Pacto com a Súcubo - Capítulo 110
Andrei estava preso à cadeira por cordas. Seus braços, amarrados pelos pulsos, estavam nas costas.
Renato fazia perguntas sobre Kath. Ele queria saber como encontrar a garota. Mas era inútil. Andrei jamais entregaria seus companheiros, não importava quanta dor tivesse que suportar. Ele era leal.
Além do mais, tinha treinamento que lhe permitia aguentar as mais difíceis situações. Já tinha passado por isso antes, e não seria esse moleque a vencê-lo.
E, enquanto era submetido às torturas, ele movia lenta e disfarçadamente seus pulsos, de modo a ir afrouxando o nó aos poucos.
“Vou fazer esse moleque engolir uma granada e explodi-la dentro de sua garganta. Vamos ver se sobrevive a isso.” Maquinava em pensamentos.
No entanto, algo chamou a atenção de Renato. Alguma coisa aconteceu nos quartos, onde as meninas dormiam, e então o garoto deixou Andrei sozinho.
Era a oportunidade que ele queria.
Usando a unha de seu polegar, ele começou a rasgar a pele de seu pulso, do lado da palma da mão. A pele ali era mais frágil, e por isso tinha sido a escolhida para abrigar um pequeno objeto que poderia ser usado em situações de emergência.
Raspava a unha, afundando-a na pele, puxando, cortando. Tinha que ser rápido, pois não sabia quanto tempo teria.
Até que pôde tirar, de debaixo da pele, aquela pequena lâmina. Era do tamanho de um alfinete, mas ainda assim, eficaz. Removeu a fina proteção de silicone da lâmina e expôs o fio extremamente afiado.
Passou a lâmina na corda que unia seus pulsos, e a corda se partiu.
Sem perder tempo, também cortou a corda que envolvia seu abdômen, e, em seguida, libertou seus pés.
Correu o mais rápido que pôde. Estava machucado e, portanto, mais lento do que o normal. Deixava um rastro de gotas de sangue pelo caminho.
Chegou na janela. Estava no terceiro andar daquele predinho. Renato tinha tirado seu colete à prova de balas, mas, por sorte, Andrei ainda tinha sua roupa de planagem no ar, embora um tanto rasgada. Teria que funcionar!
Viu algumas árvores no jardim abaixo e mirou nelas. Elas amenizariam a queda.
Pôs um pé sobre o parapeito da janela e saltou. Abriu os braços, de modo a deslizar no ar e direcionou a queda para as árvores.
— Urg! — Bateu contra um galho e caiu sobre o gramado.
Ficou alguns segundos apenas tentando respirar. A dor no braço era infernal. Todo seu corpo latejava.
Usando a força que lhe restava, se ergueu. Olhou em volta. Correu, mancando, até o estacionamento. Sua perna, ferida, não o obedecia direito e pisava em falso, tropeçando no cascalho.
Bateu a mão sobre a maçaneta de um dos carros. Estava trancado. Tentou mais outro; também sem sucesso.
Foi até o pilar central, onde tinha nichos com ferramentas. No meio do caminho, uma dor aguda lhe atravessou o abdome, e o ar sumiu dos pulmões, então teve que parar um pouco para tentar respirar. Tremia. Sabia que não teria muito tempo. Sua boca formigava e ele tossiu, engasgando no próprio sangue.
Pegou uma chave de fenda e mancou de volta até um dos carros. Teria de ser um modelo antigo, pois os mais modernos lhe dariam mais trabalho.
Escolheu o Mercedes Elegance, ano 1995.
Resistente o suficiente para aguentar porrada e sem módulos de injeção eletrônica.
Ele meteu a chave de fenda dentro da maçaneta e forçou, girando, estourando os componentes internos, até a porta se abrir.
Depois, dentro do carro, ele afundou a chave de fenda no painel, e o abriu, expondo os finos fios coloridos. Andrei sabia quais deveria conectar para fazer uma ligação direta.
E assim o fez. O carro deu partida. Na arrancada, os pneus deixaram suas marcas escuras no chão, e Andrei acelerou em direção aos portões.
