Pacto com a Súcubo - Capítulo 87
Assim que Asafe gritou a sentença, os camponeses olharam para Mical horrorizados. Alguns fizeram sinal da cruz, outros desviaram os olhos com cara de nojo.
— Escolheu o Diabo, mesmo conhecendo a verdade! — disse uma velha de roupas maltrapilhas. — Ela merece queimar!
— Queimem a bruxa! — gritou Midiã, que estava perto, junto das outras noviças.
— Queimem! — As noviças gritaram em conjunto.
E Mical foi levada por Asafe, sob uma chuva de insultos que caíam sobre ela.
— Bruxa maldita!
— Ela trouxe o mal para o nosso santo Priorado!
— Que ela sofra os açoites antes de queimar!
— Sim! Ela precisa sofrer!
— Queimem!
Entre as crianças, algumas olhavam, confusas, para Mical e para toda aquela gente enfurecida; outros, porém, se juntaram aos insultadores e também gritavam palavras contra a garota.
Assim que chegaram perto do poste, que já tinha madeira e palha na parte debaixo, prontos para serem incendiados a qualquer momento, o Executor se aproximou, olhou para Mical de cima para baixo, e depois para Asafe:
— Amarrem-na ao poste.
— Sim, senhor! — disse Asafe. — Vamos! Vocês ouviram! Amarrem a garota ao poste! — gritou para os outros acólitos, que prontamente pegaram a corda para amarrar Mical.
Jéssica assistia tudo através das frestas na porta, enquanto esmurrava e chutava a madeira desesperadamente.
— Deixem minha irmã! Ela não fez nada! Deixem ela!
Hernandes bateu novamente na porta, do outro lado.
— Já mandei calar a boca! — gritou ele, com a mão sobre o punho de sua espada.
Mas Jéssica chutou ainda mais forte a porta. A ira da garota era explosiva. Ela arrebentaria todo aquele quarto, se preciso fosse, mas não deixaria sua irmã ser morta daquele jeito.
Mical resistiu, quando tentaram prendê-la ao poste, mas os acólitos a seguraram, e Asafe bateu nela com um soco no estômago e um tapa no rosto, enquanto ela ainda estava sendo imobilizada. A garota caiu no chão, um tanto atônita e com muita dor.
Então, os acólitos a ergueram e a seguraram contra o poste, puxaram suas mãos para trás e amarraram-na. Sob seus pés, tinha a madeira e palha que alimentaria o fogo.
Ela chutou para longe alguns pedaços de madeira que estavam sob seus pés, e quanto um acólito se aproximou para segurá-los, ele levou um chute que atingiu suas bolas. O rapaz grunhiu de dor e caiu, tropeçando na madeira.
— Há! Há! Há! Seu imbecil! Espero que suas bolas tenham estourado! — gritou Mical, ensandecida, enquanto ainda se debatia e chutava em todas as direções. — Uma chuva de fogo se abaterá sobre vocês, seus hipócritas! Raça de víboras!
Os acólitos se juntaram, todos de uma vez, e seguraram as pernas da garota, e Asafe passou a corda, imobilizando-os e os prendendo contra o poste.
— Quero ver continuar rindo quando o fogo estiver aceso, bruxa — disse ele. — Cantaremos uma melodia de adoração quando você começar a gritar, e seus gritos de dor servirão como louvor a Deus.
Mical cuspiu na cara dele.
— Quero ver você cantar quando o Renato estiver com a mão em seu pescoço!
Asafe franziu o cenho e deu de ombros.
— Quem é esse?
— Renato! Renato! Renatooooo!!! — Mical começou a gritar.
O Executor ergueu a tocha em chamas. Os moradores do Priorado, que já estavam todos reunidos no pátio, começaram a entoar um cântico suave.
Jéssica chutava a porta com todas as forças. E, em meio a tais golpes violentos, nem mesmo as dobradiças e a madeira foram capazes de resistir à ira da irmã mais velha. A porta se abriu à força, e Jéssica correu em direção a Mical.
Porém, Hernandes, que estava perto, pulou sobre ela e a jogou no chão. E, a segurou, usando o peso do próprio corpo para mantê-la contida embaixo dele.
Jéssica viu o brilho do fogo brotando na madeira, embaixo dos pés de Mical. Ouviu o cântico que entoavam em volta.
