Pacto com a Súcubo - Capítulo 117
Belfegor ficou um tempo olhando para Andrei. Os ferimentos do mercenário despertaram algum fascínio no demônio.
— Por que tiraram os dentes dele?
— Porque ele tentou se matar mordendo a língua — respondeu Clara.
Belfegor assentiu e sorriu.
— E de quem foi a ideia?
— Minha — respondeu Renato.
O demônio meteu os dedos dentro da boca de Andrei. O mercenário tentou resistir, mas não teve chance. Belfegor segurou a língua dele e puxou para fora.
— Huum! — Andrei gemeu de dor e desconforto, enquanto saliva e pus escorria pelos cantos dos lábios.
Olhou, fascinado, aquela marca de sutura que circundava a língua, transversalmente.
— Isso tá infeccionado — constatou Belfegor.
— Ele não precisa viver muito — respondeu Renato. — Só o bastante para contar onde a Kath está. Tenho contas a acertar com ela.
Belfegor tirou a mão da boca de Andrei e assentiu. Um sorriso estava estampado em seu rosto.
— Gostei disso. Tem estilo. Mas mesmo assim… essa sutura não seria o suficiente. Ele deveria ter morrido de hemorragia.
Mical, que estava sentada no sofá, com um olhar desconfiado, ergueu uma de suas mãos, e um brilho verde-esmeralda cintilou entre seus dedos.
— Fascinante! Isso lembra o poder de Hoopoe, mas tem uma natureza diferente. Embora ainda seja… pouco lapidado. Poder angelical… e poder demoníaco! Dois extremos lado a lado. Ninguém mais poderia fazer algo assim. Realmente você é aquele que o Falso Profeta profetizou a chegada. O messias invertido. O anti-Deus!
Renato franziu o cenho.
— Não sei se eu gosto desses títulos.
Belfegor, então, pôs a mão no ombro de Andrei.
— É, pequeno Homo Sapiens… você não tem ideia de onde se meteu, não é? E sua amiga também não. As escolhas que fizeram, que os trouxeram até aqui, foram as piores possíveis.
— A Clara disse que você tem muitos contatos — disse Renato, para o demônio. — Por acaso não saberia como encontrar aquela garota?
Belfegor balançou a cabeça.
— Sinto muito. Ela sabe como ficar fora do radar. E tem… alguns feitiços que escondem a presença dela. Mas, se me lembro bem, existe um site na Dark Web onde dá pra entrar em contato com o grupo Ivanov… talvez isso ajude. É por esse site que contratavam os serviços deles. Talvez um bom hacker… mas acho difícil. — Ele coçou o queixo, pensativo.
— Entendo.
— Mas por que simplesmente não usa os poderes psíquicos dela? — Belfegor olhou na direção da demi-humana.
— Estávamos a ponto de fazer isso, quando fomos interrompidos. Por você, aliás.
— Oh, desculpe — ele lançou um olhar sarcástico, de quem não lamentava nem um pouco. — Ei, e o que viu?
— O quê quer dizer?
— Meu feitiço inato evoca o medo mais profundo da pessoa e a faz vivenciá-lo. Me pergunto que tipo de visão você teve assim que eu cheguei. Qual seu maior medo, Condutor?
— Não vi nada. Não tenho medo de nada.
O demônio sorriu.
— Entendi. Se não quiser contar, não conta — Belfegor caminhou até o grande buraco na parede que tinha sido aberto pela bazuca de Mical e, através dele, olhou para o céu escuro. A lua brilhante. Ao longe, conseguiu ver os faróis dos caminhões do exército rondando as ruas.
Um tipo de ilusão mágica fazia eles ignorarem o prédio da súcubo.
— Lamento por bagunçar sua casa, Clara. Eu mando o dinheiro do reembolso mais tarde.
A súcubo assentiu e bebeu um gole de sua taça de vinho.
— Também vou mandar um pouco do vinho de minhas vinícolas como sinal de boa vontade.
— Que prestativo da sua parte — respondeu ela, com sarcasmo na voz e olhar provocador.
— Você deveria fazer uma visita ao Inferno. Ou, no mínimo, ver sua caixa de e-mails de vez em quando. Baalat está convocando todos de volta. Há rumores de guerra no ar.
— Apocalipse?
