Passos Arcanos - Capítulo 159
— Nenhuma notícia boa, não é? — Randysse nem olhava para a porta. Cobria os olhos com a mão, a luminosidade das manhãs eram melhores serem sentidas do que vistas, por isso, por quarenta minutos parecia estar dormindo.
Entretanto, o melhor momento do seu dia era bombardeado por relatórios de batedores e também das linhas centrais. Como Comandante e também um Arche-Mago, sua função era a mais trabalhadora; ouvir, planejar, falar, ordenar, criar, ditar.
— Senhor, outro batalhão recuou por conta da estranha magia enegrecida — respondeu Cliff, seu melhor Mago de Velocidade. — E os Arche-Magos Antony e Mackenzi foram alocados em uma enfermaria. Querem levá-los de volta para uma cidade neutra para ser curados.
— Não vão aguentar — sussurrou para si. — Precisamos de um Mago de Luz, alguém que saiba mexer com essa magia estranha.
— Os garotos estão lendo os relatórios, senhor.
— Lentos demais. — Abriu os olhos, quebrando seus quarenta minutos. — Mande uma mensagem para Magnus, o diretor tem um lugar que passou por uma situação parecida. Peça ajuda, urgente.
— Sim, senhor.
I
— Esses são todas as dividas que tivemos — Geraldo Bitte passou o livro, depois alguns papiros e uma folha. — Magnus teve um imenso controle das finanças, mas desde que ele adoeceu, alguns dos patrocinadores que ele pediu empréstimo foram até nós perguntando da situação.
— Estranho. — Orion leu os nomes de cada um, eram diferentes dos grupos que vieram da última vez. — Eles não vieram aqui no mês passado.
Geraldo parou e esperou. Orion não respondeu e continuou lendo. Os nomes espalhados, até mesmo a quantidade de números, eram uma soma demais para alguém que estivesse desacostumado.
Não era o caso do rapaz.
— Acha que eles estão mentindo?
— Se não estão, essas são dívidas de outro lugar. — A resposta foi leviana. Realmente, Orion não leu aquele nome em lugar algum, nem mesmo nos grupos de patrocinadores altos. — Esse aqui, a companhia Acopor, eles são de onde?
— Santa Helena, como está escrito ao lado.
— Certo. — Orion pegou outro e apontou para o velho contador. — E por que ai está falando Santiago?
Geraldo levou a mão a boca e depois pensou.
— Estranho mesmo — concordou com ele. — No ano passado, eles disseram que o antigo diretor também tinha uma divida plena em três mil moedas, como foi um montante pequeno, não me atentei a isso.
— A ambição deles é bem alta. Eu achei o nome deles em cinco livros, cada um tem uma cidade matriz diferente. — Orion deixou que Geraldo se atentasse a cada um. — Cada Academia recebeu uma divida dependendo da quantidade de ouro que recebe, e eles cobram como se fosse mão de obra ou infraestrutura. Todo ano acham uma maneira de fazer isso.
— Vou levar essa discussão para minha senhora, Orion.
Ele concordou e deixou o homem ir. Ficou por mais de duas horas se atentando aos nomes dos lugares, das corporações e também dos tratados que Magnus fez durante seus mais de trinta anos como diretor.
O velho controlava bem os pagamentos. Nenhuma organização recebia mais do que deveria e devia favor apenas duas pessoas, sendo elas fora das organizações. Esses contatos eram bons e fazer favores aos outros lhe daria mais influência dali pra frente.
Lugares como Vila Velha, Campanário Verde e Archaboom eram sempre marcados como locais avermelhados, de extremo perigo. Porém, as chances de ir até lá eram minúsculas.
Nos dia seguinte, Orion permaneceu no laboratório com Lumiere, ajudando e ensinando como a forja poderia influenciar e muito nas matrizes de luz. Estudava os livros do antigo Selector e achava fascinante como sua estrutura era tão firme e flexível ao mesmo tempo.
Lumiere se encantou ao produzir a sua primeira forma de pílulas base de endurecimento de pele, além de alguns medicamentos para prisão de ventre. Por mais bobo que fosse, eram essenciais dentro de qualquer Academia Mágica.
Poulius apareceu no começo da tarde quando os dois trabalhavam na água do Lago Morto. O frasco girava lentamente e o liquido tinha sua cor do azul para o transparente e depois para o preto, num ciclo completo.
Ele deu uma encarada ao redor, estava bem mais organizado, sem livros voando ou jogados para todos os lados.
— Lumiere deu outra cara a esse lugar. Ficou bem melhor assim.
— Obrigado, Selector Poulius. — Ela abaixou a cabeça velozmente. — Fico grata por ajudar.
— Orion escolheu você por algum motivo, espero que seja por sua capacidade e curiosidade. — Ele pegou um dos comprimidos e cheirou. — Está produzindo medicinais agora?
— Os Caçadores de Cedero comeram alguma coisa que não fez bem, estamos enviando uma quantidade de mil desses. — Orion tocou o ar perto da fornalha e a runa cresceu. — Eu consegui acelerar a quantidade em três vezes, faço 50 delas em dez minutos.
— 300 em uma hora. — Poulius percebeu um pequeno papiro aberto, numa mesa bem ao canto da sala. — Está lendo os registros do Tom Cara-de-Sapo?
— Se ele for o antigo Selector de Alquimia, sim, estou lendo. — Orion fechou a runa e permaneceu olhando para dentro. O fogo ardia e clareava seu rosto numa intensidade que parecia queimar seus olhos. — Os segredos dele são bem… interessantes.
— Tenho algo para mostrar a você. Lumiere, pode nos deixar sozinhos?
A mulher se apressou e saiu andando. A porta se fechou em seguida.
— O que sabe do Campanário Verde?
