Pacto com a Súcubo - Capítulo 92
— Ah, seu maldito! Desgraçado! Vai pagar por isso! — gritou Tâmara, tomada pela raiva, e disparou sua arma.
A cada dois tiros, ela precisava pôr mais duas balas no fuzil gigante e engatilhar. As balas eram do tamanho de latas de refrigerante e Uriel sabia que precisava tomar cuidado com elas, pois machucavam até mesmo ele.
Porém, com seus reflexos incríveis e agilidade sobre humana, ele não viu dificuldades em se esquivar.
O anjo alcançou Tâmara. Foi rápido como um piscar de olhos, e quando a garota viu, os punhos incandescentes dele já estavam atingindo-na. A garota grunhiu e cuspiu sangue. Uriel girou no ar e atingiu um chute nela, de cima para baixo.
Tâmara foi jogada em direção ao chão com a força do golpe.
Quando caiu, o impacto quase a desmaiou e uma pequena cratera se formou, afastando algumas pedras e um pouco de terra.
A garota se levantou e limpou o sangue no canto da boca, e olhou para o alto, direcionando seu olhar de predador para o anjo. A arma gigantesca ainda estava presa ao seu corpo.
Foi quando Jéssica se levantou, ainda meio confusa devido à queda, e viu Tâmara. E vê-la reviveu as memórias dela fazendo Mical de refém.
— Você! — Jéssica se jogou sobre um cadáver de soldado e pegou o fuzil que ainda estava em suas mãos, e o mirou em direção à garota dos olhos âmbares. — Você vai morrer pelo que fez a Mical!
Porém Tâmara, antes que pudesse entender o que estava acontecendo, sentiu uma forte dor no peito e um incômodo terrível. Um peso de toneladas se abateu sobre seus ombros e sangue saiu de seu nariz, ouvidos e boca. Ela ouviu um som muito agudo, tinindo, e a cabeça latejou como se estivesse sofrendo muitas pancadas consecutivas direto na parte interior do crânio.
Quando Jéssica atirou, as balas atingiram apenas o vazio, porque Tâmara tinha sido arremessada feroz e rapidamente para longe.
Foi arrastada por uma força invisível para fora do Priorado, atravessou a porta de madeira em pedaços e só parou quando colidiu com uma árvore robusta.
Sua visão ainda estava embaçada e todo o corpo doía. Ela se levantou com dificuldade. Foi quando viu Clara Lilithu parada ao lado dela.
— Isso deve ter doído — disse a súcubo. — Qual a sensação?
— Parece que eu fui atropelada por um caminhão — disse Tâmara, batendo na roupa para tirar a poeira. — E depois mastigada por um tigre-dentes-de-sabre. E depois pisada por um Tiranossauro.
— Foi a barreira da Pedra Fundacional. Então seus poderes são mesmo de origem demoníaca.
— Uh?
— Me diz quem foi. Satanakia? Abigor? Talvez outro… Bael Zebub? Ah, aposto que foi Abigor! É bem a cara dele.
— Como a gente entra lá?
— Nisso, estamos na dependência daquelas duas garotas humanas. Irônico, não acha? — respondeu Clara, tocando sua mão no ar e sentindo aquela pressão que a repelia.
Uriel inclinou seus ouvidos em direção ao templo e ouviu a oração que aquelas pessoas pobres e amedrontadas faziam. Clamavam por misericórdia. Fediam. Tinham medo da morte. O anjo sentiu asco. Olhou no fundo de seus corações humanos e a náusea quase o fez vomitar.
Ele desceu, ficando a menos de dois metros do chão, e olhou para dentro do templo. Suas mãos se acenderam como tochas.
— Vossos pecados fedem tanto que me dão nojo! Vós, que devias ser o sal da terra, tornaram-se tão repugnantes quanto a carcaça podre.
— Mas, senhor! — gritou um dos acólitos, lá de dentro — Tudo fizemos em nome de Deus!
As crianças, amedrontadas, se escondiam debaixo dos bancos de madeira; enquanto seus pais tinham olhares maravilhados perante a presença luminosa do anjo.
— Vós fizestes tudo em nome de vós mesmos! Vossos líderes são mentirosos e vós sabeis! Vós sois apenas medo e aceitação. Fostes vomitados da boca do Senhor! Eu, Uriel, trago sobre vós a punição! O Fogo de Deus que queima todo o mal!
