Pacto com a Súcubo - Capítulo 88
Clara, no alto da árvore, ocultada pelas folhas, continuava abatendo os Vigias um a um.
Seu fuzil era grande, com uma mira de alta tecnologia, formada por lentes que ampliavam a imagem. Isso, aliado aos sentidos apurados e sobrenaturais, garantiam que ela não errava um tiro.
Bang! Bang!
Mais dois Vigias caiam do alto dos muros.
Mas eles também tinham treinamento e portavam boas armas. Não demoraram para perceber de onde os tiros estavam vindo.
— Ali! No alto daquela árvore!
E quase todas as armas deles se voltaram para a direção de Clara, e uma chuva de chumbo caiu sobre ela. As balas, claro, eram especiais, preparadas usando alquimia e alguns feitiços, que as tornavam mortais até mesmo para seres sobrenaturais.
A súcubo saltou, num mortal para trás, enquanto seu corpo se tornava intangível, numa névoa avermelhada, pouco antes dos galhos, folhas, e até o tronco da árvore onde estava, serem completamente dilacerados pelos inúmeros projéteis que os atingiram.
Clara caiu no chão, de pé, logo atrás da van. Notou uma gotinha de sangue escorrendo em seu braço, pouco abaixo do ombro, onde uma bala tinha passado de raspão.
— Agora eu fiquei com raiva.
Ela abriu a porta do carro e tirou de lá de dentro a bazuca de Mical.
*
Renato estava correndo, enfurecido, alucinado, em direção àquela muralha a sua frente.
Não sabia o que estava acontecendo lá dentro do Priorado, mas tinha uma sensação de aperto no coração. A intenção assassina, que emanava daquele lugar, contaminava o oxigênio e deixava o clima denso.
Acima dele, centenas, milhares de tiros eram disparados como numa cena de guerra. Alguns atalaias até miravam nele, e conforme ele corria, as balas erguiam poeira e soltavam faíscas pelo chão ao redor; mas Clara rapidamente abatia os atalaias. Ele não tinha porque se preocupar, afinal, ela estava dando cobertura, e nada escapava à visão aguçada da súcubo.
Por isso, a atenção dos vigias ficou quase inteiramente focada nela.
Uma granada propelida, como aquelas que Mical gostava de usar, surgiu, rasgando o ar e se chocou contra a muralha, criando uma bola de fogo enorme e jogando ao ar vários pedaços de pedras e atalaias, e abriu um buraco no alto da muralha.
Renato, enquanto corria, concentrava toda a energia nos punhos, como tinha aprendido. Pegou todas as emoções que estava sentindo e as transformou em combustível e energia mágica.
A raiva que nunca o deixava; a preocupação pelas garotas; o medo de perdê-las; tudo transformado em poder na ponta de seus punhos
E finalmente viu aquela porta gigantesca de madeira, entalhada, de cima a baixo, com símbolos de proteção. Usou toda a força que possuía num soco violento. Já tinha quebrado um muro de pedra; a madeira não seria problema, pensou.
Aqueles símbolos não serviriam de nada. A origem do poder de Renato era diferente daquela que os atalaias conheciam. Os símbolos seriam inúteis!
E assim que a ponta de seu punho tocou a porta, uma onda de choque se espalhou pela superfície de madeira, distorcendo-a, como ondas percorrendo a superfície de um lago.
E então a madeira explodiu e os estilhaços voaram para dentro do Priorado.
E todos olharam na direção dele, e ficaram completamente em choque quando viram o garoto de pé e a poderosa porta em pedaços.
O cântico que cantavam parou. O silêncio tomou o local.
E Renato viu Mical amarrada ao poste e o fogo crepitando na palha sob seus pés. Viu o Executor com a tocha na mão; e Asafe com as palmas das mãos voltadas para o alto, ainda em posição de oração.
Viu Hernandes prendendo Jéssica embaixo de si.
— Renato! — gritou a irmã mais velha. — Eles querem queimar a Mical!
A primeira coisa que o garoto sentiu foi nojo. Aquelas pessoas eram dignas do seu mais profundo nojo! Queimar viva uma pessoa inocente dessa forma? E a pior parte: achavam que faziam algo bom!
E então aquela raiva ferina, animalesca, que ele sempre guardava no canto mais fundo do peito, emergiu pela garganta. O rosto começou formigar.
