Passos Arcanos - Capítulo 156
— A cadeira de Selector? — A ideia pareceu ridícula para Mey e Rayssan. — Ele é um garoto de dezoito anos e é um Mago de primeiro Núcleo. Pode até ser que ele tenha vencido aquelas lutas, mas isso não é crédito…
— Ele matou Oblak e Dalain — Senma sentava-se na mesa como um Selector agora. Havia ocupado a vaga a pedido de Tauros. — Posso não gostar da forma como ele tem crescido, mas avisei a Magnus um dia, e digo o mesmo a vocês, a compreensão dele supera a de um Grande Mago. O garoto é um gênio.
Poulius olhava para Tauros, mesmo que os comentários fossem todos de negação, eles trocavam olhares firmes. E num olhar questionador do atual diretor, Poulius acenou com a cabeça em consideração.
— Tem certeza? — a pergunta veio mentalmente. — Ele é só um garoto, o peso é grande demais para nós. E qual recurso ele pode oferecer?
— Eu gostaria que o senhor, como atual diretor, visse por si mesmo depois dessa reunião. Ele disse que falará só com você.
A mão de Tauros se elevou. As vozes diminuíram.
— Senhor — Senma disse —, gostaria que pensasse plenamente no assunto, mas o certo seria uma votação.
— Em votação, vocês negariam o rapaz — Poulius respondeu. — Orion tem um conhecimento amplo em áreas que nem mesmo nós com muitas décadas teríamos como aprender até o final de nossa vida.
— E onde ele está agora? — Handley fez a pergunta mais importante da reunião. — Ele não sumiu? Faz duas semanas que ninguém fala desse pivete. Eu queria uma demonstração da sua habilidade também.
A ambição por uma luta era sempre vista no Selector Handley, bem cômico.
— Por ora, eu deixaria que a votação ocorra para uma vaga de Selector. Quero que vocês façam uma pesquise e cheguem em um consenso. Devo lembrar que consenso é unanimidade, sem segundas escolhas.
Ele levantou-se da mesa e Poulius o seguiu acompanhando seu ritmo. Eles desceram as escadas giratórias. No Pátio Neutro, onde os alunos descansavam das aulas, recebeu olhares e acenos de vários professores e Magos do primeiro ao Quinto Núcleo.
O dia estava lindo, o céu azul parecia ter finalmente aparecido depois de uma longa semana de chuvas e tormentas ovacionadas pelos trovões.
— Drieck ainda está de cama? — Tauros perguntou pondo suas mãos atrás das costas. Diminuiu o andar, observando ao redor. — Ele ainda está com os problemas nos circuitos?
— A runa que ele enfrentou enfraqueceu muitas vias do corpo. Melissandre cuidou dele também, disse que os ferimentos são bem amenos, mas ele vai precisar de mais um mês sem fazer esforço.
Tauros concordou de cabeça. Dava para perceber a preocupação acumulada e também os pesos de ter assumido aquele cargo de maneira tão desajeitada.
— E os Cavaleiros, faz alguns dias que tiveram uma conversa, não foi?
— Nada ainda, exigências muito grandes. — Poulius fez uma curva e Tauros o olhou. — Venha, meu protegido quer vê-lo.
Seguiram para um caminho alternativo sem muitas pessoas. Tauros reconheceu para onde iam, mas permaneceu calado até a porta. Poulius abriu devagar, e encontrou Orion conversando.
— Eu já coloquei a runa de purificação, só preciso que administre quantos hectos vão ser restaurados. — Ele passou um papiro para Lumiere, uma das Magas de Luz mais promissoras da Academia. — E Albert, aos confins do inferno com aquele dinheiro todo, diga ao chefe da guilda que posso mandar um Mago especializado em combate para tirar o incomodo da fazenda. Esse é o meu cara.
Martin Crons se prontificou para Albert Heniore, um dos Magos de Fogo, com vínculo a Cedero.
— Martin sabe e gosta de enfrentar as piores coisas, dê uma missão a ele, e um dia é necessário. Agora, não existe possibilidade de conversar se querem três vezes os valores que acordamos. Diga a Rugal para vir me visitar se quiser ter algum tipo de tratado.
