Passos Arcanos - Capítulo 151
— Depois de mais de vinte anos escondido, decidiu fazer sua jogada? — Não existia motivo para ficar preocupado, não até Orion deixar a mostra os três traidores. Sanduc, Freud e Oblak, três dos seus Selectores mais impressionantes, sendo um deles um Mestre, isso lhe trazia certa amargura.
— Fala com tanta proeza, e ainda assim sente tristeza, irmão. — A mão de Hadini foi ao rosto, em uma das cicatrizes longas. — Eu recebi isso quando você se foi, quando nosso pai deixou nossa mãe. Eu fui o culpado de todos os seus crimes.
Queria que não fosse verdade. Até porque a grande família Maximiliano não faria um dos seus membros mais baixos na patente (e um que não estava na corrida do trono) ser carregado de dor dessa forma.
Queria acreditar que estavam o usando para chegar a um fim. E Orion deixou claro que era por causa da Relíquia de Icnex.
— Por que veio até mim? — perguntou ao irmão. — Se está aqui só por causa de vingança, por que atacar pessoas inocentes? Por que levar caos onde deveria existir ordem?
O dedo de Hadini se esticou, a raiva nos olhos, vibrando em uma chama carmesim poderosa e violenta.
— Porque você escolheu isso. Escolheu isso no momento que se fundou aqui, você e nosso velho. — A espada de lâmina branca se tornou escuro em sua ponta, se alastrando o restante lentamente. — Hoje, nenhum dos seus homens vai sair daqui vivo. Planejamos isso faz anos, muitos anos.
— Se planejou com tanta antecedência, deveria saber que ao pisar e confrontar minhas crianças, sua vida foi sentenciada. — Ergueu a espada, mirando no pescoço de Hadini. — E não se preocupe, vocês não vão conseguir chegar na relíquia.
— Ela já está em nossas mãos.
— A variável do seu plano é ter contato com os meus Selectores para me trair. Deveria ter feito isso com os mais jovens, que são mais ousados. — Ele sorriu abertamente. — E quando o assunto é ousaria, vocês estão muito atrás dos meus meninos.
I
Mais uma vez, Oblak ergueu Orion pelo pescoço. Os furos nos braços, pernas e no peito, eram tão letais que um Selector teria dificuldades de voltar a ficar de pé algum dia, até levantar seria difícil. No entanto, pela respiração, aquele rapaz ainda vivia.
— Quando entrou na Academia, tive vontade de jogá-lo no esgoto com o resto das pessoas que disseram para dar uma chance. — Oblak pressionou ainda mais sua garganta. — E quando passos pelos testes e entrou na minha aula, minha vontade era arrancar essas suas asas fedidas e cheias de argumentos. No julgamento, eu não te matei porque o diretor estava presente. Tive tantas chances e vou aproveitar essa.
A boca do garoto se abriu.
— Tente…
O outro braço de Oblak girou velozmente e penetrou o peito. Mais um buraco no torso, dessa vez, ele apertou o coração e puxou pra fora. Era escuro, viscoso, e sem batimento.
— Você nem chegou perto.
Oblak virou o rosto para o lado e recebeu um palma na barriga. Era Orion, em seu estado perfeito, sem machucados e determinado. O mesmo rapaz que o confrontou todas as vezes.
O impacto da palma ondulou para frente e para trás, e Oblak lançado para dentro de outro portal. Orion girou para trás e criou um círculo no ar. De dentro do portal, o Selector viu o velho Senma escapulindo de uma invisibilidade e entrando em outro portal.
Estava no Lago Morto, a lama ao redor enegrecida e o cheiro de merda misturada com vômito.
— Como você escapou? — não conteve a emoção na voz. — Como fez isso?
Uma magia de ilusão deveria ser destruída assim que seu corpo sofresse danos suficientes. E ainda segurando o corpo falso, conseguia sentir a mana. Mesmo sem coração, mesmo com buracos espalhados, aquela cópia ainda se mantinha viva.
— Dá pra sentir seu ego sendo ferido — respondeu Orion de dentro da biblioteca. — Ser enganado por um aluno, um pequeno Mago de primeiro Núcleo. — O portal no qual Senma entrou havia se fechado. — Deve ser decepcionante.
