Pacto com a Súcubo - Capítulo 115
— Entendi. Então você é resistente — disse Belfegor. Direcionava para Renato aquele olhar arrogante, soberbo, típico dos demônios.
O garoto sorriu e limpou o sangue dos lábios usando o dorso da mão.
— Sou mais do que isso.
— Estou curioso. Desde aquele dia no Inferno. Ainda acho que deveríamos ter te dissecado inteiro; removido cada fibra muscular desse seu corpo de australopithecus… abrir teu cérebro só pra ver o que tem dentro. — Belfegor deu de ombros. — Agora que Angélica e Baalat estão ocupadas com… novos assuntos… acho que vou ter essa chance.
Renato deu de ombros.
— Isso só vai acontecer se você conseguir me pegar, não é mesmo?
O vento frio soprou, movimentando os cabelos.
A lua de prata sorria no céu escuro.
As ruas estavam desérticas por causa do toque de recolher que as autoridades tinham emitido, devido às crescentes ondas de violência.
Belfegor farejou o ar e olhou para a esquina distante.
— Parece que o exército está chegando. Vamos ter que nos apressar, filho de Adão.
Ele mal terminou de falar, e se movimentou em direção ao garoto, com o punho baixo e crescente, num golpe do tipo gancho. Estava carregado de poder.
O garoto foi rápido o suficiente para desviar, evitando ser atingido, e contra atacou, primeiro trazendo uns dos pés para trás, num gingado para ganhar impulso, e depois girando o corpo, e dessa forma encaixou aquele Martelo Rodado na nuca do demônio.
Belfegor cambaleou para frente e quase caiu. Toda a sua cabeça retumbou feito um gongo. Tinha sido pior do que levar os tiros de Tâmara. Sua visão ficou embaçada e ele pensou mesmo que sua cabeça tinha se partido.
Antes que pudesse se recuperar, Renato pulou com os joelhos sobre os ombros dele, como tinha feito na luta contra o anjo, e acertou cotoveladas na cabeça do demônio.
Belfegor, atordoado, abriu as asas, o que desequilibrou o garoto, e ele quase caiu.
E o demônio, se aproveitando do vacilo de Renato, jogou uma das mãos para trás, por cima da cabeça, e o segurou, puxando seu pulso, e jogando Renato para o alto, descrevendo um semi-círculo por cima de sua cabeça.
Antes que Renato caísse no chão, Abigor lançou aquela explosão de energia.
O golpe tinha sido lançado da mão que Belfegor segurava o garoto, e enquanto aquela força avassaladora o impulsionava para o alto, o demônio o mantinha preso e levando toda a potência do golpe de perto.
— Chega! Vai morrer! — rosnou Belfegor assim que a energia do golpe acabou. — Gravidade de Júpiter!
E soltou o garoto, que bateu com toda a força contra o asfalto, arrebentando-o e abrindo uma cratera.
O garoto tentou se mexer, sair do lugar, mas era como se o peso de muitas toneladas estivesse esmagando cada centímetro de seu corpo. Era difícil até para respirar. Ele podia sentir sua pulsação batendo contra a parede das artérias.
E, enquanto estava afundando no chão, viu Belfegor próximo das nuvens, com as asas abertas. Diferente do anjo que iluminava todo o céu, a presença do demônio tornava a noite ainda mais escura e gelada.
Então aquela criatura recolheu as asas e despencou em queda livre. Indo direto para Renato, como um míssil carregado de energia hermética.
O garoto tentou se mover, sair do lugar, mas o peso esmagando-o era forte demais. Conseguiu mover os dedos, e enquanto o fazia, agarrou um pouco de terra que, diante de seus olhos, se transformou em água, e depois se acendeu em chamas. Foi discreto, como uma pequena vela, mas real.
Quase conseguiu mexer o braço, mas antes que pudesse fazê-lo, o demônio caiu sobre ele, com os pés batendo em seu peito.
O que tinha do asfalto embaixo de Renato, virou pó. E o que estava intacto, em volta, virou pedaços. E os escombros e poeira levantaram e se moveram, acompanhando a onda de choque, se afastando em forma circular.
Logo após ouvir aquele estrondo ensurdecedor, o coração do garoto chegou a parar por alguns segundos.
