Pacto com a Súcubo - Capítulo 107
A dor no peito retumbou feito um sino de igreja. Parecia que alguém segurava seu coração entre os dedos e apertava até sangrar.
Mesmo que o ar lhe fugisse dos pulmões, Renato precisava seguir em frente.
Desceu da moto.
Respirou fundo.
Abriu o portão.
E o que viu foi…
…nada.
Não havia ninguém no pátio, ou no parquinho, ou pulando nas amarelinhas, e até a capela, estranhamente, estava fechada.
Pegou o celular para ligar de volta para Kath, mas não tinha número para o qual ligar. O remetente da ligação tinha sido ocultado.
— Alguém? — gritou Renato. — Irmã Dulce? Irmã Clarisse? Crianças?
Um pássaro passou grasnando, cortando o silêncio. Foi a única resposta que obteve.
O garoto engoliu em seco e prosseguiu. Passos lentos, porque ele tinha medo do que pudesse encontrar. Mas não podia parar.
Se aproximou da porta, pôs a mão na maçaneta e estacou. Estava silencioso demais. Mal sinal. O garoto, desolado, deixou a cabeça pousar sobre a porta e, com a testa no vidro, ficou por alguns instantes.
“Por que não escuto nada?” Nem um choro; nem voz; nem grito; nem a voz colérica da assassina. Apenas o nada.
Abriu a porta, e diante de seus pés caiu o corpo ensanguentado da irmã Dulce. Sem um dos olhos e com ferimentos de faca por todo o corpo. Ainda estava quente, portanto, ela tinha sido morta há pouco tempo.
E por toda a sala estavam as crianças. Mortas. Brutalizadas de um modo que só um monstro poderia fazer. Nem no Inferno Renato tinha visto cena tão horrenda.
O sangue estava espalhado pelo chão e pelas paredes, como numa pintura de arte abstrata.
O garoto inclinou o corpo e, não suportando o nojo, a repulsa, vomitou. Sentiu a acidez na língua e viscosidade passando pelos dentes. O estômago se contraia, forçando tudo para fora. Era doloroso.
Achou que poria até os órgãos internos para fora. Quando finalmente parou, estava sem forças, esgotado, com a visão turva.
Apoiou a mão numa parede, devido a tontura, limpou os lábios com o dorso da mão, e ficou ali, parado, apenas tentando respirar.
Olhou novamente para sala.
O corpo da irmã Clarisse jazia pendurado de cabeça para baixo, amarrado pelos tornozelos.
Raí, Ana Alice, Kawane… todos.
Kath teve bastante tempo. Mais tempo do que o necessário para ele chegar até o orfanato. Ele soube. Quando falou com ela ao telefone, ela já tinha feito. Nunca houve esperança de salvar ninguém.
O telefone vibrou no bolso.
— Oie — disse a voz alegre de Kath. — Finalmente você chegou! Me deixou esperando! É falta de educação deixar uma garota esperando, sabia?
Renato, atordoado, não conseguiu articular nenhuma palavra. Apenas um gemido fraco, dolorido, escapou de sua boca.
Os olhos, finalmente, depois de tanto tempo, deixaram uma lágrima escapar.
— Tá chorando! Que bonitinho! Eu esperava mais, mas ainda assim é fofo.
— Você… — a voz dele saiu abafada, sufocada na garganta — tá aqui?
— Não, não. É claro que não. — Ela riu. — Mas ainda tô te vendo.
Uma luzinha vermelha brilhava sobre uma estante. Era uma câmera de vídeo.
— Por que não acena pra câmera? — disse Kath. — Preciso de boas imagens.
Renato permaneceu em silêncio, apenas observando aquela chacina terrível. Suas pernas queriam perder a força.
— Por… quê? Por quê?
Era o pior momento de sua vida, equiparável apenas a quando testemunhou a morte de seus pais.
Foi quando ouviu um grito.
— Tio Renato! Me ajuda! Socorro!
Era a voz de Yuri, o garoto adolescente para quem Renato tinha dado as cartas de Yu-Gi-Oh.
— Talvez ainda dê tempo de salvá-lo — disse Kath. — Se você for rápido o bastante.
Renato correu. Mergulhou naquele palco de pesadelo, atravessando a carnificina, sujando os pés no sangue.
Seguiu a voz de Yuri até o dormitório.
Arrebentou a porta e entrou.
