Passos Arcanos - Capítulo 149
— Para terem vindo até minha casa, vocês procuraram a morte imediata. — Magnus deu três passos para fora da ponte e as chamas tremularam a sua mana. — Eu sempre pensei que morreria sem brandir minha espada mais uma vez, foram muitas vidas, mas acho que se programaram com tanto afinco que será uma desonra se não demonstrar um pouco de respeito.
A espada riscou de um lado para o outro e ele ergueu-a para o céu. O chão tremulou a sua vontade. A muralha vibrou fracamente, mas as chamas e a esfera gigante tiveram sua mana desequilibradas.
— O velho está sério — Handley gargalhou da ameia. — Faz quase duas décadas que não vejo ele assim.
— Temos que ir — Sanduc disse aos outros. — O diretor sabe se cuidar sozinho.
Cada Selector saiu em disparada. Handley foi o único que ficou parado, agachado e esperando. Seus olhos procuravam uma brecha, qualquer uma no campo inimigo. Uma falha, ele queria apenas isso.
A esfera se mexeu, na direção de Magnus.
— Um poder tão concentrado apenas para ferir. Uma pena que o desejo de matar seja menor do que a de viver. — Seu braço ainda estava erguido para o céu. — ‘Somat: Ridicularização do Compressor’.
Cinco cortes seguidos e o guarda na bainha. Nada. Respirou profundamente e focou na esfera.
— Corte.
Um imenso risco branco vertical surgiu na superfície vermelha da magia. E uma explosão seguida. A esfera foi dividida ao Meio como se suas partes fossem encaixadas, e começou a decair. Magnus esperou as chamas se apagarem aos poucos.
Os inimigos não esperavam por uma magia lançada de tão longe. O silêncio transbordou-se de longas vozes, e desespero. Claro, era só a primeira magia. Teriam mais. E elas vieram.
As duas partes da esfera se expeliram para fora e guiadas para Magnus. Formas Draconianas, com focinhos e rugidos flamejantes, poderosas magias destrutivas. Mais de trinta delas, de todos os cantos, visando-o.
— Estou perplexo — a calma não condizia com suas palavras. — ‘Somat: Crista’.
A lâmina guiou-se no em formato de um laço. Quando sua ponta tocou o solo, um arco de gelo nasceu por trás de Magnus e mais de cinquenta leões atacaram, ainda maiores do que os dragões.
Por mordidas e patadas, os animais se confrontavam pelo céu com ferocidade. Porém, qualquer que tinha sido a intenção dos inimigos, eles pararam.
No céu, acima da Academia, Magnus viu Drieck unir quase dez runas. Antes de lançar, uma outra magia foi ativada acima dele. De cenho franzido, Magnus se direcionou a Handley.
— Pegue Drieck.
— Certo.
O Selector de Batalhas se foi. Cinco segundos depois, Magnus saltou para trás. Uma runa cresceu onde ele estava, e o ar havia travado.
— Que inusitado. — A voz veio lenta, bem adiante. — E achar que o velhinho ainda tinha tanto poder depois de destruir duas das minhas magias.
— Não é como se você fosse especial. — Deu de ombros. — É normal as magias fortes ganharem das mais fracas.
— Claro, claro, diretor Magnus. — O homem puxou uma espada, sua lâmina tão branca quanto a do diretor. — O que será que acontece quando duas espadas gêmeas colidem?
A sobrancelha de Magnus acentuou. Ele buscou olhar para trás, porém, a Academia foi confinada numa barreira e outra cresceu com ele e o homem encapuzado dentro.
— Agora entende o que vai acontecer. — O capuz foi puxado, revelando o rosto cheio de cicatrizes. — Sua morte foi encomendada, pequeno Lorde.
I
Quando Orion chegou na biblioteca, o velho estava arrumando uma parcela de livros na estante com muito cuidado e pressa. Cerca de dois Magos ajudavam-no, e viraram-se velozmente na direção da porta.
