Pacto com a Súcubo - Capítulo 57
— Olá, Flamel.
— Bonjour, sucubbe.
— Sabe o que eu vim fazer aqui? — perguntou Clara. Ela usava um lindo vestido preto, e trazia uma bolsa da Louis Vuitton presa ao ombro. Seus olhos eram como duas bolas de fogo, vermelhos e brilhantes, e a intenção assassina era tão intensa que quase podia ser vista a olho nu.
— Morrer, eu suponho.
E então ela viu o míssil que se aproximava rapidamente, rasgando o ar. Ele atravessou a janela de vidro, fazendo uma curva aguda, e foi na direção de Clara.
Era só virar névoa, pensou a súcubo, e deixar o míssil passar por ela e explodir na parede de trás. Mas havia um problema: se fizesse isso, teria uma consequência indesejável. Então, não teve escolha: juntou toda a força que tinha e, usando de seus reflexos maravilhosos, conseguiu pegar o míssil entre as duas mãos.
Seu corpo foi jogado para trás. Tentou firmar os pés, mas eles deslizavam. Ela estava sendo empurrada pela força do míssil.
Enquanto isso, Flamel puxou uma pistola da cintura e disparou contra Clara, enquanto corria em direção ao balcão. Na verdade, não era o balcão que ele almejava alcançar, mas o que tinha depois da porta que ficava atrás dele: um Quarto Seguro, construído para mantê-lo protegido em situações de extrema urgência.
As balas atingiam Clara, e queimavam. Eram balas feitas numa liga de prata, ouro e água benta, e tinha minúsculos símbolos alquímicos entalhados nelas. Era um tipo de munição especial fabricada por Flamel.
A súcubo grunhiu de dor, enquanto era atingida, mas não soltou o míssil.
— Não vem! — gritou. — Eu dou conta!
Então ela direcionou o míssil para o alto e o soltou. Ele bateu contra o teto e explodiu, abrindo um buraco. Clara pulou para o lado para evitar os escombros incandescentes que desmoronavam e, assim que olhou para o teto novamente, pôde ver o céu azul.
— Flamel. Eu tô indo te pegar!
A porta que dava acesso ao Quarto Seguro era de aço fortificado e estava trancada. Também tinha vários símbolos entalhados, para garantir que nenhum demônio ou anjo poria as mãos nela.
Clara sorriu e balançou a cabeça.
— O mundo moderno trouxe maravilhas — disse, alegremente.
Abriu a bolsa da Louis Vuitton e tirou de dentro três bananas de dinamite unidas, que compartilhavam o mesmo pavio.
Ela pôs as dinamites junto da porta e, de dentro da bolsa, tirou um cigarro e um isqueiro. Acendeu o cigarro, deu uma longa tragada, e logo em seguida expirou, soltando a fumaça. Depois acendeu o pavio das dinamites usando a brasa do cigarro. E se afastou.
— Acho que isso deve ser o suficiente.
Deu mais duas tragadas no cigarro e o jogou no chão, enquanto assistia o pavio das dinamites sendo rapidamente consumido pela chama.
Alguns segundos depois, veio a explosão. Destroços voaram em todas as direções. O chão tremeu e foi fendido por uma grande rachadura. O teto desmoronou ainda mais. A porta se dobrou e voou pra dentro do Quarto Seguro como um projétil.
Clara balançou a cabeça para cima e para baixo, num sinal de aprovação.
— Achei que o prédio todo ia a baixo! Parabéns pro engenheiro! — disse, com um sorriso.
Lá dentro do quarto, Flamel segurava uma metralhadora.
— Je suis l’ingénieur, salope! (Eu sou o engenheiro, vadia!) — E puxou o gatilho.
Clara correu e se protegeu atrás de um pedaço de escombro, que minutos antes fazia parte do teto. As balas atingiam o concreto maciço, reforçado com alquimia, e ricocheteavam, soltando faíscas.
— Vamos, succube! — gritou Flamel, enquanto disparava.
Assim que as balas acabaram, ele pressionou o botão específico, e o pente de munições desencaixou da metralhadora e caiu no chão. E Flamel encaixou outro pente, num movimento tão rápido e ágil que poderia ter sido feito por um soldado profissional.
— Aparece pra morrer, Clara Lilithu.
— Agora — sussurrou Clara, enquanto ajeitava o ponto em sua orelha. — Nas mãos.
Um único disparo reverberou por todo o andar do prédio. Flamel gritou de dor e soltou a metralhadora. Uma bala de fuzil tinha atravessado sua mão direita.
— Arg! Merde! — gritou, com voz falhada e saliva descendo pelo canto dos lábios.
E então outro tiro. Uma bala atravessou sua mão esquerda. O impacto fez Flamel girar e cair no chão.
