Pacto com a Súcubo - Capítulo 125
Após ser ferido, o gato-monstro recuou, com um salto, ganhando distância das garotas.
Tal qual um gato acuado e assustado, mostrava os dentes e rugia.
Então, sua forma começou a mudar. Um clarão cegou a visão de todos, e quando a luz se dissipou, uma garota japonesa estava no lugar do monstro.
Estava nua. Seus cabelos negros, com uma mecha branca na lateral, descia até o meio das costas. E o ferimento à espada subia de seu peito até o ombro.
Tinha um olhar assustado. Suas mãos tremiam.
— Vocês… por que vieram até aqui?
Ela olhou para o alto, e viu os soldados da Força de Defesa Mágica Japonesa, em seus trajes tecnológicos, voando sobre o domo da barreira como um enxame de abelhas, lançando suas magias, tentando romper a barreira mágica.
Olhou para o alto do prédio. A parede do penúltimo andar tinha explodido. Limpou a gotinha de sangue que caiu em seu nariz.
“Por que ficar?” pensou. Suas correntes haviam sido removidas, afinal.
Por que devotar lealdade àquela garota de franjinha? Só porque ela lhe dava comida e um teto? Não fazem os senhores de escravos o mesmo?
Olhou diretamente para a demi-humana.
— Pode mesmo existir liberdade?
— Pode sim.
Que assustadora essa ideia de ser livre! E, ao mesmo tempo, tão sedutora!
A vida inteira, tinha sido uma escrava. Não sabia viver de outro jeito.
Sonhara com a liberdade, numa época distante, em seu passado. Nas noites geladas e solitárias, quando ainda criança, tivera fantasias com tal doçura.
Mas desistiu há muito tempo!
Criaturas como ela não nasciam para serem livres! Foi o que ela sempre pensou. Foi ensinada dessa forma.
Ensinada por Kath.
E ela aprendeu bem a lição.
Mas essa demi-humana, cuja existência aprendeu a odiar, lhe mostrou outra coisa.
Que contradição!
Que problema! Pensou. Mas agora tudo estava a ponto de terminar. A destruição em volta lhe dava uma chance única. Talvez devesse aceitar!
— Por favor, fiquem longe de mim!
Ela saltou; e atravessou vários metros num único salto. Pousou, com delicadeza, sobre o chão próximo do portão, só para tomar mais impulso para um segundo salto, e ganhou a rua. E, aos saltos, desapareceu na noite.
Os soldados viram que a garota passou pelo portão.
— Ali! Tem uma abertura!
Alguns, no entanto, se separaram do grupo original para perseguir a garota bakeneko.
— Estão vindo! — disse Clara.
— Não podemos lutar contra tantos — disse Tâmara. — Ainda mais no estado em que estamos!
— Uma barreira, Mica! Vamos!
— Sim!
As duas correram para a entrada. Jéssica fez um corte em sua mão e pingou gotas de sangue próximo ao portão.
As irmãs uniram as mãos e entoaram palavras em latim.
Enquanto faziam isso, alguns dos soldados conseguiram entrar.
Clara usou sua espada do pecado para bloquear e repelir a rajada de energia que um dos soldados disparou contra ela e, com um salto, afundou a lâmina no peito do homem, atravessando a carapaça metálica de sua armadura.
Tâmara e Lírica também se envolveram na luta. Vários soldados tinham conseguido entrar e, aparentemente, eram adeptos da política de atacar primeiro e perguntar depois.
Finalmente a barreira se ergueu.
Um dos soldados que conseguiu entrar voou em direção às duas irmãs, mas Tâmara disparou seu fuzil. As balas gigantes da arma dela atravessaram a carapaça metálica.
— Vamos proteger vocês. A barreira não pode ser desfeita — disse Tamara.
Jéssica assentiu.
Mical observou o ferimento no peito e abdome de Tâmara, causada pelas garras do bakeneko e, erguendo uma das mãos, um brilho verde cintilou entre seus dedos, e os machucados de Tâmara foram curados.
Tâmara olhou espantada para si mesma, vendo que não estava mais machucada e a dor tinha desaparecido.
— Talvez deixe uma cicatriz — disse Mical, um pouco tímida.
*
Renato escalou, pendurado nos cabos de aço do elevador. Subiu aquele poço sem fim.
Seus braços doíam, e parecia que a articulação de seu ombro iria se rasgar, mas ele não parou de subir.
Até que, finalmente, ficou diante da última porta de aço. Acima de sua cabeça, apenas um teto de concreto impenetrável. Com um disparo de seu fogo negro, arrebentou a porta, e parte da parede junto, criando um rombo. Se balançou no cabo de aço, para ganhar impulso, e pulou.