— O que está fazendo aqui? — um deles questionou já com a mão na cintura. O nome dele era Rabin. Um Mago de Terceiro Núcleo. — Era para estar na Torre de Kristal.
— Magnus me enviou, disse para ficar e proteger esse lugar.
No olhar dos Magos, desconfiança. No velho, medo.
— Como podemos confiar nas suas palavras? — o homem questionou. Era um dos poucos que andavam com Oblak, Freud e Sanduc. Obviamente, eles não teriam uma boa relação com Orion. — Magnus não mandaria um garoto verde para ficar nesse lugar.
— E o que vocês estão fazendo aqui? — A lança saiu de dentro da sacola espacial, rotacionando entre seus dedos. — Só existem dez pessoas que podem acessar esse lugar, e conheço o nome e também os rostos deles. Vocês não estão na lista.
A tensão ainda recaía nos ombros do velho bibliotecário. Escorado na escada, tinha um livro na mão e se segurava para não cair.
— O Selector Sanduc nos enviou — outro falou. Esse era Rigolis. — Pediu para levarmos o velho bibliotecário em segurança para o Pátio Reservado.
Era mentira, Orion reconhecia na voz e na postura ofensiva deles. Estavam ali pelo velho, isso era certo, mas por motivo diferente. A ‘Visão Mental’ foi ativada e Orion se conectou ao homem na escada.
— O senhor está bem?
— Isso… — sua expressão se alterou para uma confusa. — Como você consegue usar essa magia?
— Por que eles vieram atrás do senhor?
— Estão querendo um livro. Eu não faço ideia onde está, mas é importante. O nome dele é ‘Ricochete de Aranhas’.
O silêncio entre as duas partes fizeram os Magos a puxarem suas armas. Eles perceberam uma estranha interação de olhares.
— Vaza daqui, Baker — Rabin ordenou com nojo. — Não precisamos de nada seu.
— E desde quando vocês dão ordem em alguma coisa? — A lança foi puxada para trás das suas costas e uma mão se ergueu, a runa se formando. — ‘Marcações de um Servo’.
Os três sentiram suas manas sendo sobrepostas a outras, e ergueram suas cabeças furiosos.
— Nada de magia aqui. — Orion deixou o Sol Negro emendar sua pele, por baixo da manopla mágica. O fluxo de mana ao redor caiu drasticamente.
Rigolis tentou conjurar uma runa, mas ela se partiu ao Meio, sem ao menos se consolidar.
— É um objeto mágico que ganhei quando era mais novo. — Orion tocou a pulseira, fingindo. — Um espaço de vinte metros sem uso de mana, incrível não acham?
— Sem magia, você também fica indefeso.
Rabin deu três passos e puxou a espada para cima. Um corte seco, ao topo da cabeça. Nada. Ele errou. Orion deslizou serenamente para o lado e puxou o braço direito para frente. A lâmina fez uma curva gentil em S.
Os dois avançaram juntos. Numa troca de agilidade, Orion alterou o peso e se aproximou de ambos mais rápido. Enquanto a ponta de sua arma defletiu a espada da direita, a madeira segurou o pulso da esquerda.
E num giro completo, o fio da lâmina transpassou quatro braços em um segundo.
Os três caíram gritando, o sangue esguichado pelos pulsos cortados.
— Vai deixar uma mancha feia no carpete — comentou ao ver o tamanho da poça. — Melhor irem embora.
O velho desceu da escada e correu para dentro da biblioteca. Orion marcou sua mana também, recebendo uma carranca. Não vai se esconder de mim, velho.
Ele fez o mesmo caminho, indo de corredor em corredor, até encontrá-lo mexendo em vários livros mais afastados, quase escalando as prateleiras maiores. Era medo, dava pra sentir. Orion parou quase três metros afastados, vendo-o puxar vários e jogá-los no chão.
— Está por aqui. Sei que está.
— O que está ai?
— O livro que aquele desgraçado veio pegar. Merda, eu disse para Magnus que não era uma boa ideia guardar uma coisa dessa na Academia. Era pedir para receber um ataque. — Ele puxou mais dois, leu e jogou de lado. — Não, não. Onde está?