— Não importa quantas vezes use essa magia espacial. — O próprio Oblak não tinha conhecimento para gerar um portal igual. Orion havia feito dois. Era… impressionante. — Eu vou atrás de você.
— Dessa vez, não precisa. — Com dois passos, o rapaz havia entrado no Lago Morto. — Estou aqui, pode vir.
Atrás dele, o caminho para a biblioteca se fechou. A academia estava quase um quilômetro deles, bloqueada por uma barreira de mana. Ali, apenas os dois e o silêncio.
— Na primeira oportunidade, você vai fugir — disse Oblak. Tenho mais uma chance. — Como fez da última vez.
— Eu lutei duas vezes e entendi como seu padrão de luta funciona, Selector. — A lança apareceu em suas mãos, vinda da sacola espacial de sua cintura. — A partir desse segundo, nada que fizer vai funcionar.
Blefe. Oblak reuniu sua mana ao redor da pele e avançou com Vellos. Sua velocidade corporal aumentada em dez vezes. Seu punho dez centímetros do rosto dele, sua imagem desapareceu. Ele girou no próprio eixo e a lança rodopiou.
Com a mão livre, segurou a lâmina e a contorceu para o lado, abrindo a defesa e e atacando com o outro braço. Uniu os dedos e deixou os relâmpagos se unirem em uma afiada estaca.
Num pisão, a terra ao redor de Orion se elevou. As areias abafaram os raios, insuficientes para bloquear o soco. Naquele lance de segundo, a chamada Fike foi usada, ganhando massa corporal e emendando o punho fechado.
E a palma do rapaz o encontrou, aberta.
— ‘Somat: Contraposição’.
Uma magia que se fosse acertada, faria seu oponente receber o próprio golpe. Oblak parou seu ataque precisamente e girou a perna num chute flamejante. Essa era a maestria de um Mago de Matéria, conseguir levar a afinidade, controle e imagem a um nível técnico.
O chute acertou o ar, mas as labaredas se libertaram de seu pé. A runa de Partículas continuava acessa, e fez as chamas desaparecessem. Ele não pode usar mais nenhuma runa até que libere o fogo.
Os dois entraram em um combate veloz. Os punhos acertavam a palma, chutes e ângulos diferentes. A medida que Oblak se elevava, sentia que seu inimigo fazia o mesmo. Por alguma razão, seus ataques novos faziam efeito até certa parte, mas numa segunda remessa, Orion já tinha algo preparado.
Seus socos de direções paralelas, os chutes com areia elevadas, bloqueando sua visão, até mesmo as cristas de gelo que pegaram Handley de surpresa num conflito foram ineficazes na segunda tentativa.
O chão se tornou mais duro, o ar mais rarefeito, a pressão maior. Oblak não via a vantagem ao seu lado mesmo sendo um Arche-Mago. E nem mesmo uma vez naquela maldita batalha viu Orion atacar sério.
— Pare de ler meu corpo. — Garras de Ferro se libertaram das costas. De cinco direções, queriam o peito e cabeça do desgraçado. — ‘Invocação: Garras Sanguinárias do Batalhão de…
— ‘Invocação: Garras Sanguinárias do Batalhão de Ferro.’
As mais garras se libertaram das costas de Orion e bloquearam as suas. A mesma magia, o mesmo procedimento, o mesmo ângulo. Oblak não acreditava no que via.
— Não estou lendo seu corpo, Selector. — Orion não tinha cansaço acumulado, nem estresse, nem fracasso. — Estou lendo suas vida inteira mediante seus movimentos. E posso dizer que numa luta franca, você ainda está abaixo de meu Mestre Cassiano.
— Não me faça rir, moleque. — Oblak puxou a espada de seu anel dimensional. A mana extrapolou seu corpo, modificando até mesmo o ambiente ao redor. — Ainda nem me aqueci.
— E acha que estou lutando sério?
Oblak viu o aumento contínuo de mana a medida que a sua oscilava. Não só o seu núcleo mágico, mas a mana que irradiava do chão do Lago Morto era guiada ao encontro dele. Cada segundo, ele igualava o poder.
Não só era surreal, uma magia de sucção que lhe daria a vantagem.
— Você é um Mago de Matéria como eu — Oblak não deixaria sua chance escapar. — Que tipo de magia está usando para ganhar mana?
