Pacto com a Súcubo - Capítulo 65
— A gente vai mesmo exumar um corpo? — perguntou Mical, com preocupação.
— É isso ou… matar alguém. O cadáver precisa ser fresco. Melhor pegar alguém que acabou de partir, não acha? — respondeu Clara, sem tirar os olhos da estrada. Um quebra-molas se aproximou, por isso ela reduziu e trocou a marcha do carro, depois continuou: — Pense nisso como um tipo de reciclagem.
Micou olhou através do vidro fechado da janela. A noite era iluminada pelas lâmpadas dos postes. O trânsito estava bastante movimentado. Também havia muitos pedestres caminhando pelas calçadas.
— Eu sei, mas… isso parece tão errado.
— Mais errado do que deixar um inocente preso? Pessoalmente, eu não me importo, mas o “senhor consciência pesada” aqui quer fazer isso.
— Desculpem por envolver vocês nisso — disse Renato, do banco do carona.
Jéssica sorriu.
— Acho que eu não sei mais o que é certo ou errado.
Logo em seguida, Clara olhou pelo retrovisor e franziu o cenho. E então pisou fundo no acelerador do Corolla prateado.
— Estamos sendo seguidos.
***
A uma distância de mais ou menos cento e cinquenta metros, Andrei dirigia seu Honda Civic preto. Não poderia perder o Corolla da súcubo de vista, e também não podia chegar perto demais. Porém, enquanto os seguia, notou algo que o deixou intrigado.
Pegou o celular criptografado e ligou para Kath.
— O que foi? Alguma coisa nova?
— Parece que tem mais alguém seguindo eles — respondeu Andrei.
— Mais alguém? Mas quem poderia ser?
— Não sei, mas é amador. Tá perto demais. Vai ser descoberto. Pode acabar atrapalhando a gente.
— Modelo do carro?
— É um Jetta. Todo cor-de-rosa. Vou mandar uma fotografia, aí você pode analisar a placa e outros detalhes.
— Certo.
— Já estamos chegando na esquina de troca.
— Entendido.
Kath estava num outro carro, parada no acostamento de uma rua transversal àquela em que Andrei seguia a súcubo. Ela aguardava seu companheiro fazer a curva e entrar nessa rua para, em seguida, ela mesma dar continuidade à perseguição. Andrei, então, daria mais algumas voltas pelas ruas próximas e trocaria de carro, para voltar a segui-los. Ficariam revezando, e dessa forma, a chance de serem notados seria mínima. Tomando o cuidado, claro, de manterem uma distância segura.
Mas quem seria essa outra pessoa que seguia a súcubo também, colocando toda a operação em risco? Kath, assim que recebeu a imagem de Andrei, fez uma busca pela placa do carro. Os dados que descobriu diziam que o Jetta pertencia a uma locadora de veículos chamada “Dois Irmãos”, cuja sede ficava no Mato Grosso do Sul.
Ela sabia, entretanto, que colocar uma placa falsa de “locadora de veículos” era a maneira que alguns ladrões experientes faziam para poder transitar com mais tranquilidade com carros roubados. Então procurou por “Jetta roubado” e descobriu um boletim de ocorrência de algumas semanas atrás envolvendo o furto de um veículo desses nas redondezas.
— Temos concorrentes — disse, para si mesma.
Foi quando o Honda Civic de Andrei surgiu na esquina, e ele entrou nessa rua perpendicular, e veio em direção à Kath, abandonando a perseguição por alguns segundos.
Kath acenou para ele e pôs o próprio carro em movimento, indo para a avenida que a súcubo estava para continuar seguindo-a.
***
Assim que Clara percebeu o Jetta cor de rosa seguindo-os tão de perto, ela decidiu acelerar o Corolla, para ter certeza. O Jetta acelerou também.
Enquanto Clara costurava pela estrada, ultrapassando os outros veículos, Renato pôs a cabeça pra fora da janela, para tentar ver melhor o Jetta, que os seguia em alta velocidade.
— Tem algo… sombrio — disse Mical. — Alguma coisa demoníaca no carro.
— Também senti — concordou Jéssica.
— Um demônio? — Clara tentou ver alguma coisa pelo retrovisor.
— Não. Acho que não. Mas algo próximo de um — concluiu Mical. — Se parece mais com uma maldição, eu acho.
— Vamos pegar o desgraçado! — Clara girou o volante completamente, fazendo o carro dançar na pista, e fez uma curva repentina, entrando em outra avenida. Furou o sinal vermelho, e um outro carro quase bateu na lateral do Corolla, mas Clara conseguiu evitar a colisão com uma manobra rápida de seu volante. Depois fez mais uma curva e entrou numa rua estreita, cujo pavimento era de paralelepípedos. Fazia parte do centro histórico; e quase não tinha movimento. Era considerada uma rua quase deserta, apesar de estar tão próxima das avenidas principais que cortavam a cidade.
