Passos Arcanos - Capítulo 148
— Estamos quase prontos, senhor — Darui passou os braços para trás das costas. — O cerco mágico foi formado e toda Academia está fechada até sua próxima ordem. As fazendas dominadas, mas nenhuma morte. O espaço aéreo também, caso Drieck tente alguma coisa.
Hadini Liroi concordou ainda lendo seu precioso livro. Desde que tinha feito seus trinta anos, seu amor pela leitura tomou conta de toda a sua liberdade, o obrigando a abaixar a cabeça para os argumentos da história e da literatura.
Ainda assim, seu traje de batalha negro era impecável. Sempre pronto pra batalhar, sempre pronto para morrer.
— E o surto de mana de uma semana atrás, descobriram o que era?
— Aquele dia foi estranho, senhor. Nosso contato diz que um jovem estava sendo julgado por alguns crimes, como dupla persona e também por humilhar famílias nobres.
— Então, era isso. — Hadini ergueu a cabeça para seu tenente. — Assim que anoitecer, ativem a runa de mobilização e fecharemos o espaço de transmissão. Nenhum Mago deverá sair. E quando Magnus aparecer, vamos usar a Runa que nos foi dada.
Darui assentiu com a cabeça e saiu.
— Chegou a hora, velho amigo. Chegou a hora de devolver o que é meu.
I
Magnus e Tauros conversavam pelos corredores, caminhando para o Escritório de Reuniões, bem ao lado da sala de Drieck, onde ensinava sua matéria para os Magos de primeiro Núcleo. Entraram e escolheram seu lugar, já esperando por eles, Resklo Lila e Dadiv Dalila, os dois representantes de suas famílias.
— Senhores. — Magnus tomou a poltrona atrás da mesa. — Por favor, sentem-se.
Assim fizeram, os três.
— Sei que foi uma semana conturbada, e também sei que minhas desculpas por ter adiado nossa reunião não são suficientes. Peço perdão aos dois. Agora, o que ambos decidiram?
— Os nossos lordes estão impacientes, senhor — Dadiv respondeu. — Sei o quanto o senhor se dedica a essa academia, mas nossos herdeiros foram todos tratados como lixos pelo garoto Baker. O julgamento serviria como uma desculpa, mas eles não aceitaram o que foi feito. Querem sua cabeça.
— A cabeça de um rapaz de 18 anos?
— Isso mesmo.
Magnus ponderou por alguns segundos e respirou fundo.
— Orion Baker realmente fez algo que muitas pessoas teriam medo de fazer, senhores. Ele foi impulsivo em ter usado sua própria mana para oprimir seus espíritos, eu entendo o quão frustrante deve ser. Mas, vocês viram que ele possuía uma Marca Mágica, certo?
— Essa era outra questão que queríamos uma explicação. — Resklo tinha a mão no queixo. — Essa marca não deveria tirar toda a posse de mana dele? Como aquele fluxo de mana se tornou tão forte?
Nem parece que ele era o mais assustado.
— Drieck nos explicou como a marca funciona, ela possuí um limite. Algo em torno de suprimir um Mago de primeiro Núcleo, então, ele também chegou a conclusão que a quantidade de mana utilizada foi acima.
— Aquele rapaz já possuí mana suficiente para ser um Mago de Segundo Núcleo?
— Ainda não temos certeza. O crescimento acelerado de Orion Baker tem sido debatido entre os Selectores essa semana. Tauros, por exemplo, tem estado a frente em utilizar runas para entender como isso é possível.
A face dos dois se corroeram. Saber que Orion é mais forte os deixa tão incomodados.
— O diretor também estuda as possibilidades — Tauro os confortou. — Orion tem sido prioridade e deixá-lo preso dentro de uma runa de descrição também nos revela bastante informação de como seu corpo funciona. Queremos saber como o BioArcanismo alterou de sua estrutura, isso se alterou em algo.
— Como deixaram um Baker se aliar a Academia? Vai contra tudo que nós prezamos em Hunos. — Resklo balançava a cabeça. Algo o incomodava mais do que isso. — O Lorde disse que a desonra é mais perigosa do que a morte. Nunca entendi muito bem, mas dá pra perceber como mudou esse garoto.
— A desonra é só um título, como qualquer outro. Na história, poucas foram as famílias que sobreviveram com esse peso, e muitas outras se submeteram para serem subordinadas. Os Baker eram conhecidos por sua teimosia e força no campo de batalha, por isso seus apelidos eram temidos.
— Cães Imortais — Resklo se lembrava. — Era quase máquinas. Lembro que meu pai costumava contar sobre um deles, carregava o nome de Oli Baker, era tão habilidoso com a espada que cortou os cem tentáculos dos Polvo Devorador de Mana em dois movimentos.
Magnus conhecia a história também.
— Eles foram todos membros importantes para segurar Villavelha. Hoje, vivem em uma ilha com a ajuda de um único homem.