Viu o olhar sádico de Isaías, com um sorriso no canto da boca, sentado numa cadeira ornamentada feito um trono, à sombra de uma árvore próxima, com três mulheres semi nuas sentadas no chão, aos seus pés. Bebericava seu vinho numa taça dourada.
Ele olhou para Jéssica e deu uma piscadela.
Jéssica, desesperada para alcançar sua irmã, estendeu o braço, tentando tocá-la, mesmo estando a vários metros de distância.
— Renato! — gritou, entre as lágrimas.
*
Renato ainda estava sentado à beira do riacho, olhando os peixinhos com olhar entediado.
— Clara, não tem nada nas nuvens. Você tá imaginando coisa.
— Não estou! Minha intuição não falha! — respondeu ela, com olhos semicerrados, observando o céu.
De repente Renato ficou em alerta. Ergueu o rosto rapidamente e franziu o cenho.
— Clara, você ouviu isso?
— Ouvi — disse a súcubo.
O garoto se ergueu rapidamente, com uma expressão dura no rosto, e saiu em direção ao Priorado. Clara o segurou pelo braço.
— Não posso ir te ajudar.
— Eu sei.
— Mas posso ajudar daqui. Mais uma coisa: se encontrar um zero à esquerda sem um braço e usando uma espada, traga a espada para mim.
*
Os Vigias estavam no alto dos muros, alguns caminhando ao longo do adarve, o caminho de ronda; outros, ocupavam suas posições nas Torres de Vigilância. Portavam fuzis e metralhadoras, e nas cinturas traziam adagas e pistolas, e alguns ainda tinham espadas.
Eram a primeira linha de defesa do Priorado.
Olhavam, do alto, o que acontecia no pátio, e conversavam, tentando adivinhar quem seria o homem escolhido para engravidar Jéssica e dar continuidade a geração de Quemuel.
— Acho que vai ser o próprio Prior Regente! — disse um deles, bebericando uma taça de vinho.
— Não diga besteiras! O Prior Regente jamais teria interesse numa pirralha daquelas! Provavelmente o escolhido será Asafe! Ele mostrou uma liderança forte dos acólitos! — disse um segundo, que estava sentado no chão, com as costas apoiadas no muro, logo abaixo da troneira, que era uma abertura circular no muro que servia para acomodar uma arma de fogo e disparar através dela.
— Prefiro que seja o Hernandes, então! Melhor que seja um soldado!
— Quase sempre eles escolhem os acólitos… ou algum membro aleatório do clero.
— Mas dessa vez podia ser um soldado!
Então, nessa hora ouviram disparos próximos e se ergueram rapidamente, atentos e engatilhando suas armas.
— Invasor! — gritou um vigia da outra Torre de Vigilância. — Invasor!
Os soldados rapidamente ficaram a postos. Alguns meteram as pontas dos fuzis dentro das troneiras e miraram, procurando pelos invasores.
Outros se posicionaram atrás das ameias do parapeito. Apertaram o gatilho, lançando em direção a Renato uma chuva de fogo e chumbo. O barulho dos disparos reverberaram como trovões.
— Só tem um?! Ali o mald… arg! — O soldado foi atingido por um tiro na testa. A força do impacto fez ele cair para trás já sem vida. O buraco de entrada da bala era do tamanho de uma moeda; o de saída, do tamanho de uma laranja.
— Atirador! — gritou o soldado que estava perto. — Tem um atirador! — Assim que terminou de falar, um tiro o atravessou, entrando por uma têmpora e saindo na outra.
— Protejam-se! — gritou outro.
Aqueles que atiravam através das troneiras tomaram a frente do ataque, pois estavam mais protegidos, mas aqueles atrás das ameias, no caminho de ronda, estavam mais expostos, e portanto davam menos tiros.
— Naquela direção! — disse o soldado na troneira, mirando numa árvore. — Eu vi o brilho da arma.
Mas, antes que pudesse puxar o gatilho, uma bala veio em sua direção, entrou pela entrada da mira, atravessou a lente e atingiu seu olho.
No alto de uma árvore distante, escondida nas folhagens da copa, com as costas apoiadas no tronco e o tecnológico fuzil apoiado num galho horizontal, estava Clara.
— Alguns atalaias saíram para brincar, mas nenhum deles vai voltar de lá ♪♫ — cantarolava uma música alegre, com um sorriso maligno no rosto e um olhar assassino.