Passos Arcanos - Capítulo 146
— Soube o que aconteceu com o Lago Morto? Metade dele perdeu a cor e agora parece que está se regenerando. — O refeitório estava lotado como nunca antes visto, e os comentários sobre o lago se espalharam feito fogo em álcool.
Orion comia devagar o pernil, sozinho em um canto. Ocupava-se com um dois livros que tirou da biblioteca geral. Eram magia de Grau Dois da Escola de Partículas. Já estava no Meio quando as vozes pararam.
O som oco da porta foi o que deu início a outros múrmuros.
— São os Magos de Quinto Núcleo.
Orion deu uma olhada por cima da capa. Realmente, eram os Magos. Eles estavam usando as roupas dadas pelos seus patronos, mas não estavam ali diretamente para comer. Procuravam alguém.
E claramente, era ele. Lumiere estava logo atrás deles. Orion simplesmente ativou uma magia de ilusão e camuflou sua presença e mana. Eles olharam várias vezes e nada encontraram. E Sanduc entrou logo depois com Poulius, Tauros e Drieck.
O refeitório entrou em um enterro. Ninguém falava nada.
— Senhores — Blue Mask, o líder do Esquadrão Quinto Núcleo, como chamavam a turma, se apresentou aos três. — Eu procurei por aqui. Orion Baker não está presente.
— Um Mago de primeiro Núcleo consegue te fazer ficar cego dessa maneira, Blue? — Poulius apontou diretamente para o canto, onde o livro erguido tapava a cabeça de Orion. — Não consegue nem mesmo detectar uma Magia de Grau Dois? O que está fazendo como líder do seu esquadrão?
— Poulius — Sanduc o advertiu com um olhar. — Deixe isso para depois. Temos assuntos mais urgentes. Orion Baker — sua voz se arrastou ao redor —, perante os últimos procurados dentro da Academia de Magnus, você está sendo convocado para um julgamento término.
O livro caiu e Orion comeu a última fatia, bebendo também a última gota do suco de laranja.
— Assim como vocês tem o direito de pedirem que eu vá ao julgamento, está no regulamento que tenho direito a dois dias para prover minha segurança e também defesa. — Ergueu-se e pôs o prato no quadrado que ligava o refeitório a cozinha. — E também tenho direito de saber o motivo de eu estar sendo julgado.
— O motivo do julgamento se dá porque a mana que carregou metade do Lago Morto de volta ao seu estado atual foi localizada no mesmo ambiente onde você trabalhou ontem.
— E o que isso tem a ver comigo? Se eu estivesse no refeitório ontem e a mana viesse daqui, só eu estaria sendo julgado?
— Não mesmo, mas não estava no refeitório ontem, estava?
— Eu estava no primeiro andar do Prédio Alquímico, é verdade. Quantos andares tem esse prédio?
A boca de Sanduc inclinava-se para baixo cada vez mais.
— Três andares — Tauros respondeu. — Mas, ninguém mais usa esse prédio.
— Tem certeza? Cerca de vinte alunos estavam no segundo andar nesse dia, tenho o nome e também os professores adjuntos podem confirmar já que eles também estavam presentes.
Tauros encarou ao redor. Orion tinha certeza que eles não poderiam brigar em uma discussão ali, não quando seus argumentos eram rebatidos por um Mago de primeiro Núcleo.
— Dois dias — Poulius falou e se virou, deixando sua capa bater. — Nada mais do que isso.
I
Dois dias estudando magia ativas da Escola de Partículas e tendo cerca de cinco livros da Era Primordial que Poulius levou para ele. Orion usava a sala de alquimia para se esconder e tinha uma proteção que ele mesmo criou para que ninguém conseguisse abrir a porta.
Bom, isso durou até Magnus se aproximar.
A barreira se partiu em fragmentos. Orion tinha se esquecido de como o diretor ainda era um Arche-Mago de Quinto Núcleo. O único nesse nível na academia, e mesmo assim, a observada que ele deu na runa foi curiosa.
— Essa magia não está nos livros — disse, calmamente. — Você tem forjado suas próprias magia se baseando nas matrizes antigas, não é?
— Não faço magia, é proibido.
— Ah, claro que é proibido. Se qualquer um tentasse, teríamos um número de mortes muito maior do que a guerra nos causou no último ano. — A cadeira voou para a mão de Magnus assim que esticou-a. Sentou na outra ponta da sala, na direção de Orion. — O julgamento não foi uma ideia minha.
— Não precisa me dar satisfação, senhor. Você é o diretor, qualquer coisa que escolher, vou fazer.
— Poulius achou desnecessário também, mas eu soube que você tem estudado livros antigos e corrigiu algumas questões que os antigos não conseguiram. — O rosto dele não escondia nada. — Não quero ser rude, mas eles começaram a achar que você é uma farsa.
— Farsa, em qual sentido?
— Que está escondendo seu conhecimento de algum jeito. Eu quero uma resposta simples e concreta, Orion, você é o Professor?
Se fosse simples, não teria perguntado.