Se conseguisse derrubá-los com a força da batida, estaria finalmente na rua e poderia fugir.
Ele sabia que não tinha como lutar contra Renato. Escapar era sua melhor chance.
E, enquanto acelerava, atravessando o jardim, ouviu um estampido. Um som de tiro. E o carro perdeu estabilidade e dançou sobre o chão, arrancando grama e erguendo pedras.
Outro estampido.
O segundo pneu traseiro estourou. A roda de aço deslizou nua sobre a terra.
O para-choque do carro bateu com força no portão, fazendo-o vibrar e produzindo um som alto de estrondo.
Andrei mudou a marcha e, de ré, ganhou distância para tentar arrebentar o portão novamente.
Renato estava correndo até ele, de arma na mão. O mercenário afundou o pé no acelerador.
Bateu o carro novamente no portão, ele novamente vibrou, porém ainda permaneceu de pé.
Andrei acionou mais uma vez a marcha ré. Levou um susto ao olhar pelo retrovisor interno. O sorriso provocador de Clara brilhava à meia luz. A súcubo estava sentada, graciosa feito uma princesa, no banco traseiro do carro.
— O que foi, Andrei? Parece que você viu um fantasma.
Ele tentou golpeá-la com a chave de fenda, mas a súcubo desapareceu em névoa vermelha, e ele golpeou apenas o ar. A ponta ativa da chave de fenda afundou no estofado do assento.
— Uh, quase me acertou — disse ela, do banco do carona. — Que bom que você é lento, senão eu teria problemas.
Andrei viu, no alto do portão, a demi-humana. Seus pés pisavam feito pluma nas pontas de setas que ornamentavam as grades.
Renato alcançou o carro, meteu a mão na maçaneta da porta e puxou, tentando abri-la. O que aconteceu foi que a porta inteira foi arrancada, e ele a jogou para longe.
— Monstros… Vocês todos são monstros… — O olhar do mercenário era de aceitação, um tanto melancólico e perdido no nada.
— Ah, para com isso — disse Clara. — Você já lidou com monstros antes. Não é membro do grandioso grupo Ivanov? Os mercenários que lidam com coisas sobrenaturais? Será que sem seu chefe, vocês não passam de… nada? Tão inofensivo que dá pena.
Encurralado, sem conseguir pensar em nenhuma outra opção, ele escolheu a única disponível. Drástica e sem volta. Ele se recusava a passar pelas torturas que tinham reservado para ele; e também se recusava a falar o paradeiro de Kath. Era leal, acima até da própria vida.
Com a chave de fenda na mão, golpeou, mirando seu próprio pescoço.
No entanto, Renato parou seu golpe, segurando-o pela mão.
— Depois que você me disser onde encontrar a Kath, te darei permissão para morrer. Antes disso, não — falou Renato.
Desesperado e decidido a morrer, mordeu a própria língua, com força, num único movimento rápido, partindo-a ao meio na parte posterior. O sangue quente inundou sua garganta e ele começou a tremer, convulsionando, e, aos poucos, sua visão foi ficando embaçada, e a luz foi fugindo de seu olhar.
A última coisa que viu antes de perder a consciência, foi a garota dos olhos de esmeralda se aproximando.
— Não se preocupe, Renato — disse Mical. — Eu resolvo isso.
*
Um cemitério.
A lua se escondia atrás das nuvens, então a única luz que iluminava os silentes túmulos vinha das lâmpadas amareladas dos postes. Algumas, velhas, piscavam; a maioria já tinha se apagado completamente.
A brisa soprava refrescante e agitava a copa das árvores.
Foi neste lugar, nesta noite, que um grupo de amigos escolheu se aventurar.
Dois rapazes e duas garotas. Um casal de adolescentes inconsequentes procurando diversões sombrias. Estavam sentados sobre um túmulo. Os rapazes, é verdade, só queriam impressionar as garotas.
