Pacto com a Súcubo - Capítulo 51
— Definitivamente eu saí do Inferno e vim direto pro Paraíso! — disse Renato para si mesmo.
Clara deu um soquinho em seu braço.
— Seu bobo! Onde é que já se viu um demônio no Paraíso? Isso aqui tá mais pra “do jeito que o Diabo gosta”.
— Er… hum… — Jéssica tinha as bochechas coradas —, e agora? O que a gente faz agora?
— O que a gente faz agora? — Clara sorriu maliciosa. — Tá doidinha pra fazer coisas com o Renato, né?
— E-eu não! Eu só tô perguntando por pura curiosidade mesmo! Não é como se eu quisesse fazer alguma coisa!
— Tsundere? — Renato ergueu uma sobrancelha, achando a reação da garota um bocado engraçada.
— Quê? Que palavra é essa?!
— Não é nada, Jéssica. Só me lembrou de uma coisa que eu vi.
— Jés. Pode me chamar de Jés.
— Certo.
Renato não conseguia disfarçar o sorriso bobo do rosto.
— E pode me chamar de Mica também! Não seria justo você chamar só a Jés dessa forma! Por favor, me chame de Mica!
— Certo, Mica.
— Hum… — Clara se aproximou —, ora, eu sou a única que não tem apelido. Então, Renato, me chame de Rainha. Não tenho apelido, mas acho que Rainha tá bom. Também aceito Grande e Adorada Súcubo ou Suprema Senhora Dona da Porra Toda. Aceito qualquer um desses.
Renato riu.
— A autoestima aí tá boa.
— Mas é claro que tá!
Na janela, o sol exibia seus primeiros raios de luz. Mical e Jéssica ficaram num silêncio tímido. Clara teve uma ideia.
— E se a gente brincasse de Verdade ou Desafio?
Renato ergueu uma sobrancelha. Tinha gostado da ideia.
— Eu nunca brinquei disso — disse Mical. — Não sei como se brinca.
— Eu também não — completou Jéssica.
— É fácil — Clara deu de ombros. — A gente gira uma garrafa; e aí aquele que a garrafa virar a parte mais grossa, do fundo, pergunta para aquele que tiver sido apontado pela parte mais fina: “verdade ou desafio?”. Se escolher verdade, vai ter que responder com sinceridade qualquer pergunta que o outro fizer; se responder desafio, vai ter que fazer qualquer coisa que o outro pedir. É uma maneira divertida de quebrar o gelo.
— Hum… não sei… me parece uma brincadeira meio safada — Jéssica mordiscou os lábios.
— A brincadeira não é safada. Só se a gente deixar ela safada.
— Parece divertido! — respondeu Mical. — Eu quero brincar disso!
— E aí, Renato, que acha? — perguntou Clara.
— Eu sou primeiro a topar!
— Então está decidido! Sentem-se em círculo. Vou ali buscar a garrafa.
Clara virou névoa e, dessa forma espectral, foi até a cozinha. Procurou por uma garrafa vazia, mas não encontrou. Teve uma ideia. Pegou uma garrafa de cachaça Cabaré no armário de bebidas e voltou para o quarto.
— Certo, pessoal, a regra principal da brincadeira é bem clara: antes de começar, todo mundo deve tomar uma dose de pinga.
— Ei! Você não falou nada dessa regra antes! — reclamou Jéssica.
— Eu nunca ouvi falar nessa regra… — constatou Renato.
— É uma regra nova. Agora tratem de beber! — disse Clara e entregou a garrafa para o garoto. Renato a pegou e, dando de ombros, bebeu um gole.
— Taporra! Minha garganta tá pegando fogo! — disse Renato, tossindo e fazendo careta.
Clara gargalhou.
—Sua vez, Jéssica — disse a súcubo, entregando a garrafa.
A menina hesitou por um instante, mas pegou a garrafa. Aproximou o nariz.
— Não! — protestou Clara. — Não pode cheirar! Se cheirar, não bebe. Tem que beber logo de um vez, sem cheirar! São as regras do jogo.
Jéssica fez uma careta de protesto, mas não disse nenhuma palavra. Levou a garrafa à boca e deixou um gole descer pela garganta. A menina quase vomitou.
— Arg! Que coisa… cof… arg… cof… que coisa forte! Achei que seria parecido com o vinho! Mas… cof… arg… isso queima!
— Parecido com vinho?! — Clara gargalhava muito; não conseguia se segurar. — Vinho se parece com isso assim como você se parece comigo!
— Vinho é mais gostoso.
— A cachaça é mais quente.
Mical bebeu um gole e, para a surpresa de todos, a pinga desceu como água. A garota nem fez careta.