— O Professor — Tauros revelou. — Fizemos contatos com Caldeiras várias vezes para entender sua situação depois que Orion se mostrou presente. A condição deles melhorou em muito, mas ainda estão desorganizados por conta dos muitos parentes que se acham no direito de comandar.
Resklo ficou ainda mais incomodado.
— Esse Professor tem dedo em todos os lugares, pelo que parece.
Magnus deu uma risada seca.
— Parece mesmo, também pensei nisso. Hoje, temos sorte de Orion estar conosco, isso porque o Professor é um nome forte tanto para a Ordem quanto para o Clero. Por isso, fiz uma carta pessoal para os Lordes Lila e Dalila suplicando que deixem o rapaz em nossa asa.
Tauros tirou o documento dobrado de uma das gavetas e entregou a eles.
— Tenho certeza que quando chegar a hora, Orion Baker será muito mais precioso vivo do que morto.
I
— Seu almoço, Orion. — Mingo era um Mago de Quarto Núcleo que tinha se tornado o protetor da cela. Ficava ali todos os dias, sentado em uma cadeira, olhando para o nada. E entregava o almoço e jantar de Orion trazido por um dos criados da Academia. — Quer tentar adivinhar o que é pelo cheiro?
Orion se aproximou da porta.
— Você sempre perde nisso, por que ainda tenta?
— É minha única diversão do dia.
Por dez segundos, a concentração e os olhos fechados.
— Carne de porco, batata cozida com recheio e alface torrado e tomate com cebolas.
A risada sempre vinha depois.
— Está do outro lado da porta e ainda acerta. — A portinhola se abriu e ele passou o prato. — Aqui.
Orion tomou e puxou uma cadeira, sentando-se ali mesmo.
— Alguma notícia interessante, Mingo?
— Nada tão incrível. Acho que houve duas promoções nessa semana para Magos de Quarto Núcleo, então estão focando para esses rapazes consolidarem a mana, e teve dois aprendizes que tiveram a chance para subirem, mas não conseguiram por não passarem no teste de Arcanismo.
— É a parte mais chata do processo.
— Você é um Mago de primeiro Núcleo, mas não parece.
— O que faz pensar isso?
— No dia do seu julgamento, você não tinha medo. E sua mana, eu tive que criar uma barreira pesada para os outros não serem pegos. — E deu uma risada. — Os outros Magos de Quarto também falaram isso depois. Você tem uma mana bem parecida com a nossa.
Ele ficaria Meio chateado se eu dissesse que estava me segurando?
— Mingo, eu tenho a mana do Professor. Ainda que eu seja forte, aquele era um poder emprestado. — O que não é mentira. — Mas, vocês tem conhecimento e também tem força para serem os novos Arche-Magos, deveria estar mais animado.
— Animado? — Deu pra ouvir um bufar. — Desde que me tornei um Mago de Quarto Núcleo, uns cinco anos atrás, eu tentei achar um patrocinador. A gente que não tem um apoio forte precisa de ajuda de Selectores ou de convidados, mas eles não olham pra gente como eu.
— Como… você?
— Das fazendas.
Orion parou de comer e olhou para a porta. Dava pra sentir o misto da tristeza e da raiva.
— E por que não começa a fazer as coisas por conta própria?
— Se fosse fácil, todo mundo teria essa ideia. Os Selectores escolhem um promovido assim que eles passam para o Quarto Núcleo, os outros tem que continuar trilhando devagar, mas os conhecimentos se tornam inferiores. Tenho colegas que não fazem ideia de como prosseguirem já que os professores param de dar aula para a gente.
— Mas já vi Drieck ajudando Magos de Quarto.
— Cada Selector dá uma aula pública por semana, mas o conteúdo pode ser avançado ou simples, depende do humor dele.
Orion entendeu com um pedaço de carne na boca. Mastigou e engoliu para então voltar a falar.
— Qual a sua Escola Mágica?
— Viesk.
— Não estou falando o tipo elementar, mas a escola que você segue. Tem muitos Magos na história que criaram sua ideologia pelo fogo, Viesk era cremar, Prosna eram as ‘Chamas da Proteção’. Solz era o ‘Criador do Sol’.
Pelo tempo demorado, Mingo não fazia ideia.
— Só me responde — Orion forçou —, quando você está lutando, o que passa pela sua cabeça?
— Eu sempre penso em conter o inimigo. Gosto de mostrar que o fogo tem muitas propriedades, não só pra destruir tudo ao redor.
— Ótimo. Quando tiver um tempo, passe na biblioteca. Procure por ‘Iniciação dos Conrades’. É um dos pergaminhos mais antigos datados pelo Rei das Terras Vermelhas, ele viveu usando as chamas para criar vida.
— E o que mais?
— Quer mais? — Orion deu uma risada abafada. — Comece por baixo. Querer saber tudo vai te dar dor de cabeça.
Uma dica que Orion mesmo não seguia. Depois de almoçar, os livros dados por Magnus voltaram a flutuar juntos, abertos, diante a janela. A luz do dia era ótimo para ler o conteúdo dos seis ao mesmo tempo.
