Pacto com a Súcubo - Capítulo 93
Os soldados, com expressões de medo, viram uma figura feminina se materializar em meio à névoa de sombras.
— É… é uma bruxa!
— É o próprio Diabo!
— O Diabo, não; mas quase — disse Clara, e pôs um sorriso exuberante no rosto.
Os homens, com corações petrificados de medo, não ousaram se mover. Alguns nem respiravam.
— Outro demônio veio até nós! — disse um deles, com um arrepio.
A súcubo olhou, por um tempo, para Mical. Observou seus ferimentos; a marca da faca no braço que ainda sangrava; as queimaduras causadas pelo molotov. E se impressionou com o olhar da garota. Não era um olhar de medo ou dor. Era pura vontade de lutar. Era uma fúria tão linda, pensou Clara, que poderia ser emoldurada num quadro.
— Não há nada mais bonito do que a ira de um inocente — murmurou a súcubo.
Mical tentou se levantar, mas com um gemido de dor, ela parou.
— Ah, Mical — disse Clara, suspirando e relaxando os ombros. — Não sou boa com magia de cura — ela se abaixou ao lado da menina —, mas deixa eu te ajudar.
Um dos soldados se moveu, quase indo até Clara, mas hesitou.
A súcubo olhou para os soldados com seu olhar brilhando em vermelho. Sua intenção assassina deixou o ar mais pesado e um tipo de aura maligna serpenteou pelo ar.
— Aquele que quiser ser o primeiro a morrer, dê o primeiro passo.
Todos eles permaneceram parados. Os olhares carregavam ódio intenso e vontade de matar, mas seus corpos não respondiam. O medo travava as pernas no lugar.
— Caraca! Isso é tão maneiro! A forma como ela intimida eles!
Essa foi a voz de Tâmara.
Mical viu a garota dos olhos âmbares flutuando com seus sapatos a jato a alguns metros de distância.
— Oi, Mical — disse Tâmara com voz dengosa e acenando um tchauzinho. O fuzil gigantesco ainda estava preso ao seu corpo por uma alça e o grande cinturão de munições a cingia. — Sentiu minha falta?
— Nem um pouco.
Clara rasgou um pedaço do próprio vestido e amarrou no braço de Mical, sobre o ferimento, para estancar o sangramento.
—Mantenha pressionado.
— Certo.
— Isso aqui tá comovente, mas eu preciso ir ajudar o meu Renato! — Tâmara se afastou, voando. — Fiquem aí perdendo tempo com um bando de soldados sem importância!
Mical bufou.
— Humpf! “Seu Renato” porra nenhuma!
Após terminar o curativo improvisado no braço de Mical, Clara se levantou, se espreguiçou esticando o braço acima de sua cabeça, bocejou, e encarou os soldados.
— Rapazes, agora sim podemos brincar. Hum? Alguém? Ninguém? Ficaram com tanto medo assim? Mas, gente… Achei que os Atalaias fossem mais corajosos!
Um deles puxou uma espada.
— Não nos menospreze, bruxa!
Clara sorriu.
— Uh, ele tem uma faquinha?! Que fofo.
— Fui treinado pelo próprio general Kézar! Você será partida em pedaços!
— Ora, então você é o “Zero à Esquerda Ultimate Edition”?”
Todos os outros soldados, tomados por ímpeto e coragem repentina sacaram suas armas: pistolas, fuzis, e alguns com espadas também.
— Ele não está sozinho! — disse um que apontava uma pistola.
— Na verdade, está sim — respondeu Clara, e em seguida direcionou o olhar para o alto.
Os soldados olharam na mesma direção. Foi quando viram aquele círculo mágico, semelhante a uma runa, brilhando e girando no ar, como se a própria luz se curvasse para formar o desenho.
Eles nem tiveram tempo de reagir. Os pênis estouraram, um após o outro, jogando ao chão tanto sangue que ele se tornou um tipo de carpete vermelho vivo cobrindo toda a laje. Não houve centímetro quadrado em que o piso pudesse ser visto.
Quem ouvisse de longe, acharia o barulho parecido com alguém estourando pipoca, por causa dos muitos estalos em sequência.