— Magia? — A boca de Orion se abriu. — Quer mesmo saber? Você não teria capacidade de realizar, é muito avançada.
— Deixe de besteira. Sou um Mestre de Matéria. — Ele atacou.
A espada acertou a lança. As duas armas se encontraram mais de dez vezes, Orion girava e rodopiava, saindo de golpes e atacando de maneiras diferentes a cada segundo. Tinha que colocar a concentração no máximo para acompanhá-lo.
Como ele faz isso com tanta naturalidade?
— Preste atenção, senhor.
A lança veio da direita, mas a imagem de uma outra surgiu a esquerda. Os olhos de Oblak analisaram e se decidiu a direita. Uma falsa imagem não iria pegá-lo de surpresa. Ao inclinar-se, sentiu a palma acertar seu peito e a mesma ondulação de antes.
Um portal se abriu atrás de si, ele caiu largando a espada. Dessa vez, havia grama abaixo de si. E outras duas figuras.
— Eu misturei duas artes diferentes para conseguir acertar o ponto. — Orion passou o portal. — Os Baker possuem um estilo conhecido como ‘Palma do Inverno’, e aprendi uma magia, ‘Somat: Guia do Destino’. Eu transformei em uma magia passiva e de condicionamento. Toda vez que eu acertá-lo no mesmo lugar com essa magia, posso abrir um portal e jogá-lo em um lugar onde já estive. É incrível, não acha?
Orion olhou para o lado. Magnus o fitava e seu inimigo, um velho com feições bem parecidas, com marcas e cicatrizes muito feias. Pela poeira e também cansaço, Magnus estava tendo problemas. Oblak também encarou os dois.
— Senhor — falou rapidamente —, Orion tem tentado roubar seus livros. Ele enlouqueceu.
— Deixe de ser idiota — respondeu Orion. — Acha que ele já não sabe do que aconteceu? Vocês não vão ter a Fundação de Icnex, não enquanto eu estiver aqui. Até porque eu queiMeyo livro. — Seu sorriso foi largo. — Li ele inteiro e queiMei. Agora, tudo o que realmente querem, está aqui — apontou para sua cabeça. — Eu memorizei tudo, até mesmo seus fragmentos.
Hadini deu seu primeiro passo e apareceu ao lado de Orion.
— ‘Somat…
Orion esticou o braço e o uma rajada de vento jogou o velho para longe, quase cem metros.
— Seu inimigo é o diretor. — Orion fitou Oblak. — Você é o meu. Levante, eu vou te mostrar como um verdadeiro Mestre de Matéria deve ser. E pra isso, quero que saiba que estou me elevando para o Segundo Núcleo agora.
O surto de mana ao redor de Orion cresceu mais uma vez, ainda mais aterrorizante do que antes. O Selector não tinha ideia do que estava acontecendo dentro do corpo dele, mas conseguir controlar seu próprio núcleo era verdadeiramente fora dos seus conceitos.
Mais de cinco formas diferentes de batalhas, magias diversas e agora isso, um garoto de 18 anos apresentava conceitos que ele, com seus quarenta anos, ainda não tinha ideia de que existia. Ao entrar na sua primeira Academia, seu título de prodígio era aclamado por muitos.
Um Mago de Matéria era fadado ao fracasso por não conseguir se conectar com os elementos ou as Escolas com facilidade. Oblak era diferente, ele tinha o talento para isso. Nada estava fora do seu alcance. Aprendeu magias de Grau Três ainda no primeiro ano e se tornou uma estrela em ascensão.
O seu gargalo se mostrou apenas quando se tornou Arche-Mago, porém, ganhou seu título antes dos trinta anos. Considero um dos cem mais perigosos da lista do Clero, tendo seu nome na boca nos maiores Magos na base da Ordem.
Ele teve tudo o que um Mago poderia ter.
No entanto, ele nunca tinha chegado aquele nível. O controle abissal de mana, de conhecimento, de luta. Se ele era uma estrela, Orion Baker era considerado o que? Um monstro.
— Estou pronto, Oblak. — Orion segurava o Meio do bastão da lança. A calma assustava o Selector. — Pegue sua espada, eu não mato homens desarmados.