Antes que o Jetta os alcançasse, ela entrou num beco que ficava entre dois armazéns abandonados, desligou o carro, e esperou.
O Jetta demorou poucos segundos para surgir. Estava devagar. O motorista, aparentemente, tinha perdido o rastro deles e estava tentando decidir qual rua tomar para procurá-los.
Assim que viu o Jetta rosa, dos vidros filmados, Clara se tornou em névoa negra-avermelhada, e, como se fosse levada pelo vento, foi na direção dele, e atravessou a lataria.
Assim que se materializou no banco de trás, viu que o carro era conduzido por uma garota, talvez da mesma idade de Renato. A súcubo puxou a pistola da cintura.
Porém, numa fração de segundos, assim que Clara se materializou no carro, os olhos de cor âmbar a viram pelo retrovisor. Tâmara conseguiu segurar a mão de Clara, puxando-a para o lado, evitando que a pistola mirasse em sua cara.
A súcubo, por reflexo, puxou o gatilho, e o tiro abriu um buraco no painel do carro.
Tâmara tentou puxar a arma de Clara. A súcubo empurrou o banco do motorista para frente, inclinando-o com violência, fazendo Tâmara bater a testa no para-brisa. O vidro trincou, ganhando ranhuras parecidas como uma teia de aranha. A arma, sendo puxada pelas duas, caiu no chão, e foi parar embaixo do banco do carona.
Clara deu um segundo empurrão no banco, com um movimento rápido, que funcionou mais ou menos como um Teisho do karatê, com mão aberta, cujo impacto aconteceu na base da mão.
Clara, que tinha feito algumas coisas pervertidas há pouco tempo, durante a brincadeira de Verdade ou Desafio, estava com suas baterias de súcubo cheias de energia.
A força do impacto foi tão grande que rasgou o banco, fazendo o encosto se soltar da base do assento, e ser arremessado através do para-brisa junto de Tâmara. Estilhaços de vidro voaram como uma chuva brilhante.
Em uma fração de segundo, a Espada do Pecado vermelha e preta surgiu na mão de Clara, e ela se moveu tão rapidamente para fora, através do para-brisa quebrado, que foi como se voasse, e então chutou o capô do pará-choque, ganhando impulso para um salto que a lançou no ar.
Tâmara, que tinha se recuperado rapidamente da queda sobre o asfalto, correu em direção a ela e puxou da cintura duas submetralhadoras modelo Tec-9 e disparou a rajada de chumbo contra Clara, que caía sobre ela num movimento elíptico no ar. Enquanto Jéssica segurava seu fuzil e tentava mirar em Tâmara; e Mical puxava a bazuca de dentro do carro, com alguma dificuldade devido ao peso da arma.
— Não atirem… ainda! — gritou Renato para as duas meninas e correu em direção ao ápice da confusão.
As balas vinham em direção a Clara. Algumas a atingiam. Mas ela estava mais forte desde a visita ao Inferno. Sentir o calor e o enxofre foi revigorante, de certa forma, e ela também estava transbordando energia hermética. O impacto das balas até doíam, mas não faziam mais do que arranhar sua pele.
Clara finalmente atingiu o chão, muito próxima a Tâmara. Descia a espada, levemente inclinada. Arrancaria a cabeça daquela garota!
Ao mesmo tempo, Tâmara estava redirecionando as duas submetralhadoras para a direção do rosto da súcubo. Tão perto assim, atingindo os olhos, nem um demônio como ela deveria resistir!
Renato surgiu no meio das duas, veloz como um raio, e com uma de suas mãos, conseguiu juntar as duas mãos de Tâmara, segurando-as, e as abaixou, direcionando os tiros para o chão; e ao mesmo tempo, segurou o pulso de Clara no ar, impedindo que ela terminasse o golpe com a espada.
— Por que a gente não tenta conversar um pouco, antes de tentar matar uns aos outros? — disse ele.
Nessa hora, o carro de Kath, uma van branca, passou por eles e virou na primeira esquina, e desapareceu sem levantar suspeitas. Todas as janelas eram filmadas e estavam fechadas, é claro, e dentro tinha sido usado um aromatizador específico para disfarçar seu cheiro. Ela iria dirigir até o local onde trocaria de veículo, e usaria a filmagem gravada agora há pouco, para identificar a garota nova, utilizando uma inteligência artificial
Por enquanto, Andrei continuaria seguindo-os de seu Ford Ranger prateado. O Honda Civic tinha sido deixado num estacionamento apropriado, num ponto próximo da cidade