Pacto com a Súcubo - Capítulo 39
Tinham se dirigido a outra sala gigantesca. Renato ainda se impressionava com a quantidade de túneis e galerias que havia ali. Era quase como um mundo inteiro subterrâneo; um labirinto interminável.
O reitor Phenex havia dito que toda a Masmorra das Luzes funcionava como um centro de ensino para formar demônios competentes. Magia era uma das áreas de conhecimento estudadas mais importantes. Esta sala em que estavam servia para o ensino de magia para a turma mais iniciante de todas, equivalente à pré-escola dos humanos.
Como já tinha centenas de anos que nenhum demônio nascia, então as salas iniciais, como esta, estavam vazias.
Estavam sentados sobre o chão, com as pernas cruzadas e de olhos fechados. Em volta deles, Phenex tinha colocado uma vela acessa, um potinho com água, uma pedra e um potinho vazio (tecnicamente cheio de ar). Representavam os elementos. A iluminação do próprio fogo já representava o elemento luz, e as sombras estavam logo em volta, onde a luz não tocava.
Renato sempre teve dificuldades em se concentrar, então ele abriu, bem de leve, um dos olhos para observar ao redor. Notou as grandes estalactites que se projetavam do teto. Davam um ar sinistro ao local.
— Feche os olhos, rapaz! Não se distraia!
— S-sim!
Obedeceu.
— Apenas respire tranquilamente e esvazie sua mente.
“Esvazie sua mente? Como se fosse fácil!” resmungou em pensamento.
— Eu sei que não é fácil, mas tente! Se quiser aprender isto, é claro. Se não quiser, avise, que eu paro de perder meu tempo.
— Tudo bem. Eu vou tentar.
“Caraca! Será que esse cara lê mentes?”
— Eu não leio mentes, se é o que está pensando.
— Então você é o Metaforando! — Renato sorriu.
Phenex franziu o cenho.
— Eu não sei o que é isso.
— É um cara da internet.
— Poderia me mostrar depois?
— É claro!
— Certo. Agora foque na meditação.
— Sim!
Ficou com os olhos completamente fechados e imerso em silêncio. Controlou a respiração, mantendo-a ritmada e profunda.
— Pense na chama da vela, garoto.
Renato visualizou a chama em sua mente, tremeluzindo em meio às sombras, dançando, conduzida pelas leves correntes de ar.
— Ela é seu elemento principal. Tem energia nela. Tente vê-la! Tente ver a energia se desprendendo do fogo e fluindo até você como uma correnteza de luz.
Assim Renato fez. A respiração quase se descontrolou, mas ele conseguiu mantê-la suave e profunda. O coração aumentou a velocidade das batidas.
— O fogo flui até você, garoto. Veja! E sinta o calor!
Ele realmente sentiu um calor aumentando em volta do corpo. Engoliu em seco. A pele começou a formigar.
— Não se distraia! Veja o fogo aumentando!
Suas mãos começaram a tremer e o coração bateu de forma enlouquecida. A temperatura não parava de subir.
— Está quente, não está? O fogo te reconheceu. Deixe queimar! Esse calor está em volta de você. Deixe queimar!
Foi como se um peso fosse colocado sobre suas costas. Foi como se a vela explodisse, e luz e calor escorriam até ele e o envolviam como um casulo brilhante. Foi o que viu em sua mente.
— Agora abra os olhos!
Quando os abriu, Renato não viu nada demais. A vela estava como antes. Nem sinal da explosão que ele tinha visto ou sentido.
O rapaz ficou confuso.
— Isso que sentiu foi a Energia Hermética. Pareceu fogo porque é a forma que seu cérebro traduziu, mas no fundo foi apenas energia, nada mais que isso e nem nada menos. Bom, Energia Hermética é o nome que nós, demônios, usamos, mas ela pode aparecer sob outros nomes também. Alguns a chamam de Mana, outros de Axé ou ki. No fundo, o nome não importa; apenas o que ela é.
— E o que ela é?
— Tudo. Ela é o resultado final da Equação Primordial. Tudo é feito dela. Todas as outras energias vêm dela; e toda a matéria é derivada dessas energias. Um feitiço é basicamente manipular a equação, como tirar ou pôr um número ou sinal de uma conta. O resultado é um efeito borboleta que muda tudo.
Phenex sorriu e continuou.
— Bom, para ser franco, nós só conseguimos acessar as partes mais superficiais da equação. Só arranhamos a superfície, sem nunca conseguir mudar de fato sua essência. Todos os seres vivos são assim; do contrário, toda a criação estaria em risco, não concorda?
