Pacto com a Súcubo - Capítulo 83
Jéssica e Mical foram levadas por Asafe e os outros acólitos até o pátio central, onde várias cadeiras estavam dispostas de modo a formar uma plateia. O Prior Regente estava em pé, diante das pessoas curiosas, bem ao lado do poste de punições.
Os camponeses, que eram a maioria, pessoas adultas, marcadas pelo trabalho pesado nas colheitas sob o sol, estavam sentados com seus filhos na parte de trás da plateia. Membros do clero estavam mais ao centro, bebendo de seu vinho feito com uvas e amoras bravas. Entre eles estava o padre Eusébio, com sua barriga protuberante pendurada no corpo. Bebia vinho e comia iscas de porco e mandioca frita de uma tigela, e gargalhava junto de seus companheiros, com a gordura brilhando no canto do lábio; e quando falava, pedacinhos de comida voavam de sua boca junto das gotas de saliva.
E nas laterais, os acólitos à direita e as noviças à esquerda. E os soldados andavam em volta, alguns com fuzis presos ao pescoço pela alça; outros ostentando pistolas na cintura. Eles também estavam no alto dos muros, vigiando tudo através das ameias. Nada escapava ao olhar atendo deles.
Asafe deixou as meninas junto das noviças, próximas de Magna Madre, e foi até seu lugar junto dos acólitos. Era uma posição à frente deles, representando seu papel de liderança.
Assim que chegaram, ouviram o cochicho ficando mais forte. As noviças as olhavam com desprezo.
Mas o que mais as deixou assustadas foi o olhar fixo e afiado do General Kézar, aquele que as perseguiu até um beco e lutou contra Clara. Seu rosto era marcado de cicatrizes e a expressão era dura. Fixa em seu braço direito, havia uma mão mecânica substituindo a mão que perdera.
Alguns acólitos e soldados trouxeram um homem com os braços amarrados e o levaram até próximo do Prior regente. Ele tinha uma barba falhada, porém espessa, do tipo que não via gilete há muitos dias. Tão magro, que parecia um milagre que suas pernas tivessem forças para mantê-lo de pé; e o cheiro, de quem há muito não tomava banho, era forte e se espalhou pelo ar.
Assim que chegou, o homem caiu de joelhos, com o rosto próximo ao chão, devido ao empurrão que levou de um dos acólitos, e ao olhar para cima, viu a expressão orgulhosa do Prior Regente.
— Vejam — disse Isaías para o público — este homem moribundo, atormentado pelo mal, recebe hoje a chance de salvação!
Os camponeses ficaram estupefatos. “Meu Deus!” e “Deus tenha misericórdia” foram algumas das frases que disseram. O clero, junto das noviças e acólitos, apenas assentiram. Alguns balançavam a cabeça, outros apenas permaneceram imóveis, observando.
— Pela autoridade concedida a mim — disse Isaías, gesticulando com os braços, erguendo-os aos céus e depois apontando para o mobirundo, — diga-me teu nome, demônio! E diga-me o que pretendes fazer com este homem!
O homem se contorceu e gemeu, como se estivesse sendo tocado por uma dor terrível. Caiu no chão, com o rosto em terra, e de seus lábios saiu um som grave, daqueles que vem do fundo da garganta. E ele sibilou algumas palavras incompreensíveis.
— Abbadon! — disse ele.
— Repita! — ordenou Isaías.
O homem ergueu os olhos e olhou diretamente para ele.
— Meu nome… é Abbadon! Príncipe do Inferno! Governante de Seiscentas e Sessenta e seis legiões de guerra!
Caído no chão, com os braços amarrados para trás, ele se movia como uma serpente e falava entre sibilos e sons ininteligíveis.
— E o que pretendes? Por que possuíste este homem?
— Porque eu quero destruir ele! Quero matar ele! E quero usar ele pra espalhar destruição e morte a todos ao redor! Eu vim para roubar, matar e destruir! É só isso o que eu quero.
Isaías sorriu e se virou para as pessoas que os assistiam.
— Veem? O demônio está à espreita e anda ao vosso redor, procurando alguém a quem possa devorar. Orem e vigiem! E sejam fiéis aos vossos líderes, pois só eles têm a autoridade concedida por Deus para proteger-lhes do mal!
As pessoas na plateia já não podiam esconder o que sentiam. Suspiravam, agitados e, impressionados, levavam a mão à cabeça.
— Amém! — diziam.
— Isaías é mesmo um homem de Deus!
— Aquele que fala com os anjos!
— Aquele que foi escolhido por Deus para ser nosso Prior!
— Tirem as amarras da mão dele! — ordenou Isaías, e um dos soldados puxou uma faca da cintura e cortou a corda que mantinha presa os braços do homem moribundo.
O Prior Regente se aproximou e pôs sua mão sobre a cabeça do homem moribundo.
— Saia, demônio! Volte para o inferno, onde é seu lugar, e aguarde tua punição no juízo final! Saia do corpo deste homem, em nome de Isaías Koor, o escolhido de Deus!
O homem gritou e gemeu, e se debateu no chão, levantando poeira.
— Nolo ire! Nolo ire! (Eu não quero ir) — falou em latim.
Mas, do nada, parou. E tudo ficou em silêncio. E o homem levantou o olhar para o alto e disse:
— Obrigado, Senhor! Eu ouvi o demônio gritando dentro de mim, antes de sair.
— Viram! — Isaías dirigiu a palavra ao público. — Este homem foi liberto! O demônio não mais o atormenta!
As pessoas, assombradas, gritavam “amém” e “glória”; outras apenas começaram uma oração silenciosa.
O padre Eusébio, que desde o início não tinha acreditado em nada do que foi mostrado, pôs um sorriso falso no rosto e se ergueu:
— Abençoado seja Isaías, o nosso Prior Regente enviado por Deus!
E o restante das pessoas o acompanharam em exultação.
— Jés, tem alguma coisa… errada — disse Mical.
— Sim.
— Eu não senti nenhuma presença demoníaca.
— Nem eu.
Uma das garotas empurrou Jéssica por trás. O empurrão foi sobre seu ombro, e a desequilibrou. Quase caiu.
— Vejam! Contemplem! — disse a noviça Midiã. — Seus olhos não são dignos de ver algo tão maravilhoso, garotas pecadoras! Deus nos enviou um novo profeta! Vejam e arrependam-se de correr para os braços de um mundo de pecado!
Magna Madre, que estava próxima, apenas assentiu, concordando com as palavras de sua noviça.
E o próprio general Kézar finalmente se aproximou, acompanhado de alguns de seus subordinados, dentre eles, Hernandes, que trazia uma espada em um dos lados da cintura e uma pistola do outro.
O general lhes direcionou um olhar frio.
— Jéssica e Mical, filhas de Quemuel. Filhas… de Daniel. O pai de vocês ficaria envergonhado ao ver o que as filhas se tornaram
— Você não conhecia nosso pai — disse Mical, com os dentes cerrados de raiva.
— Eu conhecia seu pai muito bem. Ele era um cruzado. Um subordinado meu. Mas isso vocês já sabem. — Kézar deu de ombros. — Finalmente chegou a hora da nossa audiência. O Prior Regente me autorizou a interrogar vocês logo após o exorcismo.
Os cruzados cercaram as duas garotas.
— Vamos — disse o general.