Passos Arcanos - Capítulo 155
Uma semana tinha se passado desde a tentativa de morte de Magnus e a captura da Relíquia de Icnex. Os inimigos foram derrotados por Orion, mas a notícia que se espalhou era do heroísmo do diretor e a perda de seu braço.
Muitas pessoas de Cedero vieram para saudar Tauros já que ele tinha assumido também o cargo temporariamente. Porém, quase todos conheciam a verdadeira jogada dos políticos e também comerciantes.
Era apoio, de uma maneira ou de outra. A Academia era um dos polos que sustentava a região, e com acordos feitos por Magnus, Tauros teria direito de rever alguns ou modificar para reparar danos ou para ajudar nas despesas. Isso o custaria caro, mais do que imaginava, e por isso, convocou os Selectores restantes para ajudá-lo na organização e cooperação da Academia.
No entanto, desde que entraram na reunião, os Cavaleiros também fizeram uma jogada bem suja, alegando que alguns dos acordos não valeriam se Magnus não assumisse novamente o cargo. Eles queriam uma bonificação.
— Eles nem mesmo entraram na luta — Handley esbravejou com o punho em mesa. — Bando de covardes se escondendo atrás de um juramento fajuto. São todos farinha do mesmo saco, querem o pão inteiro sendo que mereciam migalhas.
— Fale mais baixo por favor — os olhos de Tauros estavam nos documentos de valores utilizados pela Academia. — Temos que chegar em um acordo que não deixe as verbas da Academia pra baixo. Mais da metade foi nessa semana para a reparação das ameias, da biblioteca e também dos estragos que Sanduc e Freud fizeram nos pátios.
— E quem ficou responsável pelos dois foi você, Handley — Mey lançou-lhe uma carranca verdadeiramente furiosa. — Seus raios destroçaram mais do que deveria.
— Quisesse que eu matasse os bastardos com tapas e beijos? — resmungou virando a cara. — Fiz o necessário para arrancar o sorriso daqueles merdinhas.
— Mesmo assim, muitos dos nossos patrocinadores vieram das famílias que eles reuniram. — Tauros abaixou o papel e coçou a testa, Meio preocupado. — Magnus tomava conta disso e ainda tinha metade do dia para ficar bebendo chá. Somos cinco e não estamos nem na metade.
Poulius ergueu a mão ligeiramente na ponta da mesa.
— A família Lila e Dalila entraram em acordo e suspenderam seus herdeiros. E os Godoy estão cogitando o mesmo. Se perdemos eles, mais de cinquenta mil moedas de ouro vão embora no ano.
— Continua piorando, mais e mais.
— Recebemos uma carta também, veio de Arsenus. A diretora disse que se precisarmos de qualquer ajuda monetária, poderíamos solicitar. — Rayssan passou a carta por cima da mesa até Tauros. — É uma oportunidade.
— Cersei sempre entrega suas cartas em momentos de possibilidades, mas sempre para o lado dela. Não queremos que ela mande aqui em Magnus indiretamente, e pior do que isso, ela sempre se acha no direito de estar presente nos assuntos que não são chamados. Já aconteceu uma vez, e o próprio Magnus disse que nunca mais aceitaria ajuda da megera. — Tauros ergueu o olhar. — Foram palavras dele.
A porta estava aberta, três guardas asseguravam-na. No entanto, Senma havia entrado sem resistência.
— E ele estava certo. — Ao puxar uma cadeira, Handley abaixou a cabeça um pouco. — Eu soube que estavam com problemas, eu vim ajudar.
— O senhor tem contatos no continente que possam nos ajudar? — Tauros gostava de ver o velho vivo. Orion tinha conseguido salvar ele e sem nenhum arranhão.
Outro assunto que temos que resolver.
— Fui da velha guarda das Academias, jovem Tauros. Posso mandar uma carta e pedir alguns favores que me devem. No entanto, Magnus sempre se preocupou com os Cavaleiros porque o acordo que ele tinha já estava chegando ao final e não podemos perdê-los.
— Por que? — a raiva ainda transbordava em Handley. — Eles são apenas pombos que ficam fazendo pru pru.
— Podem ser pombos, mas a força da nossa Academia demanda tanto da quantidade de Magos quanto pela quantidade de Cavaleiros. E hoje em dia, é muito difícil de acharmos grupos que se vinculem como eles. Nós temos cinco grupos e cada um deles pede algo diferente, e não temos como aceitar todas.
— E o que acha que devemos fazer?
— Você quem deveria me dizer, jovem. Está na posição de Magnus, não eu.
Tauros saiu da reunião sem nenhuma resposta aparente. Mais preocupado do que isso, poderia deixar a fama da Academia, que já não era muito grande, ficar pior ainda. Era pouco escolhida nas contratações, com poucos fundos por conta do repúdio das famílias nobres e também do fato de Magnus aceitar Magos de baixa renda.