Orion se sentou no banco alto.
— Só que está sendo bombardeado por muita gente. É um lugar perigoso e de difícil acesso. Tem três biomas diferentes, uma floresta, um desfiladeiro e uma área que os Sacerdotes se escondem. O que tem lá?
— Precisam de ajuda. Dizem que os Sacerdotes usaram algum cântico e as terras se tornaram escuras, tudo que ela toca morre, e está se expandindo até a base principal da Ordem. Eles já perderam cinco esse mês.
— E os Sacerdotes, perderam quantas?
— Não sabemos, a carta que foi enviada diz apenas as nossas baixas.
Orion pegou um dos comprimidos e jogou na bancada. Deixou que parasse bem no meio do mármore.
— Quer que eu vá lá e verifique?
— Não posso mandar um aluno, mas um Selector, isso sim. — Fez uma pausa se levantando. Ajeitou a roupa azulada e endireitou os ombros. — Quando Magnus recebeu a notícia do Lago Morto, foi Tom Cara-de-Sapo quem disse que era possível consertá-lo. Uma semana depois, Sanduc e Oblak tiraram ele daqui.
— Acha que há algum segredo naquele lugar fedorento?
— Se tem ou não tem, eu não saberia dizer. Mas, sei que você gostaria de ir dar uma olhada com seus próprios olhos. — Ele começou a caminhar para a porta, parou onde o comprimido estava e o pegou. No seu lugar, um papiro amarelado foi deixado. — Eles precisam de ajuda e não conheço outra pessoa que iria por motivos óbvios ou segundas intenções. Magnus lhe deu uma chance, não foi? Temos que fazer ela valer a pena.
— Consegue segurar Cersei uma semana aqui?
— Se eu quisesse, até um mês. — Poulius abriu a porta. — Te encontro amanhã… ou semana que vem.
Nas seis horas seguintes, Orion deixou o laboratório com Lumiere e deixou as instruções de quantas deveriam fazer e para quem entregar. Subiu para sua torre, agora também sendo um Selector, e pegou seu traje de batalha dado por Poulius.
Com o papiro amarelado na mão, nem pensou duas vezes. Retirou o selo e o abriu, sua mana foi puxada e a matriz desenhada ganhou forma. Cinco segundos depois, o fluxo aumentou e um portal cresceu.
— Uma semana — prometeu a si mesmo. — É o tempo que me foi dado.
II
A porta foi aberta e Cersei viu Kley entrar. Novamente, sozinho.
— Deve ser bem difícil pra você trazer alguém vivo — comentou ela revelando um olhar tedioso. — Diga, qual a desculpa dessa vez?
— Não existe desculpa, senhora. — O Arche-Mago ergueu o queixo. — Ninguém sabe onde ele está. Nem mesmo Tauros sabe.
— Ninguém? — ela partiu os ovos ao meio com a faca. — E o rastro mágico?
— A senhora disse que ele pode criar portais. Fui ao Lago Morto para achar seu rastro e combinar com a nossa runa. — Ele negou com a cabeça. — Nada, nem mesmo um segmento. Ele sumiu completamente.
— E Geraldo, sabe onde ele está?
Thompson inclinou-se a ela.
— Ele está ocupado com as companhias fantasmas que achou ontem.
— Bom, que seja. — Ela enfiou um pedaço de carne na boca e mastigou lentamente por várias vezes. — Temos que esperar para ver Magnus, mas aquela maldita da Melissandre não nos deixa e aproximar. Quero que vocês achem um jeito de eu entrar na sala.
Kley assentiu e saiu novamente.
— Ele é um ótimo guarda-costas — falou Cersei. — Só que ainda sinto que falta algo nele.
— Se me permite dizer, Kley é um soldado, senhora. Foi treinado para matar e destruir.
— Essa é a uma natureza que nem mesmo nós podemos mudar com o tempo. Dez anos, não é? — Ouviu ele assentir. — Queria que ele tivesse um pouco de versatilidade, seria ainda mais produtivo. Tantas mentes brilhantes gostariam de estar na posição dele.
— E ele honra isso com disciplina e muito esforço.
— Esforço desnecessário. — Tomou o copo e bebeu um pouco de água. — Quando voltarmos, darei um posto mais centrado as suas habilidades. Peça a Geraldo para criar uma lista de possíveis nomes para a troca.
Thompson deu dois passos e saiu andando. Gostando ou não, eles eram ultrapassados tanto por idade quanto por conhecimento. Era o momento de fazer trocas.
III
Grama, arbustos e longas árvores de copas largas, essa foi a primeira impressão de Orion assim que pisou onde era chamado de Campanário Verde. O vento era calmo, o verde era florescido e o amarelado que corria pelas arestas, como se fossem milho, recheavam a área numa mistura de cores surpreendente.
O cheiro das flores também eram novos, com fragrâncias finas e algumas mais robustas. O sol clareava um lado onde cabanas e fortificações foram montadas, eram de tecido grosso e protegidas por longas estacas de madeira na diagonal, enfincadas no chão.
O terreno era imensamente belo, isso se não fossem as ordens que destruíam aquele bioma diversificado. Orion procurou um livro que dissesse sobre os pontos principais do Campanário, pelo menos na parte da Floresta Amarelada.
Duvidava muito que exploraria o Desfiladeiro Remoto das Toupeiras. Três dias de viagem seriam longos demais, mas depois de fazer a primeira visita, seria praticamente fácil criar um portal. Distâncias tão longas quanto Cedero e ali deveriam gastar bem mais mana, mas com a sucção do Sol Negro era completamente fácil.
Mirou o acampamento, faria sua primeira aparição na guerra.
Pai, estou aqui. Abriu um belo sorriso. Estou vendo pessoalmente todos os livros que o senhor me deu.