Pacto com a Súcubo - Capítulo 106
Renato desceu as escadas. Sozinho. Não acendeu as luzes, então andou no escuro. Seu rosto estava quase inteiramente neutro, porém o olhar aterrorizado denunciava o estado de espírito em que se encontrava. Não havia, porém, lágrima alguma. Renato, pensava, tinha perdido todas as lágrimas. Seus olhos estavam secos.
No térreo, que funcionava como estacionamento, observou os vários veículos. Alguns tinham sido destruídos no ataque de Lúkin, mas ainda restavam alguns belos modelos.
A motocicleta CB 600 Honet chamou sua atenção. Nunca tinha pilotado uma dessas. Na verdade, Renato não tinha muita experiência dirigindo veículos, mas sabia o básico.
Foi até o pilar central, que também funcionava como estante para ferramentas, com seus nichos se projetando, e procurou pela chave.
O encontrou, identificado por um desenho da moto junto à chave.
Foi até a moto e ligou a ignição. O farol se acendeu, cortando o breu como uma lâmina de luz.
Renato suspirou e ficou cerca de dois minutos pensativo, olhando para o nada.
Pegou o telefone e ligou para Clara, mas…
*
A força do golpe fez a súcubo bater contra uma parede, de costas. Limpou o sangue do canto do lábio e sorriu.
— Você é forte.
Clara fechou a guarda, em posição de luta, e avançou.
*
Renato suspirou e ligou para Tâmara.
*
O soco bateu forte na boca de Tâmara e quase a derrubou, mas ela recuperou o equilíbrio e cuspiu o sangue.
— Você também.
*
Renato deu partida na moto e ganhou a estrada.
*
Do alto de um prédio próximo, Andrei, o musculoso mercenário, ex subordinado de Lúkin, observava através de um monóculo tático do tipo luneta.
— O garoto saiu — disse num rádio comunicador.
— Certo — respondeu Kath. — Tô esperando ele aqui. Você pode entrar e procurar por aquelas… malditas putinhas. Temos contas a acertar.
— Entendido.
Andrei se levantou e se alongou. Usava roupas pretas de manga comprida, que aparentemente tinha excesso de tecido na área dos braços. Um colete à prova de balas cobria seu peito e abdome, e tinha uma Magnum .44 de um lado da cintura e uma faca do outro.
Ele estalou o pescoço e saltou do prédio.
Quando abriu os braços e separou as pernas, o excesso de tecido se curvou com o vento, como um tipo de membrana, o que diminuiu sua velocidade de queda e permitiu que planasse. Usava um traje planador do tipo Wingsuit.
Conseguiu controlar a direção do voo sem dificuldade nenhuma e pousou dentro do quintal de Clara, sobre o caminho de pedras do jardim.
Bem diante dele estava o chafariz com a estátua do cupido de asas abertas e numa posição pervertida.
Andrei assentiu, admirado.
— Aquele demônio tem bom gosto.
Logo em seguida, olhou para a entrada do prédio e abriu um sorriso sádico.
— Hora de caçar.
*
A cabeça de Renato estava alucinada e, quanto mais nervoso ficava, mais puxava o acelerador da moto.
Cortando pelo corredor, quase colidiu duas vezes, mas tirou de raspão.
Quando o sinal fechou, ao invés de frear, ele acelerou ainda mais. Não tinha tempo a perder. Precisava impedir que Kath fizesse mal àquelas crianças.
Estava disposto a morrer lutando, jamais deixaria que eles fossem machucados.
Estacionou em frente ao orfanato.
— Deus — murmurou —, eu sei que a gente não conversa muito — suas mãos tremiam — mas por favor…
E teve a impressão de ouvir a voz de Arimã rindo bem no fundo de seu cérebro, e foi como se uma sombra se erguesse sobre suas costas. O garoto virou o rosto e não tinha nada.
— Eu tô ficando maluco.
Desmontou da moto e foi até o portão. Sentiu um cheiro estranho. Metálico. Agridoce.
Abriu o portão.
*
Hiro suspirou e coçou a cabeça.
— Esse Renato anda tão estranho ultimamente. Espero que não esteja metido em problemas.
Sentou-se no sofá. Era a primeira vez que sentava num sofá tão macio e chique; e nunca tinha jogado vídeo game numa tela tão grande.
Esticou as pernas, se espreguiçando, e começou a prestar atenção na decoração. Era uma casa enorme e linda. Devia valer alguns milhões.
— Será que ele tá mexendo com negócio de droga… ?
Pegou aquele copo de vidro de cima da mesinha e bebeu mais um gole de coca.
— Ahh, refrescante!
Foi quando ouviu um barulho alto de baque vindo dos corredores que subiam para o terceiro andar, que era onde estava.