O anjo preparou uma bola de fogo para lançar contra aquelas pessoas.
— Senhor! Não façais isto! Por favor! Não faça! — gritou o acólito.
Mas algo chamou a atenção do anjo e ele cessou o movimento.
Uma risada alta, uma gargalhada que vinha daquela fogueira imensa onde Renato queimava até ossos. Ou deveria queimar.
— Chama isso de Fogo de Deus? — riu Renato quando saiu andando para fora daquela imensa labareda.
O anjo ficou paralisado de tão perplexo e apenas encarou Renato sem acreditar nos próprios olhos.
— Devias estar morto!
— Eu queimei por milênios no Fogo Eterno do Gehenna. Meus ossos e carne torraram inúmeras vezes até se desintegrarem, e depois eram refeitos só para queimarem novamente. Eu ainda me lembro do cheiro de enxofre e de sangue. Me lembro dos vermes. Eu mergulhei e nadei naquele magma infernal. Perto daquilo, seu fogo é frio demais, anjo. Fogo de Deus? Isso é apenas fogo normal. Não chegou nem a esquentar minha pele.
— O… o que?!
— Seus golpes me machucaram, é verdade. E quando eu caí, fiquei um tempo inconsciente até me recuperar. Mas o fogo? — Renato sorriu. — Esse não me fez nada. Talvez você devesse largar seu emprego como anjo e arrumar uns bicos de… sei lá… aquecedor. Vai ter bastante trampo durante o inverno, sabia? Ou podia acender umas fogueiras de São João. Ia arrebentar nas festas juninas!
— Maldito!
Uriel disparou uma rajada de fogo contra Renato, mas o garoto a rebateu com as próprias mãos.
— Pro seu azar, anjo, o fogo também é meu elemento principal.
Renato correu em direção a Uriel e pulou sobre ele.
Mical, que estava no chão, se virou e olhou para o céu. Ela tossiu. A garganta ardia; e tinha um gosto de cinzas e sangue na língua. Os olhos ainda estavam embaçados e doíam devido à fumaça e poeira. Um zumbido retumbava em seus ouvidos, num som agudo e irritante.
A garota levou a mão ao cabo da adaga em seu braço e, com um grunhido de dor, a puxou. A lâmina, ao sair, arranhou em sua carne e causou uma dor aguda, mas Mical não parou. Segurou a adaga numa tentativa de se defender.
Estava quase sem forças, respirando pesadamente e com dificuldades. O nariz parecia obstruído. O cheiro era de queimado.
— Jés… — falou, com a voz fraca. — Jés… cadê… cadê você?
— Sua irmã está morta, garotinha. Ela caiu lá embaixo — disse um dos soldados, se aproximando.
— Ei, tomem cuidado, rapazes! Ela tem uma faca! — ironizou outro, gargalhando.
— Essa já está quase morta também.
— Precisamos garantir que ela fique grávida antes de morrer — disse outro.
— Não… é mentira! — respondeu Mical, com verdadeiro ódio. — Cale a boca! Cale a boca, mentiroso! Todos vocês mentem!
Os soldados a cercaram. Eles riam e olhavam para ela como um rei olharia para um mendigo.
— Não é mentira, garotinha. Sua preciosa irmã se espatifou nas pedras lá embaixo.
— O Diabo destruiu nosso Priorado, mas nós o reconstruiremos! O anjo veio nos ajudar. E você tem uma missão, filha de Quemuel.
— Vamos… se entregue, menina. Você está sangrando.
— Me entregar? — Ela apertou o cabo da adaga e um sorriso amargo apareceu em seu rosto. O sangue vertia através do ferimento em seu braço como um rio de ferrugem vermelha.
Mical olhou em volta e viu a Pedra Fundacional no chão, próxima a ela. E, logo ao lado, o pequeno baú de chumbo.
A garota, num movimento repentino, jogou a adaga em direção ao rosto do soldado. E, logo em seguida, ela saltou sobre a pedra, abriu o baú e jogou a pedra dentro. E fechou a tampa.
O soldado gritou segurando sua orelha numa das mãos.
A adaga tinha raspado em sua orelha e a arrancado.
Nessa hora, a temperatura caiu e um tipo de névoa preta-avermelhada surgiu no local onde estavam.