— Faz sentido. Mas, então, quanto eu preciso estudar pra conseguir fazer um feitiço de verdade?
— Depende. Existem feitiços muito bem estabelecidos, criados por gente que veio antes de nós. Você pode copiá-los, replicá-los, e até conseguir bons resultados. Mas manipular a magia de verdade, de modo a criar coisas novas com ela, exigiria milênios de estudo. É mais tempo do que você tem de vida, suponho.
— Só um pouquinho a mais.
Phenex sorriu.
— Só um pouquinho mesmo.
— Sobre esses feitiços bem estabelecidos… como eu posso aprendê-los?
— Memorize os símbolos, os gestos, as palavras. Entenda o que cada um desses elementos faz. A biblioteca está a sua disposição, a pedido de Clara. Também tem os feitiços sonoros.
Renato ergueu uma sobrancelha.
— Sonoros? Não vi nada assim ainda.
— É porque é o tipo mais raro. São os mais fortes também. Isso porque, no fundo, a equação deu origem a uma música.
— Eu li sobre isso.
— Pois então. Sons são vibrações e ondas difundidas no ar. Aqueles que conseguem fazer magia através deles, conseguem influenciar na vibração do próprio universo. Esses são aqueles que conseguem acessar as camadas mais profundas da Equação Primordial. São raros, no entanto.
Renato ficou em silêncio por um tempo, tentando digerir tudo.
— Parece tão… complexo. — Sorriu com resignação. — Você nunca deve ter sentido isso. Nenhum de vocês sabem o que é ser… pequeno. Quantos anos você tem, reitor? Alguns milhares, né?
— Setenta e três mil duzentos e noventa e cinco.
— Eu tenho dezesseis. É loucura isso que estou fazendo, não é? Me sinto como um peixinho tentando nadar com tubarões. Minhas mãos e pés, feitas de pó, condenadas a morrer daqui a pouco, podem mesmo fazer alguma coisa? É assustador.
Phenex permaneceu em silêncio por alguns instantes e então relaxou os ombros e suspirou.
— É você quem é assustador aqui.
Renato olhou pra ele sem entender. O reitor continuou:
— Humanos não deveriam nem suportar caminhar por aqui. Sua carne deveria ser desintegrada instantaneamente. Mas isso não acontece. Me intriga. Você não tem aura como os outros humanos. A aura dos humanos fica em volta deles, invisível para a maioria dos seres, mas eu posso ver. Ela revela seu caráter, sentimentos, pensamentos, emoções e pecados. Mas a sua não tá aí. Você é como um vazio na existência, Renato, mas estranhamente parece ter afinidade com todos os elementos dela. Tenho certeza que não sou o único demônio que pensa assim. Você, humano, dá arrepios. O desconhecido é, de fato, algo assustador, não é? Clara não quis me contar a razão, mas eu não sou idiota. Minha Magia Inata é Conhecimento. — Phenex sorriu e deu de ombros. — Você não é o peixinho nadando com tubarões, Renato. É um monstro das profundezas abissais que usa a imagem de um peixinho como camuflagem. Sinceramente, eu deveria denunciá-lo, mas não vou fazer. Ter você do nosso lado pode ser interessante.
Renato fechou os olhos, pensando e tentando entender tudo o que foi dito.
— Tem algo que me preocupa.
— E o que seria, humano?
— E se eu não for o monstro? E se eu for a camuflagem que o monstro usa, e no fundo, ele é quem está no controle?
Phenex assentiu.
— Essa possibilidade existe. Mas não se preocupe. Se der algum problema, nós podemos matar você.
Mais tarde, enquanto Renato foi para a câmara que lhe servia de quarto, Phenex voltou para seu escritório (o que é uma forma bonita de se referir à câmara subterrânea na ponta de um dos túneis, com estalactites e estalagmites se projetando do teto e do chão como lanças). Apesar da aparência assustadora, era bem limpinho e organizado, com vários nichos cheios de livros nas paredes.
O reitor sentou-se em sua cadeira esculpida na pedra e serviu uísque em dois copinhos de cristal. Baalat, a filha mais velha de Lúcifer, pegou um deles e o cheirou, sentindo o aroma, e logo em seguida bebeu um gole.
O reitor também bebeu um gole de seu copo.
— E então — disse Baalat —, o que acha?
— De fato, o rapaz é estranho, mas aprende rápido. Conseguiu controlar o fluxo de energia na primeira sessão de meditação.
— Descobriu o que tem nele?
— Não. Quer que eu o mate?
— Ainda não. Angélica ficaria furiosa. Continue vigiando ele e me mantenha informada. Não hesite em me reportar tudo o que descobrir.
— Sim, senhorita.