— Vou dizer a ele, Orion.
Um portal se criou e Albert e Martin entraram.
— Martin — Orion o chamou —, não demore. Temos trabalho a fazer.
Lumiere também entrou em outro portal, direto para o Lago Morto. Assim que se fecharam, Orion virou-se, ainda indiferente a presença de ambos.
— Senhores. — Ele se dirigiu até a bancada, pegou as três sacolas gordas e fez um portal. Uma nova saída, para longe. Um garoto entrou, com turbante alaranjado na cabeça. — Esse é Rob, meu assessor.
— Assessor sua bunda, moleque. — Rob procurou uma cadeira e pulou. O portal se fechou. — Sou Rob, de São Burgo. Vim a pedido de Orion porque estão problemas com o financiamento da Academia. Mas, é aqui que você trabalha?
— É temporário.
— É menos bonito do que nossa ferraria. Milan ficaria desapontada de ver você aqui.
Orion deu uma risada. Com a mão, pediu que os dois se aproximassem.
— Esses são Tauros e Poulius, dois mentores meus.
— Ah, o atual diretor e o que fez Orion um Mago de primeiro Núcleo. Sim, sim. — Apertou a mão dos dois. — Eu li sobre vocês, mais do que deveria para ver onde estava me enfiando. Mas, Orion nunca entra no ramo do dinheiro sem uma base sólida, foi assim que reerguemos São Burgo dos Krasios.
A notícia de São Burgo era viva em Poulius já que soube de primeira mão dos conflitos entre as partes. Um tempo depois de Azrael Carnage sumir, o Professor financiou o Tomo de Ferro e eles entraram em guerra com o grupo comerciante.
Esperava-se que Tauros soubesse a respeito também já que concordou sem dizer nada.
— Certo, sem delongas. — Rob tirou a sacola de sua cintura e jogou em cima da bancada. — Se precisam de Cavaleiros, o Tomo de Ferro tem cerca de treze grupos médios, contendo mais de duzentos cada. Podemos financiar a estadia de apenas dois, o restante ficará com vocês.
— Quatrocentos?
A pergunta parecia ser boba, mas Poulius e Tauros sabiam bem quantos eram os que estavam em Magnus.
— Eu fui mesquinho? — Rob perguntou a Orion. — Achei que vocês tinham pouca gente.
— Temos apenas 150. Quatrocentos é bastante, reduza para trezentos, e mande cem de cada grupo. É melhor.
— Certeza? — Surgiu confusão no rosto do jovem sentado. — Se você diz, quem sou para contrariar?
— Ainda tem aquele contato que está em Archaboom?
— Claro, ele sempre pergunta de você. Mandou muitas coisas boas quando estava com a gente, agora ele fica todo choroso porque você não liga mais para eles. — Rob deu uma risada. — Ficou bem importante por lá também. Orion Baker, o salvador, é um bom título.
Orion passou a sacola gorda de cima da bancada na direção dele.
— Venda para eles, diga que é o preço de mercado. E fale também que teremos ‘Água Viva’ na próxima semana.
Rob pegou o primeiro e olhou para os outros dois sacos.
— E esses?
— Para pessoas diferentes. Não posso fazer negócios só com você, certo?
— Maldita lei da oferta e da procura, maldita seja. — Deu outra risada e pulou da cadeira. — Essa sua magia de portal é ótima, hein? Devia visitar São Burgo quando tiver chance, seus primos ficariam aliviados em te ver vivo.
Orion assentiu com a mão. O portal se abriu.
— Farei isso. Diga a Fazin e Aroldo que se cuidem.
— Pra que dizer isso? — Rob entrou no portal. — Eu quem limpo a bunda daqueles dois todos os dias, só fazem merda. Que seja, quando vier, me avise. Tenho várias missões que você poderia dar uma olhada, coisa boa.
— Quando der, Rob. Até.
— Até mais, Baker.
O portal se fechou.