E lá estava o cadáver do garoto sobre uma cama. A língua tinha sido arrancada e colocada ao lado do rosto dele. Próximo ao corpo estava o deck de Yu-Gi-Oh sujo de sangue e uma pilha de fotos.
Eram as fotos que Kath aproveitou para tirar enquanto se divertia com aquelas pessoas. Ela registrou tudo. Cada detalhe. E deixou para Renato ver.
Os lençóis estavam encharcados e vermelhos.
— Socorro, tio Renato! Me ajude!
A voz dele veio de uma caixinha de som sobre a cômoda.
— Oi! Renato! — Kath falou ao celular.
O garoto, em estado catatônico, pôs o telefone no ouvido.
A garota riu.
— Eu gravei o áudio dele implorando por ajuda e tive a ideia de usar quando você chegasse. Genial, não é? Sabia que ele morreu achando que você o salvaria? Por algum motivo, ele confiava em você até esse ponto. — Ela riu de novo. — Pobrezinho. Foi o que mais sofreu. Acho que aquela partida de Yu-Gi-Oh não vai rolar, né? Ei, quer ouvir tudo o que eu fiz com ele? Diz que sim, vai! Primeiro eu fiz ele assistir…
Renato apertou o telefone até ele virar pedaços.
Pegou o deck de cartinhas do lençol e limpou o sangue dele.
O corpo estava todo marcado com cortes e hematomas.
Os olhos, ainda abertos, estavam congelados numa expressão de terror.
Renato passou a mão sobre os olhos do menino, fechando-os, e dando-lhes uma expressão mais tranquila.
— Por quê? Não faz… sentido… não faz…
Ele pôs o rosto sobre o chão e chorou de um jeito que não fazia há muito tempo. Inclinado, em posição fetal. A garganta ardia.
— Não! Isso é… minha culpa! Perdão! Perdão! Esse tipo de coisa… não deveria acontecer!
Tomado pela dor, ele socou o chão, e o piso se quebrou, e o chão afundou.
— Não! É cruel demais! Gente inocente não deveria sofrer desse jeito!
E a câmera escondida no dormitório transmitia o sofrimento de Renato através de uma conexão secreta na web, e Kath, deitada em seu sofá confortável, assistia tudo pela tela do notebook, enquanto tocava as próprias partes íntimas, sentindo um prazer gigantesco. Seus dedos mergulhavam em sua vagina, deslizando, massageando o pequeno botão de flor.
Ver o desespero de Renato lhe dava muita satisfação. E quando finalmente chegou ao orgasmo, olhou fixamente para a imagem de Renato em sofrimento, e o cadáver mutilado sobre a cama, e o êxtase foi às alturas.
Finalmente suspirou e relaxou. Pegou um cigarro, acendeu e o levou à boca.
Sentiu orgulho de si mesma por ter tido uma ideia tão maravilhosa.
O plano tinha sido perfeito. Matá-lo não era o suficiente. Ele precisava saber que perdeu. E perdeu tudo. Precisava sofrer para que ela pudesse sentir prazer.
Ela queria que Renato, antes de morrer, fosse destruído psicologicamente.
E tudo estava registrado em vídeo de boa qualidade, então ela podia rever esse momento sempre que quisesse; e selecionar frames para transformar em ótimas fotografias, para deixar emolduradas, não seria trabalho difícil.
Ela pegou o controle sobre a mesinha e hesitou. Queria falar uma última palavra a Renato antes de acionar as bombas.
Mas como ele tinha quebrado o celular, era impossível.
“Eu deveria ter deixado um rádio comunicador no quarto” pensou, chateada.
— Bom, não tem jeito.
Tudo terminaria naquele momento.
Andrei estava encarregado de matar as duas meninas; e ela, de matar Renato.
Andrei era, basicamente, um monte de músculos, porém tinha a inteligência limitada. Por isso, ela tinha deixado a parte mais fácil do plano para ele.
Nem era mais pelo trabalho. O contrato com a Cruz do Atalaia tinha sido cancelado quando Lukin morreu.
Era vingança. Kath odiava assuntos inacabados.
— Não sei qual demônio tá te possuindo, mas não faz diferença. Nem ele vai suportar isso!
Apertou o botão.
O todo o orfanato foi engolido por uma pilastra gigantesca de fogo que se ergueu. Até as casas próximas foram atingidas. Todas as paredes foram reduzidas a escombros lançados no ar.