Eles gritaram; enquanto suas pernas tremiam e perdiam a força, e os olhos se escureciam.
Alguns sequer conseguiram gritar e só puderam exprimir um curto e dolorido gemido de dor.
Só sobrou o soldado com a espada na mão. Aquele que foi treinado por Kézar.
— Viu? — Clara sorriu. — Você está sozinho. — Ela assobiou uma melodia lenta, suave e melancólica. — Que tal uma música?
*
Renato estava grudado nas costas do anjo, dando um mata-leão apertado, enquanto as asas batiam, acertando sua cara. Uriel tentou soltar-se, e Renato teve que usar toda a força que tinha para continuar segurando-o.
Jéssica, do chão, atirava com seu fuzil. As balas não conseguiam penetrar na pele de Uriel, mas ele com certeza as sentia. Elas, no mínimo, causavam algum incômodo.
As balas batendo no rosto, Renato apertando o pescoço dele, e o Anjo se debatia tentando livrar-se do garoto e evitar os tiros.
As asas bateram com força e os dois ganharam altura. Subiram tanto que o ambiente em volta foi tomado por uma névoa branca e úmida. Gotículas de água bateram na pele e molharam as narinas. Estavam dentro de uma nuvem.
O ar ficou gelado e escasso. O frio arranhou a pele de Renato, e quando ele respirava, sua boca expelia um tipo de fumaça branca.
Ficou difícil respirar. Os pulmões arderam devido ao ar rarefeito. O garoto sentiu sua visão escurecer.
O aperto no pescoço de Uriel se afrouxou.
O anjo puxou Renato, tirando-o de suas costas, e o arremessou para o alto.
O garoto atravessou a nuvem, com velocidade, girando descontroladamente.
Os braços do anjo se incendiaram e ele preparou uma bola de fogo para lançar contra o garoto, mas algo atingiu seu rosto duas vezes e ele perdeu o equilíbrio e girou no próprio eixo, e quase caiu, mas se recuperou a tempo.
Tâmara engatilhou sua arma.
— Hora de matar um anjo… hehe — Tâmara riu. — Chupa, Jeffrey Dahmer!
Enquanto Renato subia, arremessado, e girando no ar, começou a notar o zumbido que tinia em seu ouvido há alguns minutos. O barulho foi ficando cada vez mais alto. Era como se todo o ar em volta estivesse vibrando.
Quando a energia cinética acabou, e Renato começou a despencar de volta para a nuvem, o barulho já estava ensurdecedor e fazia os tímpanos doerem.
Ele bateu naquela imensa asa metálica e, sem qualquer controle, rolou através da fuselagem. Quase foi sugado pela turbina, mas com um chute, alterou a trajetória que estava seguindo. Até que o avião desapareceu na nuvem e o garoto continuou caindo.
E, enquanto caía, viu o anjo a alguns metros abaixo.
De cabeça para baixo, Renato juntou os braços para aumentar a aerodinâmica e controlar a rota, e desceu, feito um míssil, direto para Uriel.
O anjo, que estava prestando atenção em Tâmara, jogando bolas de fogo e desviando de seus tiros, não viu Renato se aproximando rápido como uma bala.
O punho de Renato, carregado de uma energia hermética destruidora, somado à velocidade em que descia, acumulou uma força terrível de toneladas.
O soco atingiu em cheio o rosto do anjo, e Renato continuou descendo em direção ao chão.
Uriel grunhiu de dor e, pela primeira vez em muito tempo, um golpe lhe tirou sangue. E a dor do impacto foi avassaladora.
O anjo, em choque, levou a mão ao nariz. Gritou, tomado por um ódio terrível, quando notou que estava quebrado. E seu grito foi agudo e alto o bastante para espantar todos os pássaros da região.
Renato ainda estava caindo. Até que Tâmara lhe agarrou em pleno ar, segurando-o pelo colarinho da blusa. Quase não conseguiu segurá-lo. Teve que usar toda a potência dos propulsores em suas botas metálicas.
— Tâmara?!
— O que seria de você sem mim, não é? — Ela lhe lançou uma piscadela.