— Não sei dos detalhes. Esse é o departamento do Abigor, e aquele maldito está desaparecido. — Belfegor olhou para Renato. — Espero que um dia esteja pronto para me aceitar. Quero ver aquela destruição com meus próprios olhos, garoto. Mas meu orgulho não me permite aceitar aqueles termos. — E olhou para a demi-humana. — Vejo você em breve. Estamos todos sentindo sua falta no castelo.
E então ele saltou pelo buraco na parede, e, assim que atingiu o chão, desapareceu.
— Espero que o vinho seja da sua melhor linha, seu desgraçado — disse Clara.
*
— Desculpe, Renato. Eu não sabia. — Tâmara baixou o olhar. Não tinha coragem de encará-lo. A sensação de culpa não era algo com a qual ela estava acostumada. — Não sabia que eles estavam me vigiando. Fui burra demais. Me perdoe!
Renato a encarou com olhos vazios e suspirou. Bebeu um gole de vinho.
— Só me ajuda a encontrar aquela garota e tá tudo certo.
— Com prazer — Tâmara bebeu um gole de suco de laranja.
*
A demi-humana se aproximou do moribundo Andrei, e se inclinou, olhando-o de perto.
— Não vou te dizer nada, vadia inumana!
Ela deu de ombros.
— E nem precisa.
Lírica tocou as laterais da cabeça dele, com as palmas das mãos, e fechou os olhos.
Os olhos de Andrei vacilaram, e ele tonteou, como alguém bêbado. Parecia em transe.
— Kath… não pense nela! Não pense na Kath — dizia a demi-humana. — Não pode pensar no esconderijo onde ela deve estar. Você precisa guardar esse segredo, não precisa? Afinal, você é leal. Então não pense nela.
— Kath… — repetiu ele, em transe. — Não vou…
E então Lírica emitiu um gemido de dor e fez uma careta. A respiração dela acelerou.
— Tem… algo errado!
— Não pensar… já estou… pensando…
— Tem algo errado! Algo me repelindo! — E então Lírica caiu no chão. Estava em choque. Suas mãos tremiam. Parecia assustada.
— O que houve? — perguntou Renato.
— Não sei. Tem algum tipo de barreira.
Clara riu.
— É que seus poderes são fracos. Isso que dá mandar um demi-humano fazer o trabalho de um demônio.
A súcubo se aproximou de Andrei e tocou seu rosto. Soprou nele.
— Durma!
Novamente os olhos de Andrei vacilaram. Ele bocejou. A visão dele falhou. Mas não dormiu.
Clara franziu o cenho.
— Que diabos…?
Andrei riu, expondo aquela boca banguela e ensanguentada.
— Vocês… não importa que tipo de monstros vocês são! — Ele respirava com dificuldade. — Não vão entrar na minha mente! Tenho tatuagens que me protegem de controle mental por toda a minha pele! Como se sentem sendo tão… impotentes? Hein? Não podem fazer nada! — Ele riu. — E eu não vou dizer nada também! Nunca vai encontrar a Kath, garoto! Ela é quem vai te encontrar quando descobrir um modo de te matar!
— Não vai dizer nada? — Tâmara caiu na gargalhada.
E junto dela, também Clara começou a rir muito.
Enquanto riam, as duas se olhavam, como se compartilhassem uma piada muito divertida entre elas.
Andrei enrugou a testa.
— Qual a graça, vadias?
— Qual a graça? — disse Renato. — A graça é você dizer que não vai contar nada, logo depois de ter contado alguma coisa.
— O que quer dizer?
— Não percebeu ainda?
— Ora — disse Clara —, se o que impede a gente de entrar na sua mente são as tatuagens na sua pele, isso é bem fácil de resolver. Acho que todo mundo aqui já percebeu.
— Exato — concordou Tâmara. — Vocês deixam eu fazer? Nunca fiz algo assim ainda!
Mical balançou a cabeça, confusa.
— Não sei do que estão falando! Não entendi porque elas estão rindo. Jés, você entendeu?
Jéssica assentiu.
— Sim. E eu não vou ficar aqui para ver algo assim.
— Do que vocês estão falando? — Andrei disse, preocupado.
Renato, atrás dele, falou próximo de seu ouvido:
— É que é muito fácil de resolver. Se as tatuagens estão na sua pele, e são elas que nos impedem de entrar na sua mente, então vamos arrancar sua pele inteira. Não deve ser difícil.