Pacto com a Súcubo - Capítulo 116
— Ajoelhe-se, demônio! — Foram as palavras ditas por Renato.
Sua voz era grave e cortante, congelava os ossos. Soava como uma tempestade de neve, ou como puras e infinitas sombras. A névoa escura serpenteava em volta dele.
Mas seus olhos, ao menos, eram humanos, diferente da última vez. Carregavam uma fúria genuína, tão cheia de rancor que só um humano poderia ter.
Belfegor, por um momento, achou graça da petulância do rapaz. “Ajoelhe-se o caralho!” pensou.
Mas seus joelhos vacilaram. A patela tremeu e a articulação começou a formigar. A força desapareceu de suas pernas e os pés perderam o equilíbrio.
Foi como se o abismo da noite caísse sobre seus ombros. O mundo perdeu cor e ficou mais frio.
Diante dele, uma sombra se ergueu e, pela primeira vez, sua própria escuridão interna pareceu pequena e irrisória.
Uma pontada de medo atravessou seu peito. E, inconscientemente, seu joelho se dobrou sobre o asfalto destruído.
— Não… brinca comigo! — disse ele, com dentes cerrados. Gritou de ódio, socou o chão, e forçou as pernas, levantando-se.
— Fique de joelhos! — disse Renato.
E, antes que o demônio pudesse terminar de se levantar, caiu de joelhos novamente.
— Mas… que diabos! — Estava confuso, aterrorizado.
Um sorriso contido surgiu nos lábios do garoto.
— Cópias. Demônios são cópias mal feitas. Agora eu entendo.
A risada de Arimã soou em sua cabeça.
“Que orgulho” disse a coisa.
Aquele fogo negro, sem temperatura, tremeluziu entre os dedos de Renato e ganhou forma. Não emitia luz e nem calor, mas, pareceu aos olhos de Belfegor a coisa mais perigosa que já tinha visto. Destoava de toda a Criação.
— Essa magia… é baseada em qual elemento? — perguntou, de olhos arregalados de choque, mas não obteve resposta.
Renato, em silêncio, lançou aquele fogo em direção ao demônio.
Belfegor, rapidamente, afundou os dedos na terra úmida e puxou. Os grãos de terra e pedacinhos de pedra começaram a se unir, se fundindo, dando forma à espada. Até que Belfegor finalmente tirou aquela lâmina de cristal da terra.
Ele se ergueu e, usando a espada, bloqueou o ataque de Renato.
Porém, a espada tiniu como um lamento agudo, e com o impacto, a lâmina foi completamente pulverizada e voltou a ser poeira.
Aquela energia atingiria Belfegor em cheio, e ele soube que se fosse atingido, também seria pulverizado.
Conseguiu evitar o golpe, por pouco, jogando o corpo para o lado.
A bola de fogo negro subiu em direção ao céu e, assim que cruzou as nuvens, abriu-as num formato circular, revelando as estrelas que antes estavam escondidas.
Um relâmpago rasgou os céus. Um pequeno cristal de gelo caiu, deslizando pelo ar. E, em seguida, outros. Tinha começado a nevar. Nada muito intenso. Apenas alguns poucos cristais, mas ainda assim era gelo.
— O poder de Arimã…! — disse Belfegor, com um arrepio percorrendo sua espinha.
Estava francamente assustado; mas, ao mesmo tempo, maravilhado.
— Vai morrer! — Renato preparou outro ataque com o fogo sem calor.
— Espere!
A bola de fogo cortou o ar em direção ao demônio, e ele tentou desviar, mas viu que dessa vez não daria tempo, então bateu nela com o dorso da mão fechada em formato de punho, para mudar sua trajetória.
A queimação subiu por seu braço, e ao mesmo tempo um frio terrível. Foi como uma queimadura de gelo.
O impacto fez o braço torcer de forma bizarra, deslocou o osso do ombro, rasgou a pele. O braço quase foi arrancado.
O demônio abriu as asas e as bateu, aumentando a distância entre os dois.
— Espere!
— Não tem nada pra esperar! Você morre agora!
— Ver o Condutor de Arimã com meus próprios olhos sempre foi um sonho! As sombras mais puras de todas! A destruição mais genuína! O fogo que mais consome! O gelo que mais congela! Eu errei em atacá-lo porque achei que era um humano qualquer, mas me enganei! Grande Condutor, deixe-me servi-lo! Quero estar ao seu lado quando trazer o caos e destruição a este mundo vil e sem salvação! Quero ajudá-lo a purificar a Criação e transformá-la em algo melhor!