Poulius tinha a mesma reação de Tauros. Estranheza e incredulidade.
— O que… foi isso? — o diretor questionou. — O que está fazendo?
— Dinheiro, acordos e tratados. — Orion passou uma sacola em sua direção. — Eu estudei os panoramas que a Academia se encontra, e entrei em contatos com as pessoas que achei que seriam adequadas para resolver. Rob, Lumiere, Albert e vários Magos que tem mentes brilhantes.
Orion passou um papel também.
— Aqui estão as despesas pedidas e o dinheiro que vamos receber na próxima semana. — Orion esticou a mão e um dos livros voou em sua direção. — A ‘Água Viva’ vai ser…
— Espere — Tauros o travou. — Eu quero saber porquê está fazendo isso. Ninguém te pediu nem ordenou.
— E eu preciso de algum tipo de permissão para ajudar? — Orion piscou algumas vezes. — Achei que se eu pudesse ajudar, poderia fazer. Alias, tem tanta coisa que tenho em mente.
Tauros deu a volta na bancada, dando uma olhada nas fornalhas acessas, nos livros abertos e também nas ferramentas usadas. O laboratório estava sendo usado como um esconderijo, isso era certo, mas a pressão era muito menor de quando o antigo Selector vivia ali.
— Aprecio sua ajuda, mas resolver tudo sozinho não é o jeito que fazemos.
— Tenho ajuda de muitas pessoas, senhor. — Orion virou o livro. O nome de mais de cem pessoas era listado, cada um com um propósito ao lado. — Sei que o senhor tem muitas pendências com a Academia de Arsenus, então, se quiser me deixar cuidar disso. Poulius pode me supervisionar e não vai sobrecarregar os outros Selectores.
Menos de duas semanas, Tauros sentia a estranheza naquele jovem. Era como se ele tivesse o controle do mundo inteiro ao se redor, e a confiança inabalável. Ele passa mais confiança aqui dentro do que eu passo sentado na frente de meus amigos.
— Sei que você tem um pedido — disse Tauros. — Posso dar a cadeira, mas não o título.
— Se fizer isso, vai cometer um erro, senhor. A cadeira já é o título. Diga que sou temporário, e que está a procura de alguém. — Orion abaixou o livro e o fechou. — Sou novo demais, sei disso, mas acredito que não tenha ninguém que faça o que faço.
— Claramente, não tem — Poulius concordou em sorrisos. — Tauros, temporário não é uma má ideia. Eu fico e tomo conta dele.
O diretor ergueu os dois braços levemente e foi na direção da porta.
— Droga, o título é seu, Orion. Serei conhecido como o diretor mais idiota da história da Academia, mas se não fizer, estarei indo contra o que acredito. — Quando encostou na maçaneta, ouviu seu nome. — O que é agora?
— Soube que a diretora de Arsenus está enviando cartas. — Orion tinha um papel dobrado em mãos. — Esse seria a minha resposta, como um Selector. Porém, quem faz ou não o envio é o senhor, diretor.
Tauros pegou e abriu. Saiu enquanto lia. Poulius ficou e puxou uma cadeira.
— E então, onde estamos agora?
— Dos doze itens que preparamos, cinco foram concluídos. Se eu tivesse capacidade de falar com algumas pessoas, seria mais fácil. — Ele se sentou também. — Eu serei um Selector, Poulius, e acho que tenho que jogar sério daqui pra frente.
— Achei que já estivesse jogando sério — brincou.
— Magnus precisa melhorar logo, e Drieck também. Se a diretora de Arsenus quiser prestar uma visita, ela vai usar um teleporta igual o nosso, talvez em forma de papiro. Temos que reparar os danos que sofremos o mais rápido possível.
— Já se passaram quase três semanas. O continente inteiro sabe da nossa fraqueza. Tauros acha que patrocinadores já estão vindo. Não podemos mexer os palitos se eles estiverem no caminho, e esses acordos é o diretor quem rege.
Orion olhou para ele e depois mexeu a última sacola.
— Não se nos apresentarmos primeiro.