As vozes começaram a aparecer da porta da biblioteca. Os três avisaram sobre a chegada de Orion e também sobre o velho.
— Está ficando sem tempo, velho. — Orion puxou sua mana e ativou ‘Campo Absoluto’, expandindo seu domínio por quase trinta metros. Os Magos que chegaram sentiram a barreira passar por eles. — Depois que pegar esse livro, o que temos que fazer?
— Correr. Eles devem ter infiltrados em todo lugar. Temor que chegar até o ArMeiro. — Ele puxou mais dois e jogou pro chão. Orion abaixou e com ‘Sucção’, levou todos os documentos e livros para dentro da sua sacola espacial. — Não pode fazer isso, garoto. Eles são livros sagrados.
— Continue procurando.
Da esquina, três apareceram. Orion fez uma runa de Pedra e paredes cresceram em diversos lugares, bloqueando a passagem deles. Uma explosão aconteceu na parte mais distante e outro Mago pulou por cima.
— ‘Gali: Ventania do Leste’.
O vento ganhou força. O Mago foi arrastado para trás, e depois pra frente. A medida que Orion mexia sua mão, as correntes de ar cruzavam os corredores. Acertou o primeiro Mago e o arrastou para a porta de entrada. Fez o mesmo com mais dois.
Tendo o ‘Campo Absoluto’, conseguia sentir onde cada um deles estava pela sua mana. Era bem parecido com ‘Marcações de um Servo’, a diferença era que a primeira não limitava o número de pessoas, e o segundo não se limitava a área.
Contanto que o inimigo estivesse dentro do alcance, as duas atuariam.
Mais surpreso ainda era o velho que observava a movimentação de dedos de Orion enquanto ainda segurava a lança. A destreza de menear o vento enquanto impossibilitava os inimigos de se aproximarem.
Era a maestria sendo posta a mesa. O velho tinha certo receio de que Orion era uma aberração por ter conseguido ler vários livros complicados, mas aquilo só demonstrou a pequena parcela de mistério que corria em sua presença.
Voltou a buscar entre os gritos e ordens pelos corredores. Os Magos estavam se reunindo, entendendo aos poucos como a magia funcionava. E quando entraram na visão de Orion, ele estalou os dedos, e o ar mudou de direção.
Das laterais para o alto, o turbilhão direcionado para o teto. Os Magos voaram para as paredes, agarrados.
— Achou? — a calma dele assustava o velho. — Estamos ficando sem tempo.
— Sim, achei. — No alto, o último do canto esquerdo. Assim que o velho puxou, a estante estalou e a parede arrastou-se para trás. Segurando a runa, Orion observou a passagem se abrir. — Lá dentro está os livros que vieram pegar.
— Vai, eu vou ficar. Prometi ao diretor que não deixaria ninguém tomar a biblioteca. — Os ventos se fortificaram e jogaram os presos para longe. — E é o que vou fazer.
— Rapaz, mesmo que sua força e compreensão sejam altos, existem um limite do que um Mago de primeiro Nível pode fazer.
— Está tudo bem, velho. Eles não tem chance de me vencer.
— Espero que esteja certo e que não seja só garganta.
Um raio cortou pelos corredores, conseguindo atravessar a barreira de vento. Mudou sua direção no Meio do caminho, perseguindo o velho. Antes de conseguir chegar, Orion agarrou a flecha relâmpago com sua mão esquerda, deixando-a dissolver ao seu toque.
O velo ficou abismado.
— Vou confiar em você.
E entrou. Orion esperou que o Mago se mostrasse. E ficou ainda mais chocado com o que via.
— Selector Oblak.
O homem olhou para os seus agarrados ao teto, imóveis e também ao redor.
— Vejo que descobriu como produzir uma runa de posição — sua voz calma. Os ventos não alteravam em nada sua posição. Orion não estava sendo presunçoso com sua mana, mas nem parecia afetá-lo. — Sua existência tem um estranho sentimento de erro, Orion Baker.