E uma luzinha vermelha começou a piscar na parede atrás da tv.
Dessa vez ouviu um estrondo alto, e o chão sob seus pés, juntamente das paredes, tremeram.
— Que merda tá acontecendo?!
Foi quando ouviu os tiros ecoando contra a porta da sala. O invasor tinha chegado ao terceiro andar.
Hiro entrou em desespero enquanto pensava no que fazer.
Pensou em se esconder, em tentar fugir.
Mas não poderia abandonar aquelas três no quarto, afinal, ele prometeu a Renato que cuidaria delas.
Decidiu correr até o quarto, para acordá-las, e assim poderem fugir juntos.
Mas, antes que ele pudesse sair da sala e ir em direção aos quartos, mais uma explosão retumbou, e a porta de metal que mantinha o invasor longe se torceu e voou para dentro da sala, jogando aos ares muitos estilhaços de tijolos e cimento endurecido.
Hiro, no susto, se jogou no chão, tentando se proteger.
E Andrei entrou na sala.
Seus passos eram firmes. Sua aparência era a de um militar, forte, armado, com olhar feroz.
Hiro se levantou.
— V-você?! Q-quem é você?! O que faz aqui?
Andrei olhou diretamente para ele.
— Ei, você não é aquele outro garoto? Que estava no cinema?
Hiro ficou em silêncio, horrorizado, e engoliu em seco.
Andrei continuou:
— Por acaso você não viu duas pirralhas por aqui? Elas meio que são um caso inacabado, entende?
Hiro tinha a respiração acelerada e profunda.
“Merda! Merda! Merda! Eu vou ser trucidado aqui!”
Andrei deu de ombros.
— Não tem importância. Eu mesmo procuro aquelas duas.
E começou a caminhar em direção ao quarto. Mas Hiro fechou a guarda numa posição de luta.
— Não vou deixar.
— O quê? — Andrei tinha um sorriso zombeteiro.
— Já disse! Você invadiu a casa errada! Não vou deixar!
— Ah, é? Não vai? — o mercenário abriu um sorriso.
Andrei, com um movimento rápido, alcançou Hiro e afundou um soco na boca do estômago do garoto.
Hiro se curvou de dor e quase caiu de joelhos no chão, mas Andrei não deixou que caísse, atingindo mais três socos no mesmo lugar.
O garoto só gemeu em agonia.
Andrei o jogou contra uma parede, pressionando-o, e o segurou pelo rosto.
— Olha só pra você… tão fraco.
Atingiu mais um soco, dessa vez no rosto de Hiro. E, mais uma vez, o garoto quase foi ao chão, mas Andrei o segurou. Sangue escorria pelos lábios do garoto.
— Tão fraco. É uma perda de tempo! E não vai deixar? Hã? Acha que tem poder pra deixar ou não alguma coisa?
Dessa vez, ele afundou uma joelhada no abdômen de Hiro. E finalmente deixou que o garoto deslizasse pela parede e caísse no chão.
Ele caiu com o rosto no piso frio. Sua língua estava cortada. Sentia o gosto de sangue. O abdome latejava.
Mas quando aquele homem passou por ele, indo em direção ao quarto, onde as amigas de Renato estavam, ele nem pensou duas vezes. Sabia apenas que deveria parar aquele invasor.
E, usando a mão esquerda, que era a mais próxima de Andrei, Hiro segurou o calcanhar do homem.
— Não vou… — a respiração estava irregular — deixar.
Logo após terminar de falar, sangue saiu de sua boca.
Andrei sorriu. E, com um movimento rápido, passou a outra perna, posicionando-a atrás do cotovelo de Hiro. E girou o corpo.
Um som de “créc” pôde ser ouvido.
O braço de Hiro virou para o lado contrário, e ficou parecendo um v.
— Haaaaaaaarg! — o garoto gritou. Seu braço tinha sido quebrado.
Em sequência, Andrei chutou o rosto de Hiro, e a força do golpe fez o garoto girar.
Ele viu o teto. Sua nuca tocava o chão frio.
O rosto estava dormente. O braço doía mais do que tudo o que ele já tinha sentido. Era uma dor infernal.
Andrei sorriu e se virou, para ir até os quartos.
— Espere! — disse Hiro.
— O quê? — Andrei olhou completamente incrédulo para Hiro. — Mas… por quê?
O garoto tentava se levantar. Meio cambaleante; as pernas trêmulas mal poderiam sustentá-lo. Os músculos do abdome, num tipo de cãibra, se contraiam de forma dolorosa e indiscriminada.
— O Renato é meu amigo! — tossiu, e engasgou com o próprio sangue na garganta. — Eu prometi pra ele que cuidaria delas! Já disse! Já disse… que não vou deixar!