Pacto com a Súcubo - Capítulo 113
Jéssica, em choque, chorando e tremendo, se ajoelhou diante do corpo machucado de Mical.
A irmã mais nova tinha sido vítima de um demônio monstruoso que a matou, arrancando pedaços de sua carne à mordidas.
E Jéssica não pôde salvá-la. Não teve poder o suficiente.
Ela segurou a cabeça de sua irmã e a apoiou em seu copo. Acariciou o rosto dela.
— Deus… Não! Que isso seja… mentira! Que seja um pesadelo! Por favor! Mical, acorde! — dizia ela, com o choro entalado na garganta e lágrimas escorrendo pelo rosto. — Acorde! Não me deixe sozinha! Mical…
— Você não protegeu sua irmã — disse uma voz masculina dura e severa.
Ao reconhecer a voz, Jéssica ergueu os olhos, assustada.
— Pai?
— Você me decepcionou, filha. Não protegeu sua irmã. Deixou ela morrer.
— Veja pelo lado bom, Daniel — disse sua mãe, ao lado dele —, pelo menos não temos mais uma filha bruxa. E a culpa é da Jéssica. Parabéns, filha.
— Sim — concordou o pai. — A culpa é da Jéssica… que tinha uma obrigação: proteger a irmã. Mas deixou ela morrer. E foi uma morte horrível, com muita dor.
— Pare! Pare! Por favor, pare! — gritou a menina. — Eu tentei! Mas aquele monstro era forte demais! Eu tentei! Juro que tentei! Parem! Não foi culpa minha.
— Foi sim — retrucou o pai. — Até sua irmã, no céu, deve saber disso. Existe um lugar no Inferno preparado para aqueles que pecam contra a família, Jéssica. Você nunca mais verá sua irmã, nem depois da morte. Está condenada. Arrependo-me de ter você como filha.
— Pelo contrário! — retrucou a mãe. — Ela deixou a irmã bruxa morrer! Me encheu de orgulho!
*
— M-mas, Jés! — disse Mical, com lágrimas nos olhos. — Por quê… você diz isso? Achei que… ficaríamos juntas para sempre!
Jéssica a olhou com desprezo. Era como se sua irmã fosse algo tão nojento que apenas olhá-la lhe causava repulsa.
— Cansei de ser sua babá, Mical. Nosso pai sempre me imputou essa responsabilidade. Mas cansei! Não vou mais protegê-la. Você me faria um grande favor se morresse de uma vez!
— Mas… não me deixe! Veja! Eu fiquei forte agora! A benção do anjo me…
— Cale a boca! Sua voz me irrita! Não importa quantas bençãos angelicais você ganhe, sempre será fraca. Só me causa problemas.
— Não… Jés… eu preciso de você! Você é minha irmã mais velha! É em você que eu me espelho! Você sempre foi minha… heroína. Quando nosso pai e nossa mãe brigavam, era você quem me consolava. Me abraçava e me fazia acreditar que tudo ficaria bem!
Jéssica acertou um tapa no rosto de Mical.
— Não me lembre dessas coisas. Só Deus sabe quantas vezes pedi perdão a Deus por proteger uma bruxa!
*
As correntes estavam presas, por uma extremidade, àquela parede de pedra. Na outra extremidade havia anéis de metal que se prendiam ao pulso de Clara.
Toda aquela masmorra era escavada na pedra. Do alto, alguns pingos de água caíam irritantemente. O chão e as paredes estavam cobertos por musgo e sujeira.
Clara se moveu, tentando libertar-se.
— As Prisões Subterrâneas de Enxofre?! Por quê? Não faz sentido! Isso não… pode estar acontecendo!
Foi quando, do escuro, uma figura masculina surgiu.
Os olhos eram totalmente negros.
— É claro que está acontecendo. Você, dentre todas as criaturas, é a que mais merece. Sabe disso.
— BaelZebub?!
— Olá, Clarinha. Que saudade!
Ela cerrou os dentes.
— Eu vou te matar, maldito!
Ele olhou para as correntes que a mantiam presa, e sorriu de um jeito cínico.
— Como?
— Pode não ser hoje! Mas eu juro que vou te matar! Arrancarei sua cabeça!
Ele riu e deu de ombros.
— Vai nada! Vai ficar presa aí, apodrecendo nas prisões subterrâneas do Inferno, para sempre. As prisões de enxofre serão seu novo lar pela eternidade. Essa é a sentença que recebeu dos Naz-haîm.