— Já ouvi isso de algumas pessoas. Posso saber o motivo de estar aqui? Um ataque a Academia requer a presença de todos os Selectores. Ou existe algo mais importante, como por exemplo, ‘Ricochete de Aranhas’?
A expressão de Oblak oscilou por um segundo, segundo esse que Orion teve capacidade de analisar que ele não estava ali só por precaução ao ataque. Tinha alguma coisa envolvendo os Selectores, algo que ele mesmo não tinha ideia.
— Eu me pergunto, Orion. — A mana dele se tornou forte o suficiente para que o vento que prendia as pessoas do teto caíssem. — Você daria sua vida por um livro? Algo que nem mesmo tem conhecimento? Faria isso de bom grado?
— A pergunta é um pouco mais complexa do que isso, não é?
— Na verdade, é simples. Se ficar parado onde está, vou matá-lo com duas magias. Se ir embora, terá a chance de viver um pouco mais de tempo. Bem pouco na verdade já que atiçou pessoas que não deveriam ser incomodadas.
— Então do que adianta ir embora? — Ao recuar a mana de volta, deixou seus sentidos avaliarem a situação e também o contexto. — Nunca lutei contra um Selector, ainda mais um que está traindo a Academia no qual jurou proteger.
— Jurei? — Oblak mostrou seu sorriso pela primeira vez. — Não me lembro disso. Pois bem, se sua escolha foi a morte mais rápida, te darei isso. De um Mestre da Matéria para um Mago de Matéria, se sinta honrado.
A mana do Selector se condensou acima da pele, reforçando sua defesa. Ele está prestes a avançar.
Orion nem viu, Oblak apareceu ao seu lado. Só teve tempo de erguer a mão. O soco dele o enviou voando para dentro da sala secreta. Explodiu a parede, travando no lugar.
— Pensei que seriam duas. — Oblak entrou. — Parece que me enganei.
O velho caiu sentado, agarrando o livro no peito. O medo, o desespero, ele suava frio.
— Eu sabia que ele escondia o maior segredo da Academia aqui, mas nunca esperei que colocasse você para cuidar, Senma.
— O que quer dizer, Oblak? — O velho se esgueirava para trás, e parou quando suas costas acertaram a parede. — Por que estão fazendo isso? A Academia deveria ser sua casa.
— Minha casa está com os meus irmãos. Aqui, vocês simplesmente carecem de força e poder. Nunca foi um lugar adequado para mim. Vim por causa desse livro, apenas ele. — Ao esticar a mão, o objeto voou da posse de Senma para si. — O poder concentrado, a Relíquia de Icnex. O único livro que ensina a como criar o Sexto Núcleo e se tornar o Grande Mago. Com ele, nem mesmo Magnus poderia me vencer.
Oblak ergueu a mão na direção da parede e o punho de Orion colidiu contra. A ferocidade do rapaz era notável, e sua raiva, escapulia entre a respiração ofegante.
— Achei que tivesse morrido. — Procurou o ferimento na costela. Não estava ali. — Conseguiu desviar do meu golpe naquela hora?
Orion trocou o punho e mirou a cabeça. Oblak girou velozmente e tentou bloquear. Mas, a imagem desapareceu. Sentiu uma estranha ondulação em suas costas, e antes de girar, um portal se abriu.
— ‘Lapso do Espaço Curto’ — as palavras saíram de Orion. — ‘Gali: Cria de Ventano’.
Surpreso, a magia era de Grau Quatro. Oblak nem teve chance de se defender. Lançado para dentro do portal, caído em um chão lamacento, estava fora dos portões da Academia. O livro simplesmente voou de sua mão, Orion havia quebrado a ligação de mana.
Parado, dentro do portal, respirou profundamente e ergueu a cabeça.
— Você não tem pra onde fugir — Oblak gritou se levantando. — Irei atrás da sua cabeça, moleque.
— Tente.
O portal se fechou.