Pacto com a Súcubo - Capítulo 55
— Então é ali que ele mora… — disse Hiro, sentindo um arrepio.
O carro estava estacionado embaixo de uma árvore, do outro lado da rua, e eles esperavam.
— Sim — Tâmara assentiu.
— Parece uma casa normal — disse Renato. — Muros altos, grades, cerca elétrica e cacos de vidro em cima dos muros. Bem normal, para os padrões brasileiros.
— Me parece a casa de alguem que quer manter as pessoas longe — disse Alicia.
— As pessoas… tipo ladrões? — Renato ergueu uma sobrancelha.
— Ou testemunhas… — Alicia estava um tanto sombria.
— Pode ser — Renato coçou a bochecha com um dedo.
— Vamos descobrir o que tiver pra descobrir! — disse Hiro, determinado. — Se ele for inocente e não ter nada aí, a gente vai embora, mas se encontrarmos alguma coisa, a gente chama a polícia e livra as ruas de mais um assassino!
Tâmara deu um sorriso.
— Isso é tão excitante.
— Ali! Ele tá saindo! O canalha! — cochichou Hiro.
— Sabe que ele pode ser inocente, né?
— Certo, certo, Renato! O “suposto canalha” então.
O professor estava trancando o portão logo depois de sair. Deu uma última olhada na mochila, para ver se estava tudo em ordem, e ficou ali, parado, esperando. Olhava o celular de vez em quando.
— Acha mesmo que ele pode ser inocente, Renato? — Foi Tâmara que rompeu o curto silêncio.
— Eu não sei. Só acho que não é legal sair condenando os outros sem ter certeza, sabe?
Ela riu e deu tapinhas no ombro dele.
— Você é tão certinho.
Alguns minutos depois, um carro encostou, aparentemente um motorista de aplicativo, e o professor embarcou. Assim que o carro sumiu na esquina, os jovens desceram da caminhonete, atravessaram a rua e se aproximaram do portão do professor. Era um portão de ferro grande, elétrico, com um portãozinho para passagem de pessoas à pé. Em cima do muro, cacos de vidro faziam companhia para a cerca elétrica.
Alguns pedestres olhavam curiosos para os jovens, mas sem dar muita importância, logo seguiam caminho.
— Como vamos abrir o portão? — perguntou Alicia.
— Isso é fácil — respondeu Tâmara, com um sorriso malicioso. — Trouxe as coisas que te pedi, Hiro?
— Trouxe sim — respondeu ele, tirando das costas a mochila que trazia. Vasculhou um pouco o conteúdo interno e tirou uma chave de fenda, um alicate e um pequeno clipe de papel.
Tâmara pegou os objetos e, primeiramente, usando o alicate, desdobrou o clipe, transformando-o num pequeno arame metálico. Depois enfiou a ponta do arame no cadeado e começou a movimentá-lo.
Alicia ergueu uma sobrancelha, um tanto abismada.
— Caramba, e isso da certo mesmo? Achei que era coisa de filme.
Tâmara continou o trabalho, sem desviar os olhos. Pegou a chave de fenda e também enfiou no cadeado. Moveu um pouco mais o arame e girou a chafe. O cadeado estalou e abriu.
— Tcharam! — Tâmara estufou o peito. — Talvez eu seja mesmo uma agente secreta — e lançou uma piscadela.
Hiro pôs a mão sobre o ombro de Renato e cochichou para ele:
— Gostosa e doida, meu amigo. Do jeito que você gosta.
Renato riu.
— Vamos entrar logo antes que alguém chame a polícia.
Assim que entraram no quintal, fecharam o portão logo atrás de si. O chão era gramado e tinha algumas plantas floridas próximas ao muro. A casa não era grande, mas era bem cuidada.
— Tâmara, consegue repetir a mágica na porta da casa? — perguntou Hiro.
— Mas é claro!
Assim como fez com o portão, ela abriu a porta sem muita dificuldade. Assim que entraram, se viram na sala. Tinha dois sofás, uma TV, e mais alguns móveis. E, importnte dizer: um vídeo game sobre uma mesinha próxima da TV. Os olhos de Renato brilharam ao vê-lo.
— Ah, que saudades de um desses! — disse ele, acariciando o video game, com todo o carinho, como se fosse uma pessoa.
Hiro foi até ele e pigarreou.
— Ahém! Comporte-se, meu amigo! As garotas estão te olhando! Não fique aí parecendo um nerd… pega mal, sabe?
Renato se levantou, mexendo na gola da camiseta, ajeitando uma gravata imaginária.
— Desculpem. Acho que perdi a compostura por um momento.
As meninas riam.
— Não julgo — disse Tâmara. — Sou viciada em God Of War e GTA.
Hiro bateu no ombro de Renato.
— Essa é pra casar, meu amigo.
— B-bom, vamos procurar as evidências! Foi isso que viemos fazer aqui, não é? — disse Alicia.
Tâmara revirou os olhos e suspirou, e fez uma rápida careta de despreso.
— Certo, certo! Vamos procurar! — concordou Hiro. — Onde um assassino em série guardaria seus troféus?