— Mesmo que eu fosse, por que acreditaria nas minhas palavras?
— Porque todas as direções apontam para você. As Caldeiras, sua família, São Burgo, o Forte Drax. Todo o conhecimento que você possui, nenhuma outra em sua geração saberia metade, e agora, lendo livros antigos, está ampliando ainda mais a distância. — Magnus não parecia irritado, nem mesmo constrangido. — Por que esconder um título que te faria ser grande?
— Por que? — A pergunta soou de forma idiota na curta risada. — Acha que tenho direito de ter um nome grande como os antigos? Eu não fiz nada na história para ser chamado de herói e nem quero fazer, mas a minha família sofre e ninguém faz nada.
— Está procurando apoio?
— Quero liberdade — a resposta soou alta. Aquele sentimento do ego, vindo da fissura dos Cinco Sois estava voltando. Orion precisava controlar essa raiva. — Tratam minha família como escória, tratam a mim que nunca teve uma única oportunidade como lixo.
— Você quer mostrar pra todo mundo que pode ser melhor?
— Eu sou melhor.
Magnus respirou fundo e concordou.
— Então, a resposta.
— Professor é o meu mestre, sempre foi. Mas, ele vive de uma maneira diferente. — Apontou para sua cabeça. — Ele vive aqui.
Era a única forma que poderia explicar.
— Ele fala com você quando quer?
— Não. Minha mente é o Professor e eu sou Orion Baker. — A mana correu pelo corpo, exalada para fora, porém, deixou o Sol Negro correr pelo seu braço, transformando-a em uma cor vermelha. — Minha memória é perfeita. Tudo o que ouço, tudo o que vejo e o que sinto é gravado em mim, cada detalhe vem para cá. E ele processa comigo, não sei como funciona, mas é a forma que faço. Eu sou e não sou o Professor, diretor.
— Uma mistura de mana que tende a tecer uma personalidade dupla, mesmo que invisível. — O velho homem levou a mão ao rosto, pensativo. — E pensar que existia algo desse tipo. Claro, existe muitas magia únicas, como a Visão Mental, mas é a primeira vez que vejo a ‘Memória Compreensiva’.
Não era uma magia única, Orion sabia bem. Era ele mesmo, desde que nasceu. Sempre foi assim.
— Eu não sou duas pessoas, nem tenho duas personalidades. Eu sou e não sou ele, é simples. O nome do Professor vai ser usado para quando eu chegar no topo, e Orion Baker é quem estará lutando contra qualquer inimigo.
— Um fará a parte burocrática e o outro a prática.
Orion fez que sim.
— Se quer que eu te ajude, diretor, com qualquer coisa, deve saber que não sou como seus Magos de primeiro Núcleo.
— E por acaso te trato como um? — Ele sorriu. — Eu sempre tive admiração pelo Professor. Seus projetos são sempre desenhados com uma maestria impecável, mas me sinto… minúsculo quando vejo que ele é você.
Esse sentimento pode fazer uma Academia se virar contra uma pessoa. Orion não deveria ter contado, não agora. Se Magnus revelasse seu segredo, seria caçado e até morto. Não poderia lutar contra tanta gente.
Mas, o diretor apenas suspirou.
— Acho que os Selectores vão perder no julgamento — disse Magnus. — Eles não possuem provas concretas, mas Tauros e Mei, além de Poulius, desconfiam bastante de você. O que quer fazer? Fugir, ficar, lutar?
— Porque eu fugiria? Aqui eu sou um aluno, quero aprender o que vocês sabem. Se quiserem que vá, eu vou, mas vão perder ainda mais para a Academia de Arsenus, porque lá seria meu destino.
Magnus deu uma risada.
— Se aparecesse nas competições anuais, eles iriam ficar bem irritados.
— Então, não me tire. Quero mais do que tudo ajudar com o que posso, só me dê essa oportunidade. — Orion não queria suplicar, mas parecia fazer isso. Ainda mais na calmaria que Magnus estava. — O Lago Morto, estou estudando como ele pode ser consertado.
O diretor só se levantou.
— Dois dias, foi o tempo que deram. Até lá, fique fora de vista. Todos sabem do julgamento. Então, não encontre ou fale com ninguém. Fique aqui e estude. — Ele abriu a porta. — Nem mesmo Poulius deve te achar, entendeu?
— Por que?
— Porque pela primeira vez, vou ter que ser Magnus Maximus Maxmiliano III.
E saiu.
Por longos dois dias, Orion Baker se enfurnou na sala de alquimia, leu os livros que tinha tirado da biblioteca e meditou quando se sentiu afobado. Seu futuro dependeria apenas se Magnus conseguiria lhe dar uma chance.
Não existe provas contra mim. Mesmo assim, três Selectores juntos podem mandar um outro embora. O que um aluno é pra eles? Nada. Ainda não sou nada.
— Preciso ser maior. Lá fora, sou o Professor. E aqui? — se viu sozinho na sala cinzenta. — Aqui não sou nada.