Pacto com a Súcubo - Capítulo 63
— Abigor? — Tâmara franziu o cenho. — Isso era pra significar alguma coisa?
Ele riu.
— Sou um demônio. E acabei de ouvir seu desejo. — Os olhos dele brilhavam.
Tâmara cerrou os dentes.
— Ah, mas que droga! — gritou. — Eu tô com muita raiva agora!
— Você se acostuma. — Ele deu de ombros e se aproximou dela. Tâmara recuou, desconfiada.
— Sabe — disse ele —, você não teria nenhuma chance de sucesso se tentasse sequestrar o Renato para si, ou se tentasse matar aquelas garotas que estão com ele. Aquela súcubo te partiria em pedaços num instante. Até aquelas duas pirralhas ofereceriam algum risco.
— Eu… eu dou conta! E eu sou linda! O Renato não vai resistir!
— Acho que ele já resistiu, não foi?
— Cala a boca! Cala a boca! Cala a boca! — gritou. — Isso foi só um contratempo! Ele vai me ouvir! Vai se render a esse sentimento! Ele também sente o mesmo que eu! Tenho certeza!
Abigor se aproximou, olhando bem fundo naqueles tristes olhos âmbares.
— Pobre garotinha, ficou tanto tempo sem receber ajuda, que não a reconhece mais, mesmo que ela apareça na sua frente…
— O… quê…?
— Mas eu vou te mostrar!
Abigor pôs as duas mãos sobre os ombros dela e, lançando mão de um feitiço, direcionou algumas memórias para ela. Foram memórias que ele escolheu a dedo, então sabia exatamente o que ela veria.
Primeiro, Tâmara viu tudo ao seu redor ficar borrado, como se olhasse através de um vidro cheio de gotículas de água, então sua cabeça doeu. Depois viu flashes de luz e lampejos.
Esses lampejos mostravam coisas: o Renato estava sobrevoando a avenida, batendo um par de asas negras e escamosas presas às costas; depois ele estava lutando contra outro homem, enfiando a mão dentro do peito dele e retirando uma gosma escura.
Ela viu a garota de pele oliva e olhos escuros avermelhados tocando homens, e logo em seguida viu as partes íntimas deles explodirem, deixando apenas um buraco disforme de carne dilacerada.
Viu garotas perdidas na noite, fugindo, tendo que lutar para se manterem vivas.
Viu Renato mais uma vez: ele estava dentro de um caixão, logo depois estava lutando contra um outro homem, ou talvez não fosse humano. Viu asas, bolas de luz sendo disparadas e explosões. Viu anjos voando. Viu espadas incandescentes. Viu fogo. Ouviu gritos.
Os lampejos passavam rapidamente diante de seus olhos, intercalados por flashes de luz e momentos de puro escuro.
Abigor se afastou. Tâmara o encarou, atônita. Sua cabeça doía. Latejava. Cambaleou. Era difícil manter o equilíbrio. A tontura aumentava, então ela se jogou no sofá, enquanto respirava pesadamente.
— Viu — disse Abigor. — É isso o que está acontecendo. Essa é a parte que você não sabia.
— S-são todos monstros! Todos monstros! Você é um demônio! E tem aquela súcubo!
— Percebeu agora? Não tem como você jogar esse jogo assim, sem nem uma habilidade extra-humana. Vai morrer rápido. E isso seria um desperdício de talento.
— O que… eu posso fazer?
— Pode fazer um acordo comigo. Está disposta, Tâmara, a fazer um pacto com o demônio?
Ela o fitou. Ainda respirava pesadamente. Curvou os lábios.
— Eu sempre estive.
— Ótimo! — Ele tirou dos bolsos um pequeno alfinete e entregou a ela. — Espete isso no dedo e me entregue. Eu preciso de uma gotinha de sangue.
Tâmara fez uma careta desconfiada.
— Pra que precisa disso?
— É mera formalidade.