— Talvez no quarto? — disse Tâmara, com alguma incerteza na voz.
— Pode ser — assentiu Hiro. — Vamos dar uma olhada.
No quarto havia uma cama de solteiro, um guarda roupas pequeno, uma esquivaninha com um notebook e uma estante cheia de livros.
Hiro começou a abrir as gavetas do guarda roupas. Revirou algumas cuecas e meias, e tirou algumas roupas do lugar. Tinha até alguns papéis perdidos.
Alicia olhou na escrivaninha e Tâmara foi pra estante. Tirava os livros do lugar, os abria e olhava com certa curiosidade.
Renato ficou parado na porta, olhando a bagunça que seus amigos estavam fazendo. De vez em quando ele olhava na direção do portão, com algum receio.
— Não acredito! — disse Hiro, puxando uma revista da gaveta. — Essa é a edição da Play Boy com o ensaio da Cleo Pires?! Revista de 2010! Apenas cem unidades foram impressas! É super rara! É a Play Boy mais cara de todas! — Ele abriu a revista e começou a folheá-la. — Caramba! Eu sempre quis ter uma dessas! É um presente dos céus! É a beleza mais pura capturada por uma câmera fotográfica!
Renato pôs a mão sobre o ombro de Hiro, interrompendo os devaneios dele.
— Se comporte, meu amigo! Não pega bem ficar agindo feito um pervertido na frente das garotas, entende?
Hiro limpou a garganta e se levantou, recuperando a pose.
— Acho que me deixei levar. Desculpem por isso. Porém, por motivos puramente acadêmicos, vou levar esta revista comigo para futuras pesquisas. — E foi guardando a revista na mochila.
Renato suspirou e balançou a cabeça.
— Encontrei alguma coisa! — disse Tâmara, segurando um bauzinho nas mãos. Ela o abriu e: — Filho da puta!
— O que foi? — perguntou Alicia. — O que encontrou?
— Acho que é cabelo.
— O quê?
— Cabelo.
Ela mostrou o bauzinho. Lá dentro havia saquinhos plásticos com tufos de cabelo presos por elásticos.
Renato pegou um dos envelopes. Dentro, além do tufo de cabelo, tinha um papelzinho onde estava escrito: “Analice, a mais vadia do terceiro ano”
— “Carine, essa mereceu sofrer” — leu Hiro, no papelzinho de outro envelope com cabelo. — “Primeiro ano B”.
— “Roger” — leu Alicia. — “O delinquente”
Todos arregalaram os olhos assustados. Puseram os envelopes de volta no baú e Tâmara o devolveu à estante.
— Achamos — disse ela.
Um arrepio percorreu a espinha de todos.
Renato franziu o cenho e balançou a cabeça. Parecia até um pouco indignado.
— Que tipo de criminoso deixa as provas dos próprios crimes assim tão fáceis de serem encontradas?
— Do tipo confiante, eu acho — disse Tâmara, dando de ombros. — Ele deve ter pensado que nunca suspeitariam dele!
— Só precisamos chamar a polícia. Eles fazem aqueles exames de DNA, não fazem? Só precisam fazer os exames e não restará mais dúvidas — disse Hiro. — Pegamos o canalha!
Nessa hora, um barulho vindo do portão assustou a todos. Renato olhou, com cuidado, enquanto se escondia atrás da parede.
— Merda!
— O que foi? Viu alguma coisa? — disse Hiro, apreensivo.
— Ele voltou. O professor voltou! Ele tá no portão.
— Mas que merda!
— Ai, meu Deus! — Alicia começou a se desesperar. — Ele vai matar a gente!
Tâmara ergueu um canivete.
— Vou me esconder atrás da porta. Ele vai entrar e focar em vocês. Nessa hora, eu esfaqueio ele por trás.
— Espera! O quê?! — Hiro estava a ponto de surtar.
— Acha que ele vai ficar numa boa ao ver que a gente invadiu a casa dele? Acha? É ele ou a gente, bonitão!
— Ai, Deus! — Alicia cobriu o rosto. Estava tremendo. — A gente vai morrer!
— Vamos logo! — Tâmara segurou o canivete mantendo a lâmina para trás. — Ele tá entrando?
— Não — respondeu Renato. — Ele tá parado no portão.
Tâmara se aproximou e tomou posição tentando ver.
— Ele tá… — Ela não completou a frase.
O professor estava com o cadeado na mão, olhando em direção a sua casa. E com a outra mmão, segurava o celular no ouvido. Parecia nervoso.
— Policia… — sussurrou Renato.
Tâmara ergueu uma sobrancelha.
— O que está acontecendo? — Hiro tentava olhar também. — O que ele tá fazendo?
— Está chamando a polícia — respondeu Renato. — Ele sabe que tem alguém na casa.
— Tem uma delegacia bem perto daqui. Significa que eles podem chegar aqui dentro de alguns minutos — disse Tâmara. — Isso é ruim. Se a polícia ver a gente aqui dentro, podem invalidar as provas, alegar que foram obtidas de maneira ilegal ou até que a gente inplantou elas…
— Merda! — praguejou Hiro. — A gente se fodeu bonito.