Clara saiu de seu abrigo atrás do escombro. Ao ver Flamel caído, se arrastando para atrás de uma barricada de concreto, enquanto deixava um rastro de sangue pelo caminho, ela não pôde deixar de rir.
— Ah, a vingança é mesmo uma coisa deliciosa, não é?
Flamel agarrou a metralhadora. Tentou segurá-la. Não conseguiu. Tentou equilibrá-la numa das mãos e puxar o gatilho com a outra. Também não conseguiu. Suas mãos, perfuradas, estraçalhadas pelas balas de fuzil, não tinham força.
Ele largou a arma e correu para trás da barrigada.
— Não conseguiria me pegar aqui, succube! Tem uma barreira enoquiana protegendo o quarto! Um demônio de quinta categoria como você jamais poderá entrar!
— Uma barreira enoquiana?! — Clara levou a mão à boca, parecendo surpresa. — Droga! Por que eu não pensei nessa possibilidade? Ah, não, peraí, eu pensei! — Nessa hora, ela não conseguiu segurar a risada e gargalhou com vontade.
— Ai, ai! Isso é tão divertido, Flamel! Jessica, querida, faz um favorzinho aqui!
E então Jéssica apareceu. Ela entrou na oficina, trazendo um fuzil preso ao seu ombro pela alça.
— Poderia, por favorzinho, quebrar a barreira enoquiana?
Clara olhou para Jéssica. A garota estava completamente séria. Ela se aproximou da entrada do Quarto Seguro e prestou bastante atenção nos símbolos desenhados no chão e nas paredes. Ela conhecia o feitiço. Já tinha usado antes contra Abigor.
— Foi ele quem ajudou o Mercenário Possuído?
— Foi. — A súcubo lhe respondeu.
— Ei, garotinha — disse Flamel, com medo —, ela é um demônio, sabia? Não deveria ajudar demônios. Ela é do mal!
Jéssica direcionou para Flamel o mais sincero olhar de desprezo.
— Por sua culpa, minha irmã se machucou. Por sua culpa, quase voltamos pro Priorado. Por sua culpa, ela quase teve que passar por todo aquele sofrimento de novo. Você é o culpado pelas lágrimas que minha irmã derramou naquele dia. Você, alquimista, é o verdadeiro mal aqui.
Jéssica olhou para o símbolo no chão, próximo da entrada do quarto. Então, ela mordeu a própria mão, próximo à base do polegar, até sentir gosto de sangue. Depois, ela deixou o sangue pingar sobre o símbolo.
— Aperire! (abrir) — falou em latim.
E bolhas surgiram na tinta que formava o símbolo.
— Agora, Clara, é só entrar.
— Obrigada. Te darei uma recompensa mais tarde, servinha do Senhor..
Jéssica apenas bufou.
Clara se aproximou da entrada e olhou pra Flamel. O alquimista estava com os olhos arregalados. Parecia não acreditar.
Clara, lentamente, como se brincando, pôs o primeiro pé dentro do Quarto Seguro.
— Flamel, Flamel, você tá muito fodido na minha mão agora — disse ela, com um belo sorriso.
Talvez fosse apenas imaginação, mas Nicolas Flamel já sentia uma estranha coceira e um pouco de dor em suas partes íntimas.
— N-não se aproxime — disse ele, tentando equilibrar e apontar uma pistola.
Clara riu.
— Você, com as duas mãos furadas desse jeito igual peneira, tá até parecendo aquele cara que ressucitou depois de três dias.
Jéssica bufou, indignada.
— Não diga bobagens como essa, Clara, ou teremos problemas! Apenas mate-o logo!
— Certo, certo! Foi mal. Homicídio tá de boa; mas piadinhas assim, aí não pode. Entendi.
Clara falou com um tom sarcástico.
— Exatamente isso! — disse Jéssica.
Clara chutou pra longe a pistola que Flamel segurava. Ele se levantou e tentou correr; ela o alcançou e, com um tapa na nuca, o fez cair de cara no chão. Ele tentou se reerguer, mas a força de Clara era muitas vezes maior, então ela o segurou, não deixando que tentasse fugir de novo.
Então ele meteu a mão ensanguentada no bolso e segurou com toda a força o pedaço de coração de porco que tinha guardado ali.
— Eu vou voltar pra te matar, succube.
— Eu duvido muito. Bonne nuit! (Boa noite!) — disse a súcubo, em francês.
Então Clara pisou sobre a cabeça dele, com força, de modo que o salto alto e fino afundou num dos olhos. A cabeça emitiu um som como “ploft” e foi esmagada de modo que estourou feito uma fruta podre que caiu do pé, e até os miolos ficaram expostos, derramados sobre o piso frio.