— Se eu fizer isso, vou poder encarar todos esses perigos e trazer o Renato para mim?
— Você terá boas chances, é claro. Os resultados dependerão de suas ações, mas isso te dará alguma vantagem.
— Entendi.
Ela engoliu em seco. Depois deu de ombros.
— Que se dane! — Espetou o dedo.
Os olhos de Abigor brilharam cheios de ganância, como se visualizassem uma montanha de ouro.
Ele pegou o alfinete, com a gotinha de sangue, e guardou no bolso. E estendeu a mão para ela. Tâmara fez um olhar confuso.
— Pegue minha mão, garotinha primata.
Tâmara segurou sua mão. Algo correu através dele para ela. Foi como energia elétrica. Seu braço esquentou. Formigou. Doeu. Ela gemeu de dor, cerrou os dentes, mas não tirou a mão. Algo a estava preenchendo. Algo que fluía como lava, lentamente, queimando tudo.
Ela viu cenas de guerras. Eram massacres, bailes de carnificina. Explosões atômicas, metralhadoras, rifles. Pessoas sendo cortadas ao meio por rajadas de balas traçantes. Gente pegando fogo. Viu pessoas bem vestidas, discursando para multidões extasiadas. Viu euforia. Espadas. Canhões. Flechas. Eram cenas infinitas de guerras. Porretes. Viu gente se matando a pedradas.
— A guerra existe desde o início da criação. Até as partículas subatômicas guerreiam. Matéria e antimatéria brigam entre si pelo direito de existir no universo. Presa e predador. Tempo e desejo. Tudo no mundo guerreia. — As palavras de Abigor saíram como um cântico suave.
O corpo inteiro de Tâmara formigava. Em sua cabeça, corriam os números e símbolos matemáticos necessários para a construção de uma bomba atômica, e ela os entendeu. Por fim, viu a face do primeiro assassino. A guerra nasceu entre família, afinal.
Quando Abigor soltou sua mão, ela foi repelida, como se um vento a tentasse jogar para longe, mas ela enrijeceu o corpo e permaneceu no mesmo lugar. E de todo o corpo dela saía fumaça, como se estivesse queimando..
— Meus parabéns, Tâmara. Olhe em seu braço.
Olhou e viu uma marca logo abaixo da articulação do antebraço com o braço, na parte anterior. Era escura, de formato indefinido. Parecia mais um daqueles testes de rorschach, onde cada um veria algo diferente. E tinha o tamanho aproximado de uma moeda de um real.
— Esse é o Estigma da Guerra. Sua força, resistência, velocidade e instintos foram multiplicados pela quantidade de pessoas que você já matou. É assim que o estigma funciona. Quanto mais pessoas tiver assassinado até o momento do contrato, mais poderosa você se torna. É por isso que quem nunca matou ninguém não pode firmar um pacto comigo. Pelo tamanho da mancha… quantas foram, Tâmara? Umas vinte?
— Dezenove.
— Uh, passei perto! — Ele sorriu. — É um bom número. Acho que… talvez você até consiga despertar asas e voar. Talvez. Tá bem no limite, mas é possível.
— Voar…? — Ela estava assombrada e maravilhada com a possibilidade.
— Ah, mais uma coisa: agora você tem conhecimento sobre todas as armas já inventadas pela humanidade, e sabe usar todas. Talvez até criá-las.
Ela ficou em silêncio tentando processar o que tinha ouvido. Abigor prosseguiu:
— Mas tem uma coisa. Uma condição que eu imponho. Você não deve falar a ninguém sobre o nosso trato. Se desobedecer, a Maldição do Escravo se ativará e você será punida com uma dor excruciante e terrível.
— Não parece bom.
— Não é. Tirando isso, Tâmara, você pode fazer tudo o que quiser. Qualquer coisa. No amor e na guerra não existem leis, não é? E você, por sorte, tem os dois. E então, minha pequena assassina em série com poderes infernais, o que vai fazer agora?