— Precisamos achar uma saída! — Renato se levantou e foi em direção à cozinha, onde a porta, aparentemente, dava acesso aos fundos da casa. — Talvez consigamos sair por ali. — Droga, tá trancada!
— Deixa comigo — Tâmara se aproximou, sacando do bolso o pedaço de arame. — Hiro, me dá a chave de fenda!
— C-certo! — Ele pôs a mochila no chão e a abriu, procurando pela ferramenta.
— Vai logo, porra!
— T-tô indo! Perai! Tô procurando ela!
— Você perdeu ela?! — Tâmara não conseguiu disfarçar a raiva na voz.
— N-não! Tenho certeza que tá aqui! Achei! Tá aqui! Toma! — Ele tremia bastante e sua voz estava falhando.
Tâmara pegou a ferramenta e enfiou na fechadura. Os olhos âmbar nem se moviam. As mãos eram ágeis, e se movimentavam com rapidez, porém eram cuidadosas ao mesmo tempo.
— Vai logo, por favor! — disse Alicia, choramingando.
— Não me enche o saco. Tô indo o mais rápido que consigo. — A voz de Tâmara saiu ríspida e dura.
Do lado de fora, o professor tentava ver alguma coisa dentro de sua casa, porém as luzes apagadas tornavam isso tarefa impossível. Ele ainda segurava seu cadeado nas mãos. Notou que tinha sido aberto à força.
A polícia lhe disse que estava chegando. Um suor descia por sua testa. Tinha medo do que poderia acontecer.
Tâmara encontrava dificuldade pra abrir a porta. Talvez por nervosismo; talvez porque o modelo da fechadura era diferente. Provavelmente era um pouco dos dois. Os olhos dela nem piscavam. O suor descia pela bochecha e pescoço.
Foi quando ouviram a sirene da polícia que ela finalmente disse:
— Consegui.
E confirmando, a fechadura estalou num “cléc”, e a porta se abriu.
O quintal era todo murado, por isso não havia modo fácil de escaparem. Tinha uma piscina, uma churrasqueira que ficava embaixo de uma área, e um pé de manga.
Pular o muro não seria tarefa fácil por causa da cerca elétrica e dos cacos de vidro.
— Vamos subir pelo pé de manga! Daquele galho grande, da pra pular pro outro lado — disse Renato.
— Vamos! — Hiro concordou.
A árvore era íngreme e alta. Alicia, que foi a primeira a subir, precisou de ajuda. Renato e Hiro deram apoio, segurando-na pela cintura, enquanto ela tentava escalar o tronco. Fizeram as mãos de degraus para que ela pisasse.
Ela se agarrava à mangueira, tentando ganhar altura. Escorregou e, por instinto, prendeu as unhas nas cascas da árvore. Farpas entraram por debaixo de sua unha. Ela grunhiu de dor, mas não soltou. Continuou escalando.
A polícia tinha entrado dentro da casa. Acenderam as luzes e começaram averiguar cada cantinho onde alguém poderia se esconder. As armas estavam nas mãos, prontas para atirar, se fosse necessário. Olharam a sala, quartos, cozinha. Finalmente, foram em direção à porta que dava acesso aos fundos da casa.
Assim que Alicia conseguiu subir, e segurou-se aos galhos, e escondeu-se entre as folhas, foi a vez de Tâmara. Hiro e Renato repetiram o que fizeram para a outra amiga. Porém, Tâmara subiu com mais facilidade. Agarrou-se no tronco e, com um salto, conseguiu segurar-se aos galhos acima.
— Vamos! Precisamos pular! — disse ela para Alicia. — Precisamos pular pro outro lado do muro.
Alicia estava hesitante, mas concordou.
— Sua vez, Hiro!
— Mas, Renato, você pode ir primeiro! Vai você! Eu te ajudo a subir!
— Não! Vai logo!
Hiro engoliu em seco.
— C-certo! Lá em cima eu te dou a mão.
Renato assentiu e juntou as duas mãos, para servir de degrau para Hiro subir. O garoto também não teve muita dificuldade, porém demorou mais do que Tâmara. Ele ainda estava procurando apoio nos galhos do alto, quando Renato ouviu os passos se aproximando da porta.
Percebeu que não daria tempo de subir.
O policial abriu a porta e olhou por todo o quintal. Eram dois: um estava na frente, o outro ficou na porta, como se desse cobertura. Havia um terceiro na frente da casa. Porém, como não acharam nada, abaixaram as armas e voltaram para falar com o professor.
Se tivessem olhado para baixo, na piscina, viriam Renato prendendo a respiração embaixo das águas azuladas.
Assim que viu a oportunidade, ele saiu da piscina e, num salto humanamente impossível, escalou o pé de manga com facilidade e pulou do outro lado do muro.
*
Um homem forte, do tipo que parece injetar Whey Protein direto na veia, estava parado dentro de um Honda Civic preto. Assim que viu os jovens entrarem na caminhonete e pegarem a estrada, ele pegou o telefone.
— Kath, eles sairam da casa e estão indo embora.
— Certo, Andrei. Continue seguindo eles. E mantenha-me informada. Já contatei uma equipe. Estamos chegando.