— Você não é um Naz-haîm! Não aja como se fosse!
— E você não é mais livre. Não aja como se fosse. — Ele deu de ombros e assentiu. — Qual a sensação, Clara? Primeiro perdeu as asas; e agora, a única coisa que ainda tinha… liberdade.
— Vou recuperar as duas coisas, BaelZebub! E sabe o que vai acontecer depois? Sabe por que os Naz-haîm tiraram as asas das súcubos, não sabe? Porque tiveram medo. Nenhuma emoção é mais forte do que o tesão puro, do que a paixão, do que o prazer. E nós tiramos o poder dele. Tinhamos potencial para superar até mesmo os lendários Naz-haîm. E ai, ameaçados por isso, nos mutilaram. Sem as asas, não podemos acessar todo o nosso poder. Acharam que nós seríamos para sempre derrotadas, igual você tá fazendo agora. — Ela riu de um jeito arrogante. — Apenas nos ensinaram a lutar e sobreviver com pouco. Imagina quando voltarmos a ter muito!
BaelZebub lhe devolveu o olhar arrogante.
— Se tem mesmo tanta certeza disso, Clarinha, então por que vejo medo no seu olhar?
*
Lírica demorou um pouco para entender o que estava acontecendo.
Renato estava falando algo a ela, quando parou de repente, interrompendo a fala.
E então a demi-humana percebeu.
Todos eles pararam ao mesmo tempo, congelando na posição em que se encontravam, feito estátuas.
Carregavam um olhar perdido, sem foco, e suas bocas se moviam um pouco, às vezes.
Até Andrei ficou nesse transe letárgico.
Só poderia significar uma coisa: o apóstolo do medo.
Com um arrepio lhe percorrendo a espinha, a demi-humana sussurrou seu nome maldito:
— Belfegor…
E, do escuro, a figura dele surgiu.
— Não preciso te dar nenhuma visão de medo, afinal, teu maior medo está bem na sua frente, em carne e… espírito.
— V-você! — gaguejou ela, e engoliu em seco. — Como me encontrou?
Ele se aproximou.
— Eu sempre encontro minhas coisas. Fico surpreso que tenha conseguido esconder tua presença por tanto tempo. Mas agora, encontrei-a. E tal foi minha surpresa ao ver que você se escondia junto desses… primatas homo sapiens. Meros macacos de barro! Achei que até uma raça de escravos, como a sua, teria algum orgulho. Achei que valia alguma coisa. Talvez eu te venda como carne para os demônios de baixa casta. Eles adoram todo tipo de carne.
As palavras engasgaram na garganta de Lírica. Ela sabia do poder de Belfegor; sabia também de sua maldade.
“Que idiota eu fui” pensou ela. É claro que criaturas como ela não poderiam viver livres. Demi-humanos existem para servir e sofrer. A boa notícia era que, dessa vez, ela morreria ao invés de viver para satisfazer os caprichos desse demônio.
— Não tenho mais medo. Não importa o que aconteça comigo. Sou grata pelo tempo que fiquei longe de você.
Belfegor nem deu ouvidos às palavras dela. Que valor tem as palavras de um escravo, afinal?
Mas algo o irritava. Aquele humano. Seu orgulho foi ferido duas vezes por causa dele.
— O quê Angélica vê nesse monte de lixo, eu não sei. Que bom que ela não está aqui agora. — Ele sorriu e se aproximou de Renato.
Por instinto, sem pensar direito, Lírica tentou parar seu ex dono.
— Não! — disse ela, e segurou-o pelo braço.
Belfegor, irritado, golpeou a barriga dela usando a mão aberta, e da palma de sua mão saiu um brilho marrom. E a demi-humana foi atingida pela energia e, dessa forma, arremessada para longe.
A energia foi tão intensa que, conforme se movia, arrancava o piso do chão e o forro do teto.
Lírica só parou quando colidiu contra uma parede. Os tijolos e o cimento trincaram, e a garota gato caiu no chão.
— Fique longe, escrava.
E Belfegor novamente tentou tocar em Renato.
Mas algo o atingiu nas costas, próximo do ombro, e o demônio se inclinou para frente com o impacto.
Quando olhou para trás, viu Tâmara acocorada no parapeito da janela, e engatilhando aquele fuzil gigantesco.
— Mantenha suas patas longe do meu Renato! — disse ela.
Belfegor juntou as sobrancelhas, numa expressão de raiva.
— O miasma de Abigor.