— A freirinha tá escondendo coisas da gente — disse a súcubo, erguendo uma sobrancelha.
A brincadeira correu divertida. Logo no começo, Clara fez a famosa pergunta a Renato: “Verdade ou desafio?”, e ele, esperando que ela tivesse alguma ideia safada, coisa que o agradava, escolheu desafio. Pobre garoto ingênuo! Para sua tristeza, ela fez ele dançar funk. A música nem importava, ela só procurou no Spotify por “funk lançamentos”, e o coitado teve que se virar nos trinta.
— Eu não sei dançar! — protestou.
— Não importa! Escolheu desafio, então vai ter que se virar!
— Tsk! Essa demônia vai ver! Minha vingança será… ainda não decidi o que será, mas sei que será bem vingativa!
— Para de resmungar e dança logo!
Ele tentou. Acompanhou o ritmo, fez o que pôde, mas ele era travado demais e tudo não passou de uma grande vergonha alheia. Até as duas irmãs, que não sabiam nada sobre funk, compreenderam o quão errado aquilo era. Ao fim, Renato foi se sentar, meio envergonhado.
E então foi a vez dele girar a garrafa. Dessa vez, Jéssica foi a sorteada.
— Verdade ou desafio?
Ela o encarou por alguns segundos.
— Verdade. — Ela até queria escolher desafio, mas ficou com medo.
Renato pensou um pouco sobre o que perguntar, mas criatividade nessas coisas nunca foi seu forte.
— Então fala uma verdade sobre você.
— Nossa! — Clara protestou, indignada. — Mas que “pergunta de verdade” mais bosta, hein, Renato?!
Jéssica suspirou.
— Posso tomar mais um gole de pinga?
Clara nem respondeu, só passou a garrafa pra ela. A garota tomou um gole, o que a fez engasgar novamente. O calor desceu pelo peito. A cabeça tonteou e a coragem veio com tudo.
— Uma verdade sobre mim. Lá vai: eu senti ciúmes da minha irmã porque ela te beijou primeiro.
Renato não soube o que dizer. Ficou tímido.
— Tá podendo, hein, Renato?! — disse Clara, dando tapinhas em seu ombro. — Acho que ter uma súcubo do seu lado aumentou seu apelo sexual. Parece até que tem mel nesse trem!
— M-m-mas irmã! — gaguejou Mical. — E-eu não sabia que você se sentia assim. Se eu soubesse eu… eu teria… eu teria me segurado… e…
— Tá tudo bem, Mica. O que importa é que nós duas estamos — pigarreou — você sabe…
Mical gargalhou.
— Se o padre soubesse! — Ela tentava segurar as risadinhas, mas não conseguia. Olhou para sua irmã como se compartilhassem um segredo divertido.
Em algum momento da brincadeira, foi a vez de Clara perguntar para Mical:
— Verdade ou desafio?
Mical, que estava se sentindo empolgada, respondeu:
— Desafio.
Os olhos de Clara brilharam cheios de malícia.
— Então eu te desafio a dar um selinho na minha boca.
— Eita porra! — disse Renato, quase cuspindo a pinga que estava bebendo.
— Mical! — Jéssica a deteve. — Isso me parece um pouco demais.
— Jés, nós concordamos com as regras da brincadeira, não concordamos? Somos duas garotas de Deus, e garotas de Deus cumprem com aquilo que falam. Não posso me negar a fazer isso agora! Pelo bem da fé que temos, eu preciso dar esse selinho!
— Mica…
— Essa lógica parece meio zuada — sussurrou Renato, mas só sussurrou mesmo.
Clara fez biquinho.
— Pode vir.
Smack!
Foi um beijinho rápido, onde só tocaram os lábios e depois se afastaram, mas foi bem estralado; e Clara, dramática, levou a mão ao peito e gesticulou como se seu coração estivesse batendo apaixonada e enlouquecidamente.
Mical, por outro lado, baixou os olhos e deu um sorrisinho contido, enquanto suas bochechas ficavam tão vermelhas quanto os olhos de Clara.
A súcubo, faceira, se levantou, foi até o hack e ligou o Home Theater. Mexeu no controle da tv, enquanto navegava pelas várias opções de músicas no Spotify. E então botou pra tocar “I Kissed A Girl”, da Katy Perry.
Voltou ainda mais faceira pro seu lugar, movendo sedutoramente os quadris enquanto caminhava, cantarolando a letra da música.
Notou os olhares desconfiados dos outros três. Ela deu de ombros.
— Que foi, gente? Acabei de beijar uma garota e gostei. Achei que a ocasião merecesse uma trilha sonora.