Mesmo que no começo a ideia tivesse se tornado contagiante e chamasse atenção, agora era sua fraqueza. Sem cobrar mensalidade, sem cobrar impostos, eles ficavam a deriva.
Se pegou caminhando para sua torre. Cada Selector possuía um quarto no topo de uma torre, era a forma de isolamento e independência que Magnus lhe deu. A vista, o horizonte deveria ser um combate entre o azul e o verde.
— Lago Morto e um céu cinza. — Sua visão de todos os dias com pouca vida e nada de beleza. — Um horizonte morto e sem sonhos.
Pela noite, sua porta se abriu. Senma entrou com vários cadernos e anotações e a papiros e deixou em cima da mesa.
— Magnus costumava anotar tudo no papel. Despesas e ganhos, vou ficar hoje para te ajudar, jovem.
Até as quatro da manhã, eles permaneceram firmes. Depois disso, o sono os apanhou com força.
I
— Sei que está aqui — Poulius entrou no laboratório alquímico. — Sinto cheiro de magia de ilusão. Pode parar de se esconder, já fez quase duas semanas que ninguém sabe sobre você. Eles acham que você foi embora.
Poulius viu a tenda fantasiosa de um lugar vazio se desfazer. O clarão das luzes no teto, as fornalhas ligadas e livros flutuando em todos os lugares. Teve o pensamento de que Orion realmente tinha ido embora ou estava se curando. Eles não acreditariam em mim mesmo se eu falasse.
O calor expandiu-se, tirando uma lufada de ar. Viu várias folhas e pétalas, frascos abertos e minérios jogados por cima das bancadas. O cheiro era forte também, estava produzindo algo.
— Eu estive trabalhando — respondeu Orion de costas. Ele girava uma runa com o dedo indicador enquanto lia um livro. — Na verdade, eu estive presente nas reuniões de vocês desde que começaram. Estão com tantos problemas que chega a dor de cabeça, dá pra ver que Tauros também não consegue lidar muito com a pressão das famílias nobres.
— Está fazendo o melhor que pode.
— Não vai ser suficiente. — Olhou-o de lado. — Eu li os registros de Arsenus, dos Cavaleiros e também dos acordos que temos com as guildas, estamos na desvantagem em tudo. Queria saber o que ele vai fazer.
Poulius se aproximou, dando uma boa olhada ao redor. Alquimia sempre foi uma área bem estreita e de mãos precisas, não o seu caso. Tentou aprender cedo, quando garoto.
— Eu queria saber o que você está fazendo.
Houve uma pausa do rapaz.
— Achei que fosse óbvio, estou forjando. Esse lugar ficou parado muito tempo, quis dar um pouco de vida e cor a ele. — Andou até outra fornalha e deu uma encarada dentro. Os livros o seguiam. Ele ajustou o calor girando uma segunda runa implementada na parede de mármore e se afastou. — Nunca pude aprender sobre Alquimia quando era jovem porque meu pai dizia que era profissão de vagabundos.
Poulius soltou uma risada.
— E por que ele dizia isso?
— Pelas palavras dele, Alquimia serviria para pessoas que só olham para comida e descanso. O que não é errado, é cansativo ficar esperando uma pílula ou um líquido ficar pronto. — Andou até a primeira fornalha e deslizou as chamas, puxando um cubo bem pequeno, mas que brilhava em um azul intenso. — Reconhece?
Poulius tomou em mãos. Frio. Nem parece que estava forjando.
— Parece ser algum tipo de medicina com propriedade de gelo.
— Se chama ‘Quartzo de Gelo Medicinal’. — Orion puxou um saco da bancada e abriu. Poulius contou mais de cinquenta lá dentro e jogou a sua. — É nisso que estou trabalhando. Ela demora cerca de dez horas para ficar pronta, então tive que dar uma lida e procurar nos livros da biblioteca do diretor, achei algumas matrizes que aceleram o tempo.
— E por que está fazendo isso tudo?
Orion parou de andar e abriu mais dois sacos. Tirou as pílulas de dentro das outras fornalhas, eram ‘Flor Esverdeada de Sangue’ e ‘Bobina de Mana’, essas estavam em quantidade acima de vinte.
— Eu fiquei quase dezoito anos estudando a história do mundo, Poulius. Se o senhor acha que sei apenas Arcanismo e magias, eu estaria desapontado. Conheço história, economia, administração, até mesmo os valores que cada peça de armadura, arma, papiros mágicos e itens mágicos valem.
— Por alguma razão, não me impressiono mais quando fala desse jeito. — Era notável que Orion estava muito acima de qualquer outro aluno, muito acima do que alguns Arche-Magos da própria academia que se escondiam nos momentos mais precisos. — E vai nos ajudar?
— Quero ajudar, mas preciso que seja discutido algo na próxima reunião.
— E o que seria?
— A cadeira de Selector.