O nojo e a raiva se mesclaram e o resultado foi um ódio profundo e puro.
Um fio de névoa escura se desprendeu de suas mãos e, serpenteando pelo ar, enrolou-se no braço de Renato feito uma jiboia. Faíscas brilharam na ponta de seus dedos. E, do meio da densa e gelada névoa, uma lâmina negra emitiu um brilho sutil.
O fogo que estava queimando embaixo de Mical se curvou, como se soprado por um vento, e então ele abandonou a madeira e a palha, e percorreu o caminho até Renato, queimando sobre as pedras nuas, e um círculo de fogo brilhou em volta do garoto.
E a chama solitária que queimava na tocha do Executor também se juntou a esse círculo, após cruzar o ar feito uma bola de fogo fátuo.
O próprio sol esmoreceu tristemente. Piscou como uma lâmpada fraca, foi perdendo força, e depois se apagou por completo.
Logo, as estrelas, que tinham se tornado os únicos pontos de luz no céu, também começaram a se apagar uma a uma, e toda a terra foi mergulhada na Escuridão. Tudo se tornou trevas.
— Acendam os holofotes! — gritou um dos soldados.
E as potentes lâmpadas derramaram sua luz sobre o pátio. Os holofotes ficavam no alto do templo. Mas não brilharam por muito tempo. Segundos depois, faíscas caíram deles feito uma cachoeira brilhante, e o som de curto circuito pôde ser ouvido, e eles também se apagaram.
A única luz que existia era aquela emitida pelo fogo que brilhava em volta de Renato, como um anel incandescente.
Renato ergueu sua mão, deixando à mostra aquela espada que tinha sido criada por seu pior pecado. Ela era feita de ódio e estava mais afiada do que antes. Toda escura e fria, com espinhos se projetando do cabo, deixando claro que o ódio também machuca aqueles que o usam como arma.
— Ele é um demônio! — gritou Asafe. — Matem-no!
Dezenas de dedos apertaram gatilhos de fuzis, metralhadoras e pistolas, e as balas caíram em direção a Renato, mas o garoto se moveu tão rápido que foi como se desaparecesse no ar. E golpeou com sua espada. Os soldados que estavam próximos, tentando acertá-lo com seus tiros, foram os primeiros a serem alcançados pelo garoto.
A Espada do Ódio, ressuscitada num momento de ira terrível, cortava carne e ossos como se fossem feitos de papel. Renato, tomado pelo torpor de pura violência, era como um berserker, golpeando, cortando braços, cabeças e pernas. Dilacerava todos aqueles que tocava.
Se abaixou para desviar dos tiros de um Vigia, girou no próprio eixo, e passou a espada. A lâmina atravessou a perna do soldado sem qualquer resistência. O homem, com a força do impacto, foi erguido no ar, girando, com a perna descolando de seu corpo.
Mas o principal alvo de sua ira era o Executor. O homem gordo, meio cambaleante, tentou fugir quando Renato veio em sua direção. Mas não tinha muita agilidade e o medo travou suas pernas. E ele caiu no chão.
Se levantou e, numa tentativa de se defender, pegou o azorrague. Aquele mesmo que usou nas costas de Jéssica uma vez, e deixou cicatrizes tão profundas tanto na carne quanto na alma.
Ele golpeou com o azorrague, mas não conseguiu finalizar o golpe, pois Renato moveu sua espada, e cortou fora o braço do Executor que segurava aquele chicote cheio de espinhos.
O braço caiu no chão, ainda segurando o azorrague.
— Arg! — o Executor gritou e caiu sobre as pedras.
Seu véu caiu de sua cabeça, revelando o rosto de Eusébio, o padre gordo de quem Mical tinha roubado as chaves da biblioteca.
— Não! Não faz iss…! — gritou, enquanto Renato movia sua espada.
Um único golpe, na qual a lâmina cortou da base esquerda da mandíbula até a lateral do peito direito, foi o bastante para calar o grito dele.
— Prior Regente! Senhor Isaías! — disse uma das garotas seminuas que estavam junto de Isaías. — Por favor! Exorcize esse demônio! Estou com medo! Vai lá exorcizá-lo! Use sua autoridade divina para nos proteger!
— Cale a boca! Saia da minha frente! — ele empurrou a garota, fazendo-a cair no chão, e saiu correndo em direção ao templo para se esconder.