Pacto com a Súcubo - Capítulo 41
Clara Lilithu estava caminhando por caminhos secretos, feitos de pedra. Um olhar desatento diria que se tratavam dos túneis da Masmorra das Luzes; mas esses eram diferentes. Diferente da masmorra que foi esculpida no chão pelos milhares de anos de erosão, em tempos remotos antes dos demônios caírem no Inferno, estes foram construídos derretendo a pedra no fogo e modelando-a.
Ficava no subterrâneo das Areias da Segunda Morte, a grande arena de combate que, de tempos em tempos, dava entretenimento sangrento às diversas raças que habitavam o Inferno. Às vezes, até mesmo seres de outras áreas do Submundo faziam uma visita ilustre a fim de desfrutar de um bom show com gladiadores e monstros. As criaturas de Hades, em especial, adoravam assistir às lutas.
Clara ouvia os rugidos e guinchos de longe. As criaturas estavam com fome. Sabiam que em breve teriam carne em fartura. A súcubo, no entanto, tinha outros interesses. Procurava um certo documento onde constava o registro de todos os monstros que eram usados nas lutas. Se o tivesse, seria mais fácil preparar o Renato para as lutas que enfrentaria.
Caminhava pelos corredores com o maior cuidado para que não sentissem sua presença. Poderia ter problemas se fosse pega. Os sócios da segunda morte não tinham o hábito de serem amigáveis com intrusos. Mesmo assim, ela precisava tentar.
Se Renato soubesse com antecedência quais as criaturas que poderia enfrentar, já seria uma tarefa próxima do impossível; se não soubesse, seria quase morte certa.
Sabia onde os documentos ficavam: na sala de BaelZebub. Clara soube que o demônio tinha saído de férias e provavelmente estava relaxando em algum canto da Terra. Se esse fosse o caso, ela veria o resultado disso nos noticiários depois. Essa era uma boa notícia para ela, considerando que BaelZebub era um maníaco mais louco do que Satanakia; entretanto, era uma péssima notícia para os humanos, não tinha como negar.
Mesmo ela tomando todos as precauções, se aproveitando de um horário onde a maioria dos demônios importantes e perigosos estariam fazendo outras coisas ( e ela sabia como lidar com os Soldados Demoníacos que restaram para vigiar o local: matando-os); mesmo usando algumas magias e amuletos para esconder sua presença, ela foi descoberta.
Com um sorriso soberbo, num misto de curiosidade e arrogância, um reflexo de guerra nos olhos, e fazendo o ar pesar com o puro sentimento de raiva, estava Abigor.
— Clarinha, não me diga que você veio espiar? — Ele pôs a mão sobre a boca aberta, fingindo estar chocado.
— Abigor — Clara sorriu nervosamente —, ah, não… eu só estava… afinal, o que você está fazendo aqui?
— Oras, eu sou um dos sócios.
— É sério? Eu não sabia disso.
— Comprei ações recentemente. Mas… você ainda não me respondeu. O que faz aqui?
— Ah, sabe, eu só vim dar uma olhada na estrutura. Acho esse lugar incrível. Todo feito em pedra derretida no Fogo Eterno. É muito legal.
Abigor começou a rir.
— Você costumava mentir melhor. Acho que o primata tá te influenciando de forma negativa.
— Acho que sabe o que eu vim fazer aqui, Abigor.
— Eu? — Ele pareceu chocado. — Como eu poderia? As ações das súcubos são sempre um mistério para mim. E você, Clara, é a súcubo mais imprevisível… cof… cof… doida de todas. Mas — ele fez uma pausa dramática — para sua sorte, eu acabei de encontrar isso aqui. Seria do seu interesse?
Abigor mostrou um rolo de pergaminho velho, de cor amarelada.
— Isto é…?
— Sim. O bestiário da segunda morte. É o registro de todos os monstros que temos aqui. Gostaria de dar uma olhada?
Clara ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— O que quer em troca?
— Uma apalp…
— Não! Nada de apalpada! Pede outra coisa!
Abigor suspirou e baixou os ombros.
— Você não tem nada que eu queria, Clara. Eu sou mais rico que você, mais inteligente, tenho melhores contatos e mais poder mágico também. A única coisa que você pode usar como barganha é seu corpo extremamente gostoso.
Clara rangeu os dentes de raiva.
— Deve ter algo que…
— É uma pena — disse ele, guardando o pergaminho dentro da roupa —, mas não tem mais nada que eu queria de você.