Orion sentou-se na cadeira e permaneceu estudando as matrizes até a noite. Era fascinante como a magia antiga tinha tantos defeitos diferentes — runas mal formadas, matrizes com planos defeituosos já de começo, os símbolos trocados e os ligamentos de mana todos confusos e embaralhados.
Era notável o porquê tantos Magos morriam ao tentar criar magias. O rebote era alto demais. Uma magia não deveria precisar consumir tanto do seu conjurador, era um dos primeiros requisitos da Era Primordial.
E os Homens dos Números sempre levaram isso em questão, mas os Magos, com títulos mais expressivos, desconsideravam e desprezavam esse fato. Se uma magia pudesse consumir todo o seu conjurador, significava que seu poder era imensurável.
— Que bom que ninguém mais pensa assim.
E as magias mais passivas, de controle e restrição, eram bem mais desenvolvidas e trabalhadas. Raros foram as que Orion pegou um erro fatal. Os Escolásticos dá época caminhavam devagar, sem se afobar pela imensa demanda que os reis e imperadores procuravam.
A pressão em cima desses era maior do que nos Magos. E Orion aprendeu três magias bem interessantes.
— O ‘Campo Absoluto’ da Xama também foi é uma magia passiva. — Desenhou no ar com seu dedo e a runa ficou flutuando. — ‘Comando Rei’, capaz de reverter qualquer parte inorgânica destruída. — Outra runa no ar. — E ‘Marcações de um Servo’, uma magia ocular que marca quem estiver no seu alcance. O primeiro e segundo são ótimos para uma batalha…
Travou no mesmo lugar. Algo estava chegando. Ele virou-se para a janela. O vermelho se estendeu para o céu. Uma esfera gigante era alimentada por um fio do chão, seu poder era descomunal.
— Ninguém está vendo isso? — Orion berrou para a porta: — Mingo, avise aos Selectores que estamos sendo atacados.
— Atacados? — O rapaz foi pego de surpresa. — Sério?
— Vai logo. Diga para eles.
Ouviu o rapaz descendo. Orion forçou sua mente, e seus olhos ficaram azulados. Ele procurou a linha, descendo pelos andares. ‘Visão Mental’, que copiou de Poulius, desceu pelos andares a procura do rastro de mana.
Rápido, rápido.
Achou Joia no pátio com um livro.
— Joia, sou eu, Orion.
A garota se assustou.
— Orion?
Ao lado dela, Poulius. O Selector franziu o cenho e assimilou sua própria mana na conexão dos dois.
— O que está fazendo, Orion? — ele questionou, rispidamente. — Como conseguiu se conectar com minha filha desse jeito?
— Isso não interessa agora. Estamos sendo atacados. Tem alguém do lado de fora conjurando uma magia de fogo. Soe o alerta.
— Atacados?
Expandir sua presença era fácil. Poulius usou sua magia ‘Visão Alta’, para observar os arredores da Academia. A esfera de fogo, tão grande quanto uma montanha, sendo alimentada.
— O que é isso? — Ele abriu sua boca. — Magnus, está me ouvindo?
O diretor parou de ler seu livro no escritório, seus olhos azulados. Ele via pelos olhos de Poulius.
— Um ataque. Tauros, ative todas as padronizações. — Ele levantou e esticou a mão. Sua roupa modificou, seu traje de batalha azulado colou em seus braços e pernas, sua bota ficou chamuscada, anos de uso, e seu capacete pontudo para trás.
Fazia tantos anos que não usava sua armadura que chegou a parecer estranho. Assim que saiu pela porta, um portal se abriu pra ele. Deu um passo para dentro e saiu do lado de fora da academia, em cima da ponta de pedra.
As chamas se alastravam ao redor de toda a Academia, mas a esfera no alto continuava a aumentar.
— Parece que querem nos destruir a qualquer custo. Senhores, estão ai? — Os Selectores apareceram por cima da ameia, atrás de Magnus. — Façam a varredura e tirem todos as nossas crianças da zona de perigo. Drieck, ative as runas defensivas. Handley, os inimigos que se aventurarem devem ser mortos.
— O senhor pretende ir? — Sanduc questionou. — Tem certeza que vai ficar tudo bem?
— Está tudo bem, jovem. — A espada tirada de sua cintura era branca, reluzindo a sol do final da tarde. — Quem quer que seja nosso inimigo, ele terá que enfrentar um homem bem irritado. E não estou sozinho.
Sua atenção também guiou-se para a Torre de Kristal. Orion estava agachado na janela, olhando freneticamente para a esfera de fogo.
— Se quiser, senhor — Orion se comunicou mentalmente —, posso destruir essa magia.
— Hoje, não. Eles querem a Academia, então, vou até lá. Te peço para descer até minha biblioteca, proteja aquele lugar com sua vida, confio no seu amor pelo conhecimento, Orion.
Orion deu um passo para frente e caiu no ar.
— Irei imediatamente.