Se viu dentro de uma sala vazia, escura, e cheia de pilastras que se erguiam, formando um tipo de floresta de concreto.
Correu até a janela de vidro que era uma das poucas fontes de luz no local, e olhou para baixo. E viu a luta que se desenrolava entre as garotas e o gato monstro.
— Vocês conseguem — disse.
Se virou e, mal teve tempo de dar o primeiro passo, foi atingido por uma energia invisível que o jogou contra a parede. Tentou se mover, mas estava imobilizado. Colado à parede por telecinese.
O mago surgiu de trás de uma pilastra. Tinha olhos azuis e cabelos loiros.
Usava uma jaqueta do time de futebol americano New York Jets. Parecia um daqueles valentões de filmes americanos.
— You’re not that impressive!
— Eu não… falo Torres Gêmeas! — disse Renato, entredentes, com dificuldade devido a dor. Mas ainda tinha um olhar sarcástico e provocador.
O mago ergueu uma sobrancelha, confuso, sem entender as palavras do garoto. Com um movimento de sua mão, Renato foi erguido no ar rapidamente, levitando, e ele bateu contra o teto, depois despencou e bateu contra o chão, depois bateu contra o teto mais uma vez, e mais uma vez contra o chão. As pancadas foram fortes, e ele ficou atordoado. A cabeça foi atingida, e a visão ficou escura por alguns segundos, e sentiu um pouco de sangue umidificando seus cabelos.
Assim que atingiu o chão, estando ainda imobilizado, viu as duas adagas se aproximando rapidamente, deslizando no ar. Ambas atingiriam seu rosto.
Mover-se era complicado. Alguma coisa o segurava, como se o próprio ar formasse amarras; mas, com um esforço hercúleo, moveu um dos braços e, batendo nas laterais das adagas antes que elas o atingissem, desviou a trajetória delas. Elas cravaram-se na parede, ao lado de sua cabeça, uma à direita e outra à esquerda.
O ninja surgiu detrás de mago. Usava roupas completamente negras. Puxou mais uma adaga e desapareceu nas sombras de um dos pilares.
O mago novamente moveu sua mão, e Renato sentiu aquela força envolvendo-o, como se o ar se dobrasse em volta dele, e então foi novamente erguido no ar e, assim que bateu no teto, a adaga saiu de uma sombra, indo direto para ele.
Renato novamente conseguiu defender-se dela.
E foi jogado contra o chão por aquela força telecinética.
Assim que atingiu o chão, o ninja saiu de uma sombra e pulou sobre ele, com uma katana nas mãos.
Desceu a lâmina, golpeando num ataque de cima para baixo.
No puro instinto e desespero, Renato moveu seu braço esquerdo, e segurou a lâmina com as mãos nuas.
O ninja o olhou francamente incrédulo.
Um fio de sangue escorreu pela superfície metálica da lâmina.
O ninja puxou sua espada de volta. O dedo mindinho de Renato girou no ar e caiu no chão.
E, antes que pudesse golpear novamente, o ninja engasgou. Tossiu. E sangue escorreu de sua boca. E uma névoa branca e gelada escapou de seus lábios, como quando se respira no frio.
Olhou para baixo e viu aquela lâmina negra penetrando-lhe pelo abdome e subindo, em direção ao seu tórax para, finalmente, sair pelas costas.
A mão do garoto segurava o cabo da espada, de onde espinhos negros se progetavam e, certamemnte, feriam-lhe a mão.
E o ninja também percebeu que sua pele, e a carne debaixo dela, estava congelando, tendo como ponto de partida o local que entrava em contato com a lâmina. Era como ser atravessado por uma lança de gelo.
Renato puxou sua espada de volta. E o corpo do ninja nem caiu. Ficou ali, imovel, de pé. Tinha virado uma estátua de gelo.
— You fucking bastard! — gritou o mago.
E novamente o ar se condensou em volta de Renato, e se contorceu, e o garoto foi erguido no ar.
— The book is on the table! — retrucou o garoto.
E mandou aquela bola de fogo negro. O ataque mais forte que conhecia. Evocava o poder diretamente do “não-criado”.
O mago arregalou os olhos, enquanto viu aquela chama sem temperatura ir diretamente para ele. Não conhecia aquele tipo de magia.
Usou sua telecinese para bloquear o ataque, mas não surtiu efeito. As chamas atravessavam os ventos condensados como se eles não fossem nada.
O mago demorou para entender que não poderia bloquear, e quando decidiu desviar, era tarde demais.
A bola de chamas negras bateu contra o peito dele, e ele foi empurrado contra a parede de trás. E homem e parede explodiram juntos, transformando-se ambos em pedaços. E os escombros despencaram do penúltimo andar, em direção ao chão lá embaixo, feito uma cachoeira de pedras e tecidos humanos.