Clara bufou.
— Tá! Tudo bem! Só uma apalpadinha! Você tem cinco segundos! Um, dois…
Ela mal começou a contar e Abigor se moveu feito um raio e, em uma fração de segundos, estava com a mão no seio dela. Apertou, sentiu a textura, a firmeza. Era durinho, mas ao mesmo tempo tinha uma maciez incrível.
— Por cima da roupa! — alertou Clara. — Se ousar passar a mão por dentro, eu corto fora seu amigo das partes baixas com a minha Espada do Pecado.
Essas palavras fez a espinha de Abigor gelar, porque ele sabia que ela faria mesmo.
— Já deu o tempo.
— Certo. Certo. O pagamento foi recebido — disse ele, com nariz empinado.
— Agora me dá o pergaminho.
— Aqui está. — Abigor pegou-o de dentro da roupa e o entregou a Clara. — Certifique-se que o nosso primata não morra na primeira luta — disse ele, com um sorriso. — Seria muito anticlimático.
—Ele conseguiu! — disse o diabinho de pele azul, olhando impressionado a pilha de entulho que o muro havia se tornado e dando pulinhos de alegria.
— Sim! O humano é mais legal do que parece! — disse o outro, em euforia.
— Parabéns, humano. — Kazov se aproximou. — Dessa vez, acho que não preciso me segurar.
— Você tava se segurando?!
— Mas é claro. Se eu te matasse logo no começo do seu treinamento, a Clara me comia vivo. — Ele sorriu. — Ou pior… explodiria meu…
— Muito bem! — disse o reitor. — Vamos ver como o humano se sai numa luta contra o Kazov agora.
Phenex e Hoopoe se afastaram, junto dos diabinhos, para dar espaço para Renato e Kazov lutarem.
Renato ficou em posição de luta.
— Pode vir!
— Calma! Calma, amigos! — Clara entrou na sala. Usava um vestido vermelho, um colar de pérolas negras do Tártaro e salto alto. Estava deslumbrante. — Vou precisar do humano por hoje. Amanhã vocês se divertem.
— Clara! Você voltou! — Renato não conseguiu esconder a alegria.
— Que bonitinho. Aposto que sentiu minha falta.
As bochechas do rapaz coraram e ele desviou o olhar.
— Não senti não — disse, baixinho, olhando pra parede.
— Hum, que malvado! — disse ela. — Se não melhorar seu comportamento, terá uma punição!
— Ok, ok! Vamos saindo, crianças! — Kazov puxou os diabinhos para fora.
— Não! Eu quero saber que tipo de punição ela tá falando! — protestaram eles, enquanto eram arrastados pela porta.
— Urg! — Hoopoe fez uma cara de nojo. — Eu também não quero ficar vendo isso. — Ela ajeitou os óculos e saiu.
Phenex chacoalhou a cabeça, estalando a língua, e desapareceu numa labareda que explodiu do chão e o engoliu.
— Enfim a sós! — disse Clara, com um olhar de levantar suspeitas.
Clara e Renato voltaram para a câmara que lhes servia de quarto. A súcubo mostrou o pergaminho, explicou do que se tratava, e disse que Renato precisava memorizar todos os tipos de monstros que constavam nos registros, com suas fraquezas e habilidades. Quais eram mais rápidos, quais tinham veneno, quais cuspiam ácido ou fogo. Deveria estar preparado para o que viesse!
E assim ele o fez. Passou a noite em claro, estudando. Leu o pergaminho inteiro duas vezes, repetindo as partes que considerava importantes, para não correr o risco de esquecer-se, depois foi até a câmara de treinamento para levantar alguns pesos e praticar alguns golpes. Quanto mais seu corpo ficava cansado e mais dor acumulava e torturava seus músculos, mais ele se sentia determinado a continuar. Não podia dar mole! Havia pouco tempo restando.
Depois de treinar até não aguentar mais, foi à biblioteca para ler mais sobre magia teórica e praticar meditação. Lembrou-se do que Arimã lhe disse no dia em que o encontrou na Inexistência: “Quanto mais forte se tornar sua mente e corpo, mais do meu poder você poderá usar. Se ficar forte o bastante, poderá, com facilidade, derrotar até mesmo os deuses”.
— Mente e corpo! Ambos precisam estar fortes! — disse ele a si mesmo. — Me tornarei a criatura mais forte do universo. Depois vou reconstruí-lo. Vou tornar o universo um lugar melhor, tanto para os vivos quanto para os mortos!