Ao lado da cruz de concreto que se erguia do túmulo, onde também havia uma foto em preto e branco de um senhor de meia idade, estava a garrafa de vinho pela metade. Era uma garrafa grande, de quatro litros, de algum vinho barato, daqueles que garantem muita ressaca e azia no dia seguinte.
Mas os quatro jovens se divertiam e conversavam alegremente sobre a possibilidade de falar com os mortos.
No meio deles havia um tabuleiro de Ouija.
— Isso é tão excitante! — disse uma das garotas. Assim como sua amiga, tinha maquiagem escura e bem marcada, e roupas pretas.
Os rapazes se entreolharam e trocaram um sorriso discreto, animados com o que poderia acontecer.
Colocaram um copo sobre o tabuleiro e, de acordo com as instruções que leram de um livro comprado numa lojinha de presentes, puseram os dedos sobre o copo e mentalizaram.
— Tem alguém aí? — diziam, juntos. — Alguém nos ouve?
Porém não obtiveram resposta alguma.
Depois de algumas tentativas, perceberam que nada aconteceria.
Mas algo aconteceu.
— Ali! Tem alguma coisa… — disse um dos garotos, apontando para um ponto próximo das árvores.
— Ui! Um fantasma veio te pegar! — disse o outro, gargalhando.
— É sério! Tem alguma… coisa se mexendo no chão!
— Eu não tô vendo nada — disse uma das garotas.
— Deve ser um gato — disse a outra.
— Não é um gato — respondeu a outra. — Agora eu tô vendo!
Uma mão surgiu, saindo da terra, como se um dos cadáveres tivesse criado vida e fugisse de seu confinamento sob o chão.
A segunda mão surgiu. Alguém estava mesmo saindo das profundezas, cavando seu caminho como um verme.
— Que diabos! — disse um dos garotos.
— A gente invocou um zumbi! — choramingou uma das garotas.
Um dos garotos deu um passo para trás. Queria fugir, mas sem conseguir tirar os olhos daquela pessoa que emergia da terra, ele tropeçou num túmulo e caiu no chão.
Todos estavam tão impressionados que mal conseguiam se mover.
Até que o homem finalmente conseguiu sair do chão completamente.
Era alto, pele clara e olhar altivo. Com alguns tapinhas, tirou o excesso de terra daquele belo terno preto que usava.
Parecia um político ou empresário, vestido para alguma reunião importante.
— Deus do céu! — disse uma das meninas.
— Tá mais para o contrário — respondeu o homem.
Ele sentiu o vento na pele. Olhou para o alto, admirando aquelas nuvens escuras que escondiam a lua.
Depois farejou feito um animal.
— Ah, ela está mesmo aqui.
— V-voce é um… espírito? — perguntou a garota.
O homem deu de ombros e olhou para o tabuleiro de Ouija. Sorriu, como alguém que acabou de ver algo bobo e engraçado.
— Isso aí não vai funcionar. Se querem mesmo se comunicar com os mortos, precisam matar alguém, pôr o sangue dessa pessoa numa tigela, depois dissolver nesse sangue um pouco de terra do Inferno.
O homem fechou sua mão, se aproximou da garota, pegou a mão dela e, de sua mão fechada, derramou um pouco de terra sobre a palma da mão dela.
— Isso vai ser o bastante. Em seguida, chame pelo nome da pessoa, mentalizando seu rosto.
A garota engoliu em seco e segurou forte aquele punhado de terra em sua mão.
O homem continuou:
— É claro que isso precisa ser feito longe dos cemitérios, ou aquele que protege os Portões da Calunga pode não gostar muito e puni-la. Também é necessário um círculo de proteção para manter os ceifeiros longe. Aliás, o sangue desse garoto aí ao seu lado é do melhor tipo para o feitiço. Boa sorte. Nos vemos por aí.
Após essas palavras, Belfegor virou as costas e saiu andando. Sorriu orgulhoso, pois sentia que tinha feito uma boa ação, como jogar alguns grãos de açúcar para formigas famintas.
Grãos de açúcar envenenados.
— Ah, finalmente te encontrei, escrava — disse ele, para si mesmo, com desprezo em sua voz, enquanto se afastava.