A sensação era que todos os ossos de seu corpo tinham virado pó. Não havia milímetro de pele que não doía ou formigava.
Tinha escorrido sangue de sua boca, nariz, olhos e ouvidos.
Belfegor saltou, saindo de cima de Renato, e olhou para ele como se visse algo profundamente lamentável.
Renato tentou falar, mas sua língua não se moveu.
— E agora que está morrendo, quero que saiba, Homo Sapiens: tua alma irá para o Inferno, e lá, vou pessoalmente garantir que sofra pela eternidade, só pela ousadia de roubar o que é meu. Vou estuprar aquela demi-humana na tua frente pelos vários séculos futuros, até que eu me enjoe dela, e então estuprarei a alma daquelas duas sementes de nefilins. Teu castigo será acompanhar e ver tudo. — Ele sorriu. — Espero que se divirta.
“Vai deixar isso acontecer mesmo?” A voz de Arimã soou na cabeça de Renato, depois de muito tempo. “Vai deixar esse demônio vencê-lo?” Pronunciou a palavra “demônio” com certo desdém.
Renato não respondeu. Estava machucado demais até para pensar. Arimã continuou:
“Torne-se logo um comigo e deixe-me assumir o controle! Vou resolver isso para você, garoto.”
“Não.”
“Do que você tem medo? De destruir o mundo? Matar as pessoas? Machucar aquelas garotas?” O anti-Deus riu. “A vida humana é tão passageira. A morte, a ‘não existência’ é o estado natural deles. Ceifar todas aquelas vidas breves seria um favor. Acabaria com o sofrimento que carregam. O mundo… não merece existir!”
O garoto se lembrou da vez em que Arimã tomou o controle de seu corpo. Ele machucou Clara, Jéssica e Mical. Quase as matou.
— Não — sussurrou. Seus pensamentos vazaram através dos lábios.
Belfegor franziu o cenho.
— O que ainda está tentando dizer? Vai implorar? Ou são apenas suas últimas lamentações?
“Você está à beira da morte. Vai morrer, se eu não interferir.” A voz de Arimã novamente invadiu sua cabeça.
Renato se lembrou do copo de água. Ele estava realmente vazio. E de repente não estava mais.
Agora há pouco, ele mesmo tinha transformado, em seus dedos, terra em água; e água em fogo.
Era como se ele pudesse mudar as notas da canção original. Aquela que dava forma ao universo. Talvez, rearranjando os átomos, formando novas moléculas, produzindo reações químicas.
“Eu finalmente entendi algumas coisas” respondeu Renato. “Não preciso que assuma o controle. Eu mesmo posso assumir. Vou puxar seu poder, mesmo que contra a sua vontade, e usá-lo da forma que eu quiser. Depois eu decido o que fazer com o mundo, mas com certeza não vou machucar quem eu amo! E nem vou deixar que você machuque.”
“Sem mim você já estaria morto há muito tempo.”
“É verdade. Mas, sem mim, você não sentiria nada! Não teria nada para ver e nem para ouvir, não saberia o que é estar vivo. Sem mim, você continuaria sendo uma consciência sem esperanças vagando no vazio eterno, como alguém perdido no meio da morte, ansiando por saber o que é a vida. Você precisa de mim tanto quanto eu preciso de você. Então, assista o show! Deixa que eu atuo.”
“E sabe fazer isso, garoto?”
“Agora eu sei.”
Renato usou toda a força restante. Seus músculos tremiam e ardiam em cãibra, e seus pulmões pareciam que estavam cheios de ácido, pois queimavam toda vez que respirava.
A visão estava avermelhada, por causa do sangue que escorreu e cobriu seus olhos. Os ouvidos ribombavam, como os ouvidos de um mergulhador sob a pressão de águas profundas.
Mas, conforme se levantava, mais fácil parecia ficar de pé. A energia vinha de todos os cantos, preenchendo-o. A dor foi ficando cada vez menor, embora nunca sumisse de fato.
Até que finalmente conseguiu. Estava de pé. Ainda respirava com dificuldade.
Belfegor ficou sem palavras. O silêncio cortante finalmente selou seus lábios. Não acreditava no que estava vendo.
Renato foi o primeiro a falar:
— Ajoelhe-se, demônio!