— Vou começar purificando o mundo de você! — O fogo negro serpenteou entre os dedos de Renato.
— Me dê uma chance, droga! Serei teu servo mais leal! Matarei e salvarei conforme você ordenar! — Ele curvou a cabeça. — Me dobro perante o verdadeiro poder! Aquele que deveria ser o Deus criador desse mundo!
— Ora, mas que desenrolar interessante de fatos! — Essa foi a voz de Clara. Ela tinha se materializado sem que ninguém percebesse. — O grande Belfegor, demônio que controla o medo e a terra, se curvando desse jeito para um… como é que vocês dizem? Um macaco de barro. Um filho de Adão.
— Você sabia? — Belfegor lançou a súcubo um olhar inquisidor.
Clara deu de ombros.
— Sabia, é claro. E não sou a única.
— Quem mais?
Ela sorriu de um jeito travesso.
— Adivinha.
Ele pensou por um instante.
— Abigor…
— Sim.
— Aquele desgaçado! — E então começou a rir. — Então foi por isso que ele insistiu tanto no duelo contra o Satanakia! O infeliz do Satanakia não teve chance! Coitado! Achou que ia arrebentar um humano, e na verdade estava enfrentando o Condutor de Arimã!
— Sabe, Renato — disse Clara —, eu acho que você deveria aceitar o Belfegor como seu servo. Ele tem ótimos contatos no mundo humano e espiritual, é um lutador formidável e ainda é dono de uma vinícola que produz vinhos incríveis. Só vejo vantagem.
— Só tem um problema aqui: eu não confio nesse filho da puta.
— Que tal um pacto? — sugeriu Clara. — Ao invés de você fazer um pacto com o demônio, vai ser o demônio que vai fazer um pacto com você — disse ela, claramente se divertindo com a situação. — Se ele desobedecer, ativa a Maldição do Pactuado, causando uma dor intensa e podendo até matar. É muito mais forte do que a Maldição do Escravo. Na verdade, a Maldição do Escravo é uma cópia mal feita dessa maldição.
Belfegor engoliu em seco. Preferia negociar sem esses termos.
Renato ponderou por um momento.
— Acho que precisamos terminar a conversa em outro lugar — Clara apontou para a esquina. O caminhão do exército já estava chegando.
— Posso matar esses humanos insolentes que ousam nos atrapalhar, se assim você desejar, Renato! — disse Belfegor.
— Vamos voltar para o prédio da Clara.
*
— Caramba! Por essa eu não esperava! — disse a demi-humana, lançando um olhar desconfiado para Belfegor.
O demônio deu de ombros e se espreguiçou.
— Ei, Renato — disse ele —, você tem alguma coisa alcoólica aqui? Um uísquinho seria bom, mas também pode ser cachaça, rum, vodca. Não tenho preconceitos.
— Tem ali — o garoto apontou para o armário.
— Obrigado — o demônio fez uma mesura e foi e foi buscar sua bebida.
Toda a sala estava com sinais de destruição. Um buraco na parede permitia ver o quintal com o chafariz quebrado; outro buraco no chão mostrava os vários níveis e pisos do pequeno prédio. Escombros forravam o chão.
Andrei ainda estava acorrentado à cadeira, num dos cantos. Tâmara estava perto dele o olhava de um jeito esquisito, o que o deixava preocupado. Ele conhecia esse tipo de olhar. Já o tinha visto antes em Kath.
— E o que vai fazer? — perguntou Lírica.
Renato abaixou a cabeça e franziu o cenho.
— Não sei. Você foi a maior vítima dele, não foi? Acho que seria injusto eu decidir isso sem consultar você antes.
— Realmente foi um período horrível da minha vida. Belfegor é cruel… é sádico e traiçoeiro. Mas não tem como um demônio desobedecer um pacto. Além do mais, a súcubo está certa. Ele pode ser útil.
— Mas as coisas que ele disse… — Renato olhou para Jéssica e Mical.
Clara bocejou.
— Ora, Renato, você mais do que ninguém deveria saber que não foi nada pessoal. Demônios dizem aquele tipo de coisa. Você já deveria estar acostumado. — Ela correu o olhar pela destruição em volta. — E você pode obrigar ele a pagar por essa bagunça!
— Um pacto… — ele ponderou. — Clara, prepare o feitiço.