha linda. Se lembra quando eu te enchi de bala? — Ela riu — Ah, bons tempos.
— Kath. Do Grupo Ivanov.
— Isso! Você lembra!
— O que você quer?
— Sabe, o pessoal daqui desse orfanato é muito simpático. A irmã Clarisse realmente faz um bolo de chocolate que é uma delícia. E as crianças são muito alegres e gostam mesmo de você.
— O que você… tá dizendo… ?
— Esse lugar é incrível. Ainda tô me decidindo quem eu vou matar primeiro. Acho que vou começar arrancando a língua do Raí ou… talvez aqueles olhos azuis da Ana Alice. Será que ele vai tentar proteger a irmãzinha ou talvez ele implore pela própria vida? Acho que não. Eu tô esperando demais de pirralhos. Acho que eles só vão chorar mesmo enquanto escorre catarro do nariz. Talvez uma das cuidadoras tente fazer algo. E se eu começar cortando a garganta de uma delas? Como a outra vai ficar? Isso daria boas fotos, não acha, Renato?
A voz de Kath soava alegre. Era como alguém tentando decidir qual doce comer.
— Fala pra mim, Renato. Como tá sua expressão agora? Tá chocado? Você é daqueles que enruga a testa? Tá chorando? Tá segurando as lágrimas? Ai, só de imaginar já fico… que delícia! Você se importaria em tirar uma selfie e me mandar? Não custaria nada, não é? Por favorzinho, vai!
— Renato — disse Hiro, percebendo a expressão dura do amigo —, o que aconteceu? Quem tá no telefone?
— Não aconteceu nada. E nem vai. Eu não vou deixar.
Kath riu mais uma vez.
— Ah, você é tão otimista!
— O que você quer?
— Quer salvar a vida deles? Então por que não vem até aqui? Estamos te esperando. As crianças querem te ver. E venha sozinho. Se você chamar alguém… eu mato todo mundo antes que você consiga pôr os pés na calçada. Acredite, não seria problema fazer algo assim.
— Se fizer alguma coisa com eles…
— Te espero aqui — finalizou Kath e desligou o telefone.
— Renato, aconteceu alguma coisa? Tá tudo bem? — disse Hiro, ao ver o medo no rosto dele. — A gente é amigo, e não é só na hora do videogame e das batatinhas, não. Se você estiver com problemas, se precisar de ajuda, pode contar comigo.
Renato sorriu de forma resignada e assentiu. Baixou os ombros, abatido, e engoliu em seco.
— Tá tudo bem, Hiro. Eu vou dar um jeito. Obrigado.
Ele se virou para sair, quando parou de repente.
— Eu vou trancar todas as portas e te mandar a senha delas no seu TalksApp. Todos aqueles que podem vir aqui, já tem a senha também, então não abra pra ninguém. Ninguém mesmo, Hiro.
O amigo assentiu e levou a mão à testa, numa continência descontraída.
— Pode deixar, capitão!
— Mais uma coisa… — disse Renato, com voz falhando.
— Pode falar.
— Cuida daquelas três pra mim enquanto eu estou fora?
Hiro demorou para responder, pois nunca tinha visto Renato tão sério antes.
— Pode